Emma Swan
Se realmente há uma forma de deixar o corpo físico e flutuar, eu havia provado. Enquanto Regina me abraçava, eu mergulhava no espaço, rodopiava por nossas lembranças e revivia nossos momentos. Não fazia tanto tempo se contássemos os dias, mas era uma eternidade perante a evolução que trilhávamos; esta que havia somente começado. Minha voz perdeu-se na minha surpresa, não esperava um pedido como aquele, tampouco uma declaração tão clara e carregada de sentimentalidades. O sentir sempre fora recíproco, mas ouvi-lo sendo colocado em palavras era outra história, uma a qual pensei que não sobreviveria. Pensar no amor desta forma parecia fora da realidade para mim. Meu coração palpitava tão forte que podia senti-lo em cada parte do meu corpo. O perfume dela se misturava ao cheiro da praia, somando isso à nostalgia do tocar os pés na areia e a brisa gélida que afagava minha pele, encontrava-me completamente inerte; em mim, nela, em nós.
Havia tanto para ser dito, mas neste ponto já não possuía domínio sobre nada. Meu amor fora declarado em muitas sentenças, explicitado de diversas maneiras, mas nunca com todas as letras. Eu desejava dizer, lhe segredar, mas a imensidão do momento me deixara tão envolvida que perdi-me. Apertamo-nos com urgência, ela deitou a face em meu ombro e escondeu-se em meu pescoço, como se procurasse abrigo, e eu seria o seu.
Eu não tinha muitas “primeiras vezes” para viver, mas aquela era uma delas. Nunca namorara, sequer nutrira sentimentos intensos por alguém. Fui criada ao vento, solta e dançante, cigana de minha própria história. Temia prender-me, achava banal o laço que alguns construíam e chamavam de amor, não via sentido em dividir a vida, em fazer planos e dedicar-se. Entretanto, descobri o sentimento, a vontade de namorar, pertencer e compartilhar. Com ela compartilharia tudo, cada passo de minha jornada e cada anseio do meu coração. Naquele momento não aceitei somente um pedido, mas intimamente, aceitei o amor. Não precisávamos de rótulos, mas saber que ela era minha namorada causava um alvoroço em meu estômago, a importância desse gesto ainda escorria de meus olhos emocionados. Afastei-me para buscar a imensidão castanha e a encontrei inundada.
– Você tem certeza? – Foi uma pergunta tola, mas antes de fazê-la parecia ter sentido.
– Emma! – Riu entre lágrimas e balançou a cabeça, achando graça naquilo. – Nunca tive tanta certeza sobre algo, querida. – Sorriu e selou meus lábios, gesto que se transformou num beijo apaixonado. Levei a canhota até seus cabelos e enrosquei os dedos nos fios escuros, os puxando levemente. Mordi seu maxilar, seu queixo e por fim seu lábio inferior, o umedeci com minha língua antes de adentrar e intensificar o contato. Espalmei a destra por sua cintura e a mantive colada a mim, suas mãos afundaram-se nos meus cabelos, os apertando com urgência enquanto enroscávamos nossas línguas, nos perdendo no beijo molhado que transbordava nossas emoções.
O tempo pareceu inconstante, não sei ao certo quanto ficamos ali e depois caminhando pela orla da praia até voltarmos para o carro e fazermos o caminho de volta para a cidade; não era perto, mas não reclamei, foram mais horas ao lado dela até estar no meu apartamento, inundada de saudade.
Não demorei no banho, logo saí para deixar os cabelos secarem naturalmente, vesti uma calça jeans cropped e uma blusa de malha de alças finas, extremamente confortável. Calcei chinelos e desci para cuidar de Gary. Enquanto reabastecia os potes do cãozinho, ouvi a porta se abrir e uma Mary Margaret sorridente entrar.
– Emma! – Deixou sua bolsa e tirou os sapatos, caminhando até nós para beijar meu rosto e sentar no chão ao lado de seu bichinho.
– Oi, Mary. – Observei o modo como suas bochechas estavam coradas e o brilho cintilava seus olhos, eu conhecia bem a sensação. – E então, como foi?
– Incrível! Mal posso esperar para estarmos engajadas nessa causa, Emm. A clínica precisa de alguns recursos e creio que podemos começar por aí, então termos participação diretamente nos resgates. Há números de emergência para onde pessoas que encontram esses animais ligam, ou quando não os querem... – Seu semblante ficou triste. – Pense em quantas vidas vamos salvar! Será maravilhoso. – Sua empolgação tocava meu coração, era tão fácil imaginá-la vivendo para isso, para o bem.
– Me pergunto porque não seguiu essa profissão…
– Meus pais não me deram opções. Em casa as coisas eram assim, até que decidi me mudar e te conheci. Eles acham que trabalho em algum escritório. – Riu e sentou-se ao meu lado. – Amo trabalhar para você, todos estes anos foram os melhores da minha vida… Estou ansiosa para conhecer à fundo a Explosion e fazer parte disso ao seu lado. Meus sonhos adormeceram e agora estou velha demais para isso.
