Acordo com o som da voz doce e calma da minha mãe chamando-me em um tom de voz baixo, mas audível. Levo as mãos aos olhos, coçando-os e abrindo-os com esforço. Meu corpo doía, reflexo do cansaço após o árduo trabalho físico durante os dois dias da semana passada. O final de semana com certeza não fora suficiente para recompor 100% a minha capacidade física. Minhas costas reclamavam do trabalho feito, e choravam pelos próximos que viriam, crescendo em mim preguiça e indisposição para voltar àquele colégio pela manhã de uma segunda-feira deliciosa para ser passada em casa, quieto e deitado por um longo tempo.
- Jackson, você precisa ir, querido. Tenho que ir para o trabalho agora, mas se apresse e não chegue atrasado ao colégio. Deixei o café-da-manhã pronto e não esqueça de tomá-lo. Sei que você não está comendo no colégio, eu percebi que você emagreceu, Jackie. Fiz uma marmita com seu almoço, está na geladeira. – Depositou um suave beijo em minha testa, levantando-se da cama e deixando-me no quarto.
Levanto com dificuldade da cama. Todo o meu corpo suplicava em dores para que eu permanecesse deitado, mas eu sabia que tinha que ir para o colégio mesmo assim. Exigi de mim mesmo a maior energia que eu conseguisse extrair de meus músculos. Considerei o Jaebum como o melhor estímulo que encontrei para sair daquele lugar. Chacoalhei o tronco na tentativa de livrar-me um pouco do sono que me dominava por completo. Dei passos lentos e atrapalhados até o banheiro, jogando uma mão de água fria no rosto. O choque com a água deu-me sustância para manter o corpo em pé. Retirei a camisa e a calça que me cobriam, entrando no box para um banho rápido e gelado.
Envolvo minha cintura na toalha, procurando meu uniforme jogado em algum canto do quarto. As peças de roupa estavam em lugares distintos. O tecido encardido da camisa e calça indicavam o uso demasiado e a necessidade de uma lavagem. Não haveria tempo e nem um uniforme reserva limpo, a saída era usar aquele mesmo. Visto as roupas malcheirosas e sinto um certo desconforto ao usá-las. O cheiro de cloro e suor ainda era forte e as notáveis marcas de amassado denotavam o mal uso e descuidado com as peças. Corro até a cozinha e encho minhas bochechas com o alimento posto à mesa. Às pressas, consigo finalizar a refeição e, com passos desajeitados, calço os sapatos, pendurando a mochila nas costas por apenas uma das alças.
Chego ao colégio ofegante e úmido de suor, devido a corrida que realizei até o local. O líquido que eu expelia pela transpiração intensificava o odor exalado pela camisa encardida. A entrada do colégio estava vazia. Pensei na hipótese: ou eu estava adiantado e fora o primeiro a chegar ao portão, ou atrasado e todos já estavam em suas devidas salas de aula. Achei a segunda alternativa mais provável e pude constatar, de fato, que eu estava atrasado, quando avistei o Jinyoung percorrer toda a extensão escolar com olhos curiosos e atentos a qualquer sinal de que avistara o objeto de desejo. Pelo visto, eu era seu objeto de desejo.
- Wang! Aonde você estava? Está meia hora atrasado, não consegui encobrir seu atraso com o diretor. O máximo que consegui foi não aumentar seu castigo, eu tive que avisar que você tinha apenas se atrasado ou levaria uma falta e a punição seria mais severa.
- Tudo bem. Valeu. – Respondi com a voz falha e senti meu corpo fraquejar. Sustentei-me apoiado nos joelhos, enquanto minha garganta parecia queimar de tão seca.
- Você ta bem? – Agachou-se, acompanhando a altura em que eu me encontrava, depositando uma das mãos em minhas costas na tentativa de me passar algum tipo de conforto.
- Tô... Eu... Preciso de água. – Pronunciei tais palavras com um péssimo fôlego.
- Vamos, a tarefa hoje será na sala de artes. Tem um bebedouro lá, mas posso comprar uma água na lanchonete que fica no caminho. – Assenti e seguimos até lá, passando por todos os imensos corredores, pátios e jardins daquela escola. A caminhada pareceu muito mais extensa devido ao meu cansaço e dores corporais.
Sentei em um dos bancos do refeitório, enquanto saboreava o fluido gelado descer-me garganta a baixo. Jinyoung acompanhou-me, sentando ao meu lado e examinando-me com um olhar aliviado.
- Pronto, vamos. – Levantei completamente renovado e segui para que Jinyoung fosse comigo.
Chegamos até a sala e, antes que eu expressasse qualquer dúvida que tinha em relação à atividade do dia, pude deduzir o que seria apenas verificando o estado da sala. Com certeza o lugar precisava de uma reforma pesada. As paredes, sujas. Os materiais, espalhados por todo o chão. Tintas, pincéis, potes, lápis, caneta, panos, telas, argila e gesso, acrescentavam à sala uma atmosfera ‘’ artística’’.