– Como é?! Você é jovem, Mary! Nós somos e mesmo que não fôssemos, nunca é tarde para lutar e conquistar o que se deseja. Olhe para mim, mudando de vida à esta altura, buscando novos horizontes e caminhos para me encontrar. É novo para mim, não sei como será na boate, mas preciso tentar e se não der, continuarei tentando. O mundo nos oferece infinitas possibilidades… Me diga, se pudesse escolher, o que teria feito?
– Medicina veterinária. – Respondeu prontamente, com os olhos brilhosos pelo sonho esquecido. – Me contento se puder ajudar os animais, se estiver engajada nessas causas, mas sinto que poderia fazer mais de tivesse me formado na área… É inacreditável como todas essas coisas vieram à tona. Eu estava feliz, mais do que satisfeita com o meu trabalho. – Me olhou com culpa e eu sorri, colocando minha mão sobre a sua.
– Eu vou sentir saudade, mas não se prenda, busque por seus sonhos… Somos amigas, quase irmãs, isso não vai mudar. Continuaremos juntas. – Ela deitou a cabeça em meu ombro e fechou os olhos.
– Eu não sei por onde começar…
– Vamos descobrir e eu estarei contigo. Estude, Mary. Estude muito e terá o que quer, vou te auxiliar no que precisar. – Ela merecia ser feliz, fazer o que sentia paixão, continuaríamos juntas no voluntariado, mas ela podia seguir seu caminho na profissão que almejava, meu apoio incondicional sempre teria. – Hoje pela manhã você quase falou do Neal… – Comentei ao recordar a conversa na casa dos Mills.
– Sim. Eles me fazem sentir-se tão confortável, é estranho não é? – Riu baixinho e se aconchegou mais, deitando em meu colo.
– Um pouco, me sinto da mesma forma. Consigo abrir qualquer assunto com eles sem sentir desconforto.
– Eu não prolonguei o assunto porque não era momento pra isso e você sabe da minha tristeza ao lembrar dele. – Fechou os olhos, respirando pesadamente.
– Eu sei... – Beijei o topo de sua cabeça e alisei seus cabelos lisos e pretos. Mary era uma guerreira, sua história não era um conto, a carga de problemas que ela tivera ao longo de sua vida me fazia admirá-la por não ter deixado todos estes fatores afetarem sua personalidade.
– Contei à Zelena. – Disse-me baixinho.
– Você levou anos para falar comigo sobre, creio que ela seja especial. – Sorri ao pensar na forma com que minha amiga havia ficado desde que conhecera a ruiva e fazia apenas um dia.
– Ela é incrível. Sua maneira de viver, ver o mundo, de ajudar... Olho para ela e vejo o que desejo ser quando crescer. – Riu e eu a acompanhei.
– Mas é só isso, hm? Admiração? Juro ter sentido algo diferente entre vocês. Mary, você não dá intimidade a qualquer pessoa, olhando-as é como se convivessem há anos. Sem contar o modo como sorri e ruboriza perto dela.
– Não, Emma... Você sabe que não gosto de mulheres, que nunca me interessei por uma. Isso não faz parte de mim. É que... Ela é diferente. Gosto de sua companhia e sim, realmente faz apenas um dia, mas sinto que passaria todos os outros em sua presença e não me cansaria. – Suspirou, me fazendo sorrir. Mary estava passando pelo mesmo processo de quando conheci Regina, a aceitação sobre como me sentia demorou a vir e para minha amiga era mais complicado, havia toda uma descoberta. Eu não tinha ideia do que aconteceria, e se seria algo ou apenas encantamento, mas estaria ali para ela.
– Sinto saudade dele. – Referiu-se a seu irmão.
– Nenhuma novidade?
– Infelizmente não, Emms.
Neal havia desaparecido há treze anos, logo após fugir de casa para uma festa. Envolveu-se com drogas aos dezesseis e desde que completara dezoito não fora mais visto. Os pais de Mary eram muito reclusos e opressores, não os deixavam sair, fazer absolutamente nada além de cumprir com as obrigações escolares e domiciliares. Quando o rapaz começou com as saídas furtivas, envolveu-se com más influências e fora apresentado ao mundo dos vícios. Tentaram clínicas de reabilitação, mas não fora suficiente para mantê-lo limpo. Mary contou-me que não dormia enquanto não o via pular a janela de volta, até que um dia isso não ocorreu, ele nunca mais voltou. Um tempo depois as buscas começaram, não houve pistas e nem corpo. Há anos convivia com a dor de não saber, mas não desistira, continuava deixando cartazes em sua cidade natal e aos redores, seus pais faziam parte de um grupo de apoio à familiares de pessoas desaparecidas, lidavam da forma com que conseguiam.
Minha admiração por ela se estendia a níveis que não há como descrever, sua leveza contradiz o peso de sua vivência. Eu a amo, amo profundamente. Por muito tempo mantive nossa relação restritamente profissional, por justamente não criar laços com as pessoas, mas fora inevitável não lhe doar meu carinho e amizade. Mary fora um anjo endereçado à mim, com o papel mais bonito: o de me ajudar a enxergar o mundo; não o qual eu estava habituada, mas um novo, repleto de sentimentos desconhecidos e sensações inusitadas. Ela me viu por dentro, insistiu na ideia de haver uma garotinha presa em minha alma, e realmente, Mary tinha razão.
– Não é possível, em algum momento vocês vão ter alguma notícia... Ninguém desaparece deste jeito.
– É difícil aceitar, mas não é impossível. Muito pelo contrário, a frequência é assustadora. – Sorriu triste, novamente, e tinha razão. Sempre tinha. Mary não costumava errar, sentir de modo deturpado ou não ter conhecimento sobre as coisas. Sua serenidade era transcendental, mesmo sendo jovem, possuía uma alma madura, muitas vezes a sentia como minha mãe. Sua maturidade, generosidade e aconchego se assemelhavam ao de Isabel, que saudade sentia.
– Sinto falta dos meus pais... Fico pensando como teria sido se estivessem vivos. Eu jamais esconderia quem sou ou me privaria de viver por receio. Teria sido complicado, mas divertido.
– Eles eram conservadores, não?
– Muito. Cheguei a estudar um tempo num colégio de freiras, mas meu pai conseguiu convencer minha mãe de que aquilo não me traria benefícios além de uma alienação. Claro que não estou generalizando, mas aquele lugar, especificamente, era um tanto quanto severo, me sentia em outro século. – Ri ao recordar o período curto que passei lá.
– Não imagino você num colégio assim.
– Exatamente! Nem eu. Você é imaginável. – Ela me cutucou com o cotovelo e riu.
– É? Talvez não tanto assim... – Ruborizou, me enchendo de curiosidade.
– O que quer dizer? – Ela levantou rapidamente e saiu. – Volta aqui e me explica isso! – Fui atrás dela e Gary nos seguiu.
A tarde chegou tranquila, foi gostoso dividir um momento com minha assessora, se é que ainda podia chama-la deste modo. Mary era minha amiga e certamente não trabalharia por muito tempo comigo. Decidi ficar no apartamento, estava com uma preguiça rara e aproveitaria para curtir os momentos raros de estar em casa, deixando as obrigações para o dia seguinte.
...
Eu teria de ir à Explosion ver como andava a reforma, não era algo grande, ainda assim desejava acompanhar pra que ficasse como havia planejado. Após tomar um banho rápido, trajei um cropped preto e um macacão jeans boyfriend, calçando um Oxford marrom. Fiz um coque alto nos cabelos e dispensei quaisquer acessórios. Peguei minha bolsa e verifiquei o celular, havia uma chamada de Regina. Retornei prontamente e saí de casa.
– Oi, meu bem. Aconteceu algo? – Perguntei com preocupação.
– Não, querida. O que está fazendo agora?
– Indo para Explosion, por quê?
– Consegui um horário e saí ver alguns apartamentos. Quer me fazer companhia? – Sua pergunta foi tão manhosa...
– Quero! – Não pensei uma segunda vez para responder e abrir o mapa que ela havia mandando pelo aplicativo de mensagens. – Em vinte minutos estou aí, Regi. Te amo. – Encerrei a ligação e me dei conta do que dissera, diferente do dia anterior, as palavras saltaram de minha boca como se fosse cotidiano, de modo natural e até mesmo casual. Sorri com a tranquilidade de passos que não percebia que dava. Talvez ela sequer tivesse prestado atenção... Entrei em meu carro e segui o GPS até estacionar em frente a um condomínio de grandes prédios. Me identifiquei na entrada e dei continuidade no caminho até avistar Regina na entrada que me indicara. Abri o sorriso mesmo antes de descer e logo caminhei até ela, abraçando-a e beijando sua testa para afastar-me e olha-la nos olhos.
– Eu senti saudade. – Comentou sorrindo.
– Não mais que eu. – Ri internamente daquele romantismo barato, mas era tão bom que eu não conseguia evitar.
Entramos juntas e nos dirigimos ao elevador, indo para a cobertura. Regina estava inquieta, algo rondava sua mente e ela não conseguia disfarçar. Apertei delicadamente seus dedos e os afaguei. Suspirou e eu franzi o cenho em preocupação. – Você está bem?
– Sim, Emma... – Não me olhou quando chegamos e caminhei ao seu lado, aguardando-a abrir a porta. Seus olhos curiosos analisaram o local; era amplo e arejado, cômodos grandes e uma área com piscina. Eu não conseguia ajuda-la analisar com atenção se o sentimento de que algo a incomodava pairava sobre mim.