- É... Temos muito trabalho por aqui. – Jinyoung observou, enquanto coçava preguiçosamente os fios molhados do cabelo negro em franja.
- Eu começo tirando os objetos do chão e você procura um pano, uma vassoura e qualquer outra coisa que sirva pra limpar essa bagunça, pode ser? – Consentiu calado, apenas sinalizando com um movimento positivo com a cabeça, deixando a sala para procurar os materiais. – Que droga, como esse povo pode ser tão desorganizado? Qual o problema de manter a sala pelo menos limpa? Se a gente não estivesse aqui pra limpar, eles trabalhariam nessa sujeira? Céus! Tem tinta por todo lado! – Reclamei para mim mesmo após sujar a sola do tênis com uma pequena poça de tinta laranja que escorria pelo chão liso e escuro do lugar. – Merda! Cadê o Park?
Recolhi alguns potes fechados e outros abertos que dissipavam uma quantidade utilizável de tinta em bom estado, que poderia não estar sendo desperdiçada desta maneira. Era incrível o cuidado que tinham esses alunos. Agacho para pegar alguns pincéis, sujos por sinal, envoltos em vestígios de tinta por cada um deles.
- Aish! Quanta sujeira! – Uma careta involuntária foi formada em meu rosto. Todo aquele forte cheiro que abafava a sala, somado ao que eu exalava mais intensamente cada vez que o meu corpo transpirava, dava-me dor de cabeça. Não consegui conter o incômodo por inalar o odor das substâncias ali presente e mescladas, levando a mão ao nariz, pude me sentir aliviado por alguns segundos em que prendi a respiração.
- Que bela curvatura... – Ouço uma voz familiar soar de uma distância não muito longa.
Em um movimento brusco, torço meu corpo em direção à porta e contemplo a figura do Im encostado a ela. De braços cruzados, esboçava um largo sorriso formado nos lábios. Sorriso este que eu já estava habituado. Seu sorriso é capaz de levar luz até a mente mais escurecida. O modo como ele trata as pessoas ao seu redor, com delicadeza e gentileza é a coisa mais admirável.
- Bom dia. – Ouvi a melodia doce da sua voz pronunciar tais palavras delicadamente. – Precisa de ajuda?
- Bom dia. – Não fiz esforço algum para não retribuir seu sorriso largo. Mesmo que não tão belo e suave, o meu fora o mais sincero possível. A presença do Jaebum ali, fora um elemento imprescindível para aliviar todo o meu stress e tensão espalhados pelos músculos das minhas costas.
Admirava o modo como ele parecia estar sempre de bom humor e disposto a ajudar a todos, mesmo que não tivesse intimidade alguma com o alvo de sua gentileza. Apontei para um dos vasos atrás de mim e pedi para que ele os recolhesse, e assim o fez.
- Até quando vai ficar suspenso?
- Hoje é o último dia, na verdade. – Eu disse, e era claro o alívio esboçado em meu olhar. – Por outro lado, ainda restam 27 dias para conseguir me libertar disso aqui. – Indiquei desdém apenas pelo tom de voz, era óbvio que isso não era agradável.
- Bom, vocês não precisam fazer tudo sozinhos... – Ele falou e eu pude entender que ele oferecia sua ajuda.
- JB, você não precisa... – Senti-me íntimo demais ao chamá-lo pelo apelido, mas ele não pareceu se incomodar.
- Deixa, eu quero. Acho que vocês não merecem todo esse esforço, parece bem cansativo.
- E o fizemos por apenas dois dias.
- Mesmo assim, ainda há muito pela frente.
- Tudo bem. Já que insiste... Aceito sua ajuda. – Com os lábios contraídos, formei um pequeno, mas meigo sorriso em retribuição, mas por dentro a minha gratidão era bem maior. O que acabava me deixando mais aliviado e contente não era o fato de que eu teria menos trabalho a fazer, mas sim que a presença do Jaebum seria constante. – Tem certeza de que não vai prejudicar seus estudos?
- Tenho, o máximo que vai acontecer é eu burlar algumas atividades extracurriculares que não farão a menor diferença.
- Ok então, senhor Aluno Exemplar. – Com os dedos indicador e polegar, gesticulei um ‘’ ok’’, enfatizando meu tom sarcástico e ele respondeu dando-me um leve empurrão, que me fez cair para trás, sentando em uma poça de tinta esparramada e fresca.
- Não acredito! – Ele dizia. Não deu tempo de articular qualquer palavrão que eu pudesse dirigir ao Jaebum. O mesmo ria escandalosamente, apontando para a sujeira no bolso traseiro da minha calça.
Contorci meu corpo tentando examinar o tecido enlambuzado pela tinta grossa e fria que parecia atravessá-lo e encostar em minha pele. Não mexi muito na área suja, apenas esperei que Jinyoung voltasse, com a esperança de que ele trouxesse algo que resolvesse meu problema.