– Você não está bem. – Apoiei-me sobre o batente da cozinha e ela me fitou, comprimindo os lábios e sentou-se num dos bancos dispostos em frente à bancada.
– Certo. Realmente não estou. É tão estranho estar procurando um novo lugar para morar... Não é uma possibilidade ficar com aquela casa, não quero. Minha vida mudou, eu tenho vivido mudanças interiores todos os dias e aquelas paredes não abrigam o meu querer.
– Então o que te incomoda, meu bem? – Toquei sua mão, acariciando os nós de seus dedos.
– George. – Abaixou o olhar – Emma... Eu não acho um apartamento o ambiente certo para uma criança viver... Digo, quando for passar o final de semana comigo. Posso encontrar um lugar amplo como este e construir dezenas de coisas para ele, mas não há natureza, nem espaço para ter um animal de estimação, onde ele poderia correr e brincar? – Regina estava realmente me deixando confusa.
– E por que você não procura uma casa?
– Acho um exagero uma casa somente para viver com Granny. Não é sempre que George estará conosco. Estou confusa. – Desceu do banco e caminhou até mim, se escondendo no meu abraço. Afaguei seus cabelos carinhosamente, sem compreender totalmente o que se passava dentro dela.
– Fica calma, Regi... Tenta me explicar.
– Me apeguei ao George, Emma. Toda vez que o deixo na minha mãe, sinto que um pedaço de mim ficou lá também. Ele gosta tanto da minha casa, ama passar tempo lá, receio que isso mude quando eu for para algum apartamento. – Sorri de seus sentimentos temerosos.
– Olha pra mim... – Pedi, segurando seu rosto entre minhas mãos. Ela o fez. – George vai amar qualquer lugar onde você esteja. Não se trata de uma casa, mas de lar... E você também é o lar dele. – Apertei-a contra meu corpo e senti um beijo estalado em meu pescoço. – Encontre um lugar que te faça bem, se identifique, reconheça, sinta e escolha. Não tenha pressa.
– Obrigada, Emma. – Sussurrou. – Você tem razão... Acordei extremamente sensível. Talvez porque seja meu último dia naquela casa e o peso de todos os anos caiu sobre mim, além da vontade absurda de estar com meu sobrinho o tempo todo.
– É normal, querida. São muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo. Quanto ao George, ele é muito apegado a ti, esse sentimento é recíproco e tenho certeza que ele continuará grudado em ti, como o bom macaquinho que é. – Afundei os dedos em seus cabelos e os puxei vagarosamente para selar seus lábios. – Agora trate de se animar, temos um longo dia pela frente.
Visitamos sete apartamentos, todos muito bonitos e espaçosos, Regina não gostou de nenhum e decidiu ficar num hotel com Granny até que encontrasse algo de seu agrado. A convidei para ir à Explosion, não estava tendo tempo para se envolver completamente com a decoração, mas daria sugestões e me ajudaria com alguns detalhes. Desci do meu carro e aguardei ela estacionar para fazer o mesmo. Entrelacei nossos dedos e ela sorriu de modo sacana.
– O que foi? – Perguntei curiosa.
– Amei sua roupa. – Piscou, fazendo um arrepio percorrer meu corpo. Atentei-me então ao que ela vestia também.
Regina usava jeans, uma camisa preta e salto alto. Amava vê-la de qualquer modo, do traje mais fino ao pijama despojado, entretanto, quando ela usava jeans, meus olhos não abandonavam seu corpo. Era de uma naturalidade tão linda, o modo como o tecido se agarrava à suas coxas... Principalmente quando calçava sapatos baixos e blusa de algodão.
Ao entrarmos encontramos o caos, pessoas transitando de um lado para o outro, barulhos irritantes, martelo, furadeira e coisas que eu não conseguia identificar. Avistei a mestre de obras conversando com Ingrid, a loira estava animada, apontando para as paredes, falando sobre seus projetos de reforma. Ela certamente estava mais animada que eu para a construção do meu escritório. Sorriu ao nos ver e pediu licença à moça.
– Olha só quem está aqui! – Disse ao abraçar Regina, afastando-se para fazer o mesmo comigo.
– Oi, Ingri. – Ela sorriu de modo sincero, apertando meus dedos entrelaçados aos seus.
– Céus, vocês ficam muito bem juntas. – Riu com espontaneidade, o jeito de Ingrid muito me agradava, sua forma de agir e ver as situações me causava fascinação.
– Eu devo concordar... – Pisquei para Regina que ruborizou levemente.
– Muito bonita a moça. – Regina indicou discretamente a mulher com quem Ingrid estava falando.
– Não é? Meu queixo caiu quando ela chegou aqui. Mulan, adorável o nome.
– Por que não a chama para sair? – Sugeri.
– Meu bem, não dou ponto sem nó. – Gargalhou. – Vamos jantar hoje.
– Nada novo sob o sol. – Impliquei-a.
– Certas coisas nunca mudam, Emma – Piscou para mim e alargou o sorriso. – Agora preciso ir, meninas. Se divirtam. – Saiu às pressas ao fitar o relógio. Senti o olhar de Regina queimar minha pele e arrepiei-me.
– Hoje você decidiu me encarar, hm? – Selei seus lábios, caminhando com ela até o espaço onde situaria meu escritório.
– O que houve entre você e Ingrid além do que eu vi?
– Você é curiosa senhorita Mills!
– Não tem ideia do quanto. – Beijou meu rosto, afastando-se minimamente para analisar o local.
– Nos conhecemos a pouco mais de dez anos. Foi numa noite como outra qualquer em Nova Iorque, estávamos nos divertindo, bebendo, dançando e bem... Nos entendemos de imediato, somos muito parecidas. A noite terminou na casa dela e foi assim que eu conheci o BDSM. – Findei enquanto pegava meu tablet dentro da gaveta da mesa onde havia uma pequena bagunça de coisas minhas.
– O quê? – Regina fitou-me. – Ela quem te iniciou?
– Basicamente sim. – Ri de seu espanto e ela franziu o cenho.
– Eu não podia imaginar que Ingrid gostasse dessas coisas...
– “Dessas coisas” – Novamente ri e ela se aproximou para acertar um tapa no meu braço.
– Shhh. – Sentou-se sobre a mesa e cruzou as pernas. – Entendo a conexão de vocês, foi algo imediato e viveram coisas importantes juntas.
– Acredito que sim. Reencontrá-la foi natural, como se convivêssemos todos os dias. Eu a amo, Regi. Sempre amei. Apenas uma noite foi necessária para eu ver quão incrível ela era e agora pude conhecer muito mais da sua grandiosidade. Estou feliz por isso.
– Ela é maravilhosa, Emma... Confesso que não a conhecia tão profundamente quando estava com Robin, mas depois, todo apoio que ela nos deu e o modo como nos ajudou. Realmente grandiosa. – Concordei com um sorriso largo e a fiz descruzar as pernas para encaixar-me entre elas.
– Sim! Você conhece a ex mulher dela?
– Não. Robin falava muito pouco sobre. – Beijou meu maxilar, arrastando os dentes pelo mesmo. – Emma... – Chamou meu nome num sussurro, fazendo-me arquear a sobrancelha. – Então você se submeteu à ela por uma noite?
– Sim, meu bem... – A curiosidade dela estava me intrigando.
– E depois dela? Esteve com mais alguém?
– Como submissa não. – Respondi, sentindo-a descer para o meu pescoço e mordê-lo com vontade. Apertei as mãos na borda da mesa, tentando me conter.
– Você se submeteria à mim? – Sua pergunta me atingiu de modo inesperado, soltei o ar pela boca quando senti sua língua pincelar minha pele e chupá-la vagarosamente. Onde ela desejava chegar? Espalmei as mãos em suas coxas, elevando-as até enroscá-las em minha cintura. Selei seus lábios, os torcendo contra os meus, umedecendo-os levemente.
– Claro que sim, Regina... Nunca cedi o controle, seja na cama ou na vida e isso ocorreu quando te conheci, de ambas as formas. Se for de seu desejo, me submeto. Não há outra para quem eu me curvaria. Você tem de mim o que quiser. – A respondi com todo meu coração. Essa era a verdade, Regina me tinha. Eu a pertencia da maneira mais livre que se pode pertencer a alguém.
– Me ensina, Emma... Me ensina a domar. – Sussurrou ao meu ouvido. Seu pedido fez os pelos do meu corpo eriçar. Apertei suas coxas, prensando-a em mim. Subi a destra até alcançar seus cabelos, emaranhando-os em meus dedos. Colei nossos lábios, mas não a beijei.
– Ensino, Regina. Farei de ti uma boa dona. – Sussurrei com a voz rouca.
– E eu, farei de ti uma boa cadela! – Mordeu meu lábio inferior, puxando-o até me fazer sentir o gosto metálico de sangue invadir minhas papilas gustativas. Acertei um tapa forte em sua coxa e ela soltou um grito. – Saudade das suas marcas no meu corpo... – Praticamente gemeu a frase, entorpecendo meus sentidos.
– Senhorita Swan, eu – Mulan entrou, me fazendo apoiar a testa no ombro de Regina antes de olhar para trás. – Oh! Me desculpe. – Sorriu sem jeito.
– Está tudo bem. – Sorri e me afastei de Regina, ajudando-a descer da mesa. Ela fitava os pés, seu embaraço era cômico. – Pois então?
– Gostaria de olhar o projeto que temos para então começarmos derrubar as paredes? – Sorriu empolgada, claramente estava ansiosa para fazê-lo.
– Claro... Você vem também? – Olhei para Regi, ela assentiu e nos acompanhou.
Levamos cerca de trinta minutos olhando a planta e decidindo como faríamos, Regina me ajudou a chegar exatamente no que desejava. Após findarmos, selecionamos alguns móveis e objetos para decoração numa loja online. Eu preferia ver e escolher pessoalmente, mas a escassez de tempo me fez apoiar essa ideia.
– Agora é você quem está me encarando. – Regina disse ao morder a haste do óculos.
– Você está fazendo do ato de usar um simples óculos para leitura, um espetáculo!
– Parece que alguém acordou à flor da pele hoje, hm?
– Olha só, se não é a senhorita “me ensina a domar” falando.
– Idiota.
Passamos mais alguns minutos ali até Regina ter de ir embora, eu estava tão acostumada com sua presença, aquela rotina se tornara tão nossa... Engraçado o fato de nunca ter me imagino vivendo com alguém, nem mesmo dividindo pequenos momentos como aquele. Entretanto, com ela era fácil.
Levou cerca de uma hora para meu celular tocar, aparecendo a foto de Regina na tela. Estranhei, mas atendi prontamente.
– O que houve? – Preocupei-me.
– Oi, querida. Não houve nada, me desculpe te assustar. Estou presa no escritório e meus pais foram para casa de campo. Fiquei de pegar George na escola, mas não vou conseguir. Poderia fazer isso por mim?
– Claro, meu bem. Não se preocupe. Levo-o para minha casa ou pra sua?
– Leva pra minha casa, Granny estará esperando. Obrigada, Emma. Eu estava aflita! – Riu nervosa. – Vou ligar para lá liberando sua entrada.
– Certo, Regi. Já estou saindo daqui. Até mais tarde.
Vesti as alças do macacão que estavam soltas e saí da boate, entrando em meu carro e digitando o endereço da rua em que outrora estivera com Regina para deixar a criança.
13:00pm
Parei em frente ao portão ao ver um grande fluxo de crianças saindo, o barulho era ensurdecedor, tive de me controlar para não tapar os ouvidos. Com cuidado cortei a pequena multidão, parando na secretaria para me informar sobre o número da sala de George. Sorri agradecida ao saber que ficava no primeiro andar. Caminhei pelo corredor até encontrá-la. Seu horário de saída era às 12:45pm, havia somente quatro crianças aguardando na classe. Seu sorriso fora gigante ao me ver, saltou da cadeira e correu até mim, sendo parado pela professora temendo que ele caísse. Sorri em agradecimento e o aguardei despedir-se dela.
– E aí, pequeno?
– Emma! – Se jogou em meus braços. Peguei sua mochila e a pendurei em meu ombro, o abraçando contra meu corpo. Senti um beijo estalado na minha bochecha e sorri. – Cadê a Zina? Vovó?
– Seus avós foram namorar um pouquinho e a tia Gina está trabalhando. Você vai ter que passar um tempinho comigo.
– Yup! – Comemorou, realçando suas bochechas rosadas. – O que é namorar?
– É ter um tempo com quem amamos, querido.
– Então você namora comigo? – Achei graça e concordei num menear de cabeça.
– Namoro! Você é um príncipe.
– Hoje vamos namorar. – Bateu as mãos e apontou para um carrinho de sorvete do outro lado da rua.
Tive de usar todo meu equilíbrio para mantê-lo em meus braços enquanto se agitava com a casquinha que sustentava duas bolas grandes de sorvete de chocolate. Ele se recusava a descer e tê-lo contra o peito era tão gostoso... Estava com medo de derruba-lo, Regina me mataria se fizesse de seu sobrinho um unicórnio e eu não queria que ele se machucasse. Suspirei aliviada ao abrir a porta do carro e colocá-lo no bando de trás, apertei seu cinto, fazendo uma nota mental para comprar uma cadeirinha para deixar ali.
Liguei o som baixinho e ele continuou entretido com seu sorvete, sujando toda sua roupa, o rosto e meu carro. Ria de suas caretas e o modo como parecia a criança mais feliz pelo fato de ter o que queria em mãos. É... Não éramos muito diferentes, afinal, Regina Mills era meu sorvete.
– Eu amo esse sorvete. – Comentou tentando limpar a boquinha na manga de sua blusa.
– Deu pra notar, criança. – Olhei-o pelo retrovisor.
– Quero namorar ele também, pode?
– Claro!
– Eba! Você também pode namorar algo que goste, ta? Algo que seja seu sorvete. – Disse antes de começar morder a casquinha.
– Sua tia. – Sorri como uma boba, eu tinha consciência disso.
– Zina é seu sorvete!
– Exatamente o que pensei. – Pisquei para ela e entrei na rua da casa de Regina. – Chegamos...
Desci e peguei sua mochila, ajudando-o a descer também. Ele correu até a porta e num salto alcançou a campainha. Granny atendeu e foi surpreendida pelo menino que a abraçou, sujando-a.
– George! – Ela riu e olhou para mim, o semblante sempre tranquilo e acolhedor.
Acompanhei Granny até o andar superior, a criança estava elétrica, tagarelava sobre seu dia de aula e como estava gostando de ter amigos.
– Não sei desenhar macaquinhos, Emy. Me ensina? – Olhou-me ansioso.
– Claro, garoto. Fique quietinho para o banho que lhe ajudo com isso. – Ele concordou com um aceno positivo e sorriu, mostrando suas adoráveis covinhas.
Observei Granny ajudá-lo no chuveiro, ele levara ao pé da letra o “ficar quietinho”, não se movia para que a senhora o ensaboasse.
– Querido, por favor. Vire-se.
– Não posso.
– Por quê?
– Ela pediu pra eu ficar quieto – Apontou para mim.
Rimos de sua graça e logo o banho findou. Ajudei-o a vestir uma roupa confortável e o entreguei para Granny. Precisava de um banho para tirar o suor de meu corpo. Mandei uma mensagem para Regina, avisando sobre George.
“Querida, o pequeno está entregue. Posso ficar para te esperar?”
Aguardei sua resposta e sorri apaixonada quando a recebi prontamente.
“Por favor, Emma. Já sinto saudade. E obrigada por tê-lo pego”
“Também estou com saudade. Venha logo para casa. Ah! Vou assaltar seu closet”
A graciosidade daquele pequeno momento deixava-me plena, com um sentimento manso de aconchego e pertencimento. Não demorei no chuveiro, queria aproveitar George o máximo que pudesse. Sua existência me trouxera sensações indescritíveis, um amor que outrora julgara impossível para mim. Encontrei um vestido longo, de tecido fino como eu gostava, a cor azul influenciou na escolha. Senti-me abraçada pelo perfume de Regina. Optei por ficar descalça, apreciava em demasia a sensação.
Desci para o andar inferior, o garoto estava sentado no sofá com um livro no colo, o material escolar espalhado entre alguns dinossauros de borracha.
– Está desenhando sem mim? – Me aproximei, alisando seus cabelos levemente molhados.
– Talvez! – Deu um sorriso travesso.
Arrumei um espaço entre a pequena bagunça e sentei-me ao seu lado, olhando-o rabiscar sua arte.
Sua concentração era admirável, sem dúvidas George era uma criança especial, sua aura mansa emanava uma sabedoria e sutileza que me assustava quando recordava sua idade. Não conhecia outras crianças, sequer tivera o mínimo contato, mas era notável que nem todas agiam como ele… Ou talvez, eu estivesse encantada e apaixonada demais e visse em cada pequeno gesto, uma genialidade. Mas não, ele realmente tinha algo que fazia meu coração saltar do peito e os olhos se encherem de orgulho. Carregava a certeza de sua inteligência e de como estava à frente de seu tempo.
Não sei quanto tempo nos entretemos com suas atividades, mas em dado momento, adormecemos. Fui lançada para um sono tranquilo, onde o breu me acolheu, dando-me a sensação de ter a alma acariciada e embalada num ninar profundo.
…
A linha entre sonho e realidade era tênue, sentia o toque de Regina em meu rosto e deleitava-me com a sensação. Levou alguns minutos para que eu acordasse por completo e vislumbrasse seus olhos marejados olhando-me com tanto amor.
– Regi… – Sussurrei com a voz embargada pelo cochilo. George estava abraçado ao meu corpo, sua cabeça repousava em meu peito. Parecia tão certo tê-lo no colo daquele modo.
– Tentei não acordá-la, mas está numa posição tão desconfortável – Disse com preocupação, só então notei quão torta eu estava por cima das coisas do pequeno.
– Foi um dos melhores cochilos que tive. Acredite.
– Imagino que sim. Ele é como um ursinho de dormir. – Acariciou os cabelos loiros do menino e selou meus lábios. – Vem, vamos levá-lo para a cama. Pedi para Granny ir ao supermercado. Ela também não conseguiu te acordar. – Rimos e com cuidado ela me ajudou a levantar com a criança.
– Você não para de sorrir. – Constatei enquanto subíamos as escadas. – Aconteceu algo especial?
– Sim, Emma. Vocês. – A emoção estava impregnada em sua voz e isso me atingiu. – Chegar e encontrá-los assim, foi uma surpresa deliciosa. Eu os amo…
Eu quis responder. Quis dizer que também a amava, mas a voz perdeu-se como de costume quando estava ao seu lado. Falar de sentimentalidades era complicado, mesmo que diversas vezes o fizera, mas era diferente naquele momento. Namorávamos, nos amávamos e estávamos levando aquele príncipe para sua cama. Uma situação tão corriqueira, mas íntima em níveis que não conseguia explicar. Sentia necessidade de me expressar com fervor diante de seus olhos, deixá-la saber o quanto estava amando viver tantos momentos ao seu lado.
Colocamos George em seu ninho e Regina certificou-se de que ele estava confortável. Finalmente a pude sentir em meus braços. Beijei seu rosto e afaguei seus cabelos, os alisando vagarosamente.
– Que saudade…
– Muita, Emma. E olha que nos vimos hoje.
– Estamos nos tornando ridículas. – Brinquei.
– Completamente! – Selou meus lábios e caminhamos para fora do quarto. – Pedi para Granny preparar uma massa para nós. Ficará para o jantar?
– Não posso tardar, acordarei cedo para resolver algumas coisas na boate. Ficarei o máximo que puder, sim?
– Perfeito, meu bem.
Entramos em seu quarto e encostei-me na porta para observá-la livrar-se de sua roupa. Cada gesto era gravado por mim, a sensualidade de Regina estava presente em cada um de seus atos. Não compreendia como uma pessoa podia mexer tanto com a outra. Sentia-me inundada, virada no avesso, com meus sentimentos expostos e explorados de todas as formas.
Tomei a liberdade de caminhar até seu banheiro, sem nada dizer. Abri as torneiras da banheira e molhei a mão para sentir a temperatura. Procurei nos armários alguns sais de banho e espuma, abri dois frascos e derrubei sobre a água. Ela parecia tão cansada, precisava relaxar e eu a ajudaria com isso.
Voltei para ela e seus olhos estavam atentos aos meus passos. Estendi-lhe a destra e ela aceitou prontamente, deixando-me guiá-la.
– Você precisa descansar… Entre, vou cuidar de você. – Sorri genuinamente e ela retirou a última peça que vestia. Colocou um pé e depois o outro, roubando minha atenção para sua delicadeza.
Sentou-se e encostou na borda, suspirando profundamente, o corpo inundado pela espuma que cobria seu busto. Sentia-me embalada numa música lenta, captando todas as sensações palpáveis que adornavam o local. Pensei em entrar com ela, juntar meu corpo ao seu, mas não era o que desejava no momento. Ia além, muito além. Precisava olhá-la, traçar suas feições com meus olhos famintos de tudo que ela poderia me mostrar. Puxei um banco à deriva e sentei-me ao lado da banheira. Ela olhou-me com curiosidade, mas não questionou.
Cherry – Lana DelRey
Love. I said real love, it's like feeling no fear
when you're standing in the face of danger,
'cause you just want it so much.
(Amor. Eu disse amor de verdade. É como não sentir medo
quando você está na face do perigo,
porque você só quer tanto)
Eu não costumava sentir medo, nunca fora algo que abriguei em meu interior. Ser destemida era uma vantagem, algo pelo qual me vangloriava. Mas, medo trata-se de perder. Qualquer que seja a situação, ela se resumirá a perda; seja de algo, alguém, de si mesmo, até de sensações, momentos… Não senti medo quando perdi meus pais, não esperava o ocorrido e quando aconteceu, tive de processar imediatamente. A dor dilacerou-me, mas a vontade de viver, conquistar o que desejava, me impulsionou. A solidão não me assustava, o escuro me abrigava. As luzes de minha casa estavam sempre apagadas, como quem afirma ao mundo e a si “eu não temo”. Medo… O conheci quando pensei que não mais veria Regina, na manhã em que acordei e não a encontrei em meus braços. Quando a procurei, esperei e nada, apenas silêncio, breu. Tive receio de perdê-la, de não conseguir lidar com o que a situação me causaria. Eu precisava lhe dizer tantas coisas, fazê-la viver tantas outras e perder-me numa imensidão de desejos que almejava colocar à prova. Entretanto, quando conheci o verdadeiro significado do que abrigava, quando finalmente nomeei aquilo que me corroía, o medo dissipou-se juntamente das inseguranças criadas pelo novo. Olhar para ela era como recarregar-me de uma força imbatível, como se eu fosse feita de certezas. Não conseguia vislumbrar qualquer coisa que pudesse nos derrubar, podíamos ser invencíveis com o nosso amor.
Meus dedos afundaram-se em seus cabelos mais enegrecidos pela água, massageando o couro cabeludo enquanto ela fechava os olhos e soltava suspiros calmos pelos lábios rosados. Eu a amava de modo destemido, não como uma tola que pensa ter o mundo no bolso, mas como uma amante que possui a certeza de seus sentimentos e da vontade que lhe toma de ser feliz.
A touch from your real love
it's like heaven
taking the place of something evil,
and lettin' it burn off from the rush
yeah, yeah (fuck)
(Um toque do seu amor real
é como o paraíso
tomando o lugar de algo mal,
e deixando-o queimar na pressa.
Sim, sim. Porra.)
Suas mãos