- Jaebum, chega. – Tentei parar sua crise de risos, mas falhei. Comecei a rir junto a ele, só que meu riso era uma mistura de raiva, agonia e 1% de graça.
- Relaxa. – Bufou e suas risadas foram cessando aos poucos. – Deixa eu te ajudar. – Passou os olhos por toda a sala, buscando algo que pudesse limpar a sujeira.
Foi até uma mesa que estava quase mais bagunçada que o próprio chão. Jornais, revistas, folhas picotadas, tintas, pincéis e um monte de outros objetos grandes e pequenos podiam ser vistos apenas superficialmente, pois com toda aquela desordem, ficava quase impossível notar uma coisa específica.
- Aqui. – Correu até a mesa branca e quadrada, voltando com vários pedaços de papel avulsos em suas mãos.
- Me dá.
- Deixa que eu limpo. Fica quieto pra não aumentar a mancha. – Falou enquanto esfregava cuidadosamente o papel pela minha bunda. A sensação era desconfortante, mas hilária. Jaebum parecia limpar uma criança e não contive meu riso ao ver a cena refletida em um espelho sujo à nossa frente.
JB analisa o pedaço de papel em suas mãos, vendo toda aquela tinta ele conclui seu trabalho de me limpar. Seu rosto ainda muito próximo ao meu, aumentava a tensão agora existente entre nós. A mesma tensão do primeiro contato que tivemos no dia anterior. Sozinhos novamente, eu não poderia pensar em outra coisa a não ser beijá-lo. Junta seu rosto ainda mais ao meu, mirando diretamente meus lábios úmidos e cheios de desejo por si. Sem pressa, achega ainda mais seu rosto, quase rompendo com o espaço entre nossas bocas. Mas antes que qualquer esperança de um possível beijo fosse plenamente formada em minha mente, sinto a frieza da tinta que estava depositada no papel, tocando meu nariz. Deixo minha cabeça cair para trás, e fecho os olhos com os dentes maltratando meu lábio inferior, permitindo que assim a sensação que me cobria pudesse ser desvanecida. Jaebum sorria outra vez, moleque. Um garoto daquele tamanho e porte físico, não era muito diferente de uma criança de 11 anos correndo pela sala em comemoração à sua brincadeira infantil.
- O que houve aqui? – Jinyoung nos observava com um sorriso estampado no rosto.
- Jaebum me sujou. – Eu disse descontente.
- Mentira. Não é culpa minha se você tem um ótimo equilíbrio. – Ironizava.
- Pelo menos a sala já está um pouco melhor desde que eu deixei o Jackson sozinho. – Não compreendi o porquê da ênfase no ‘’ sozinho’’ que Jinyoung dera ao expressar-se.
No momento, questionei-me internamente como o Jaebum sabia que eu estava lá e o tom das palavras recitadas por Jinyoung.
- Vamos continuar, ainda há muito a ser feito. – Determinei.
Fui ao encontro de Jinyoung, que trazia consigo duas vassouras. Apanhei-as e joguei uma delas em direção a Jaebum. Catei outros materiais que ele trouxera em um balde e derramei-os no chão. A tinta parecia mais espalhar-se que ser retirada do chão. Mesmo com o produto, parecia não funcionar, toda a nódoa era ampliada ao invés de reduzida.
- Você está fazendo isso errado. – JB sinalizou para que eu parasse, segurando bruscamente em minha mão para que eu não despejasse mais o líquido. – Não pode simplesmente jogar produto em cima da tinta. Limpe primeiro e depois tente retirar a mancha do chão com o produto. - Fiz como indicado e obtive êxito. Fizemos o mesmo com todas as outras partes da sala.
Colocamos cada objeto em seu determinado local. Lavamos todos os pincéis e limpamos o chão, agora a sala estava inteiramente limpa. Respirei em reconforto, examinando o ambiente diferente do que estava ao começarmos. Deixei os dois no local, seguindo até o escritório do Min. Ouvi pisadas ligeiras me acompanhando e escuto a voz do Jaebum chamando meu nome.
- Espera. – Ele disse ao me alcançar.
- Por que não esperou o Jinyoung?
- Por que eu deveria?
- Você é um pouco frio... – Soltei uma leve risada abafada e continuei caminhando até meu destino. – Acho melhor eu entrar sozinho, espero Jinyoung, mas fique aqui pra não levar bronca do Min. – Alertei e vi Jinyoung chegando. Esperei para que entrássemos juntos e assim o fizemos.
Concluímos nossa tarefa diária e o diretor informou que nossa suspensão havia terminado. Voltaríamos para a sala de aula no dia seguinte, mas as tarefas continuariam, como previsto. Fiquei satisfeito de não ter a necessidade de cumprir mais tarefas que levassem quase o dia inteiro, apenas uma parte do segundo turno, assim o esforço seria menor. Com a ajuda do Jaebum, só melhoraria.
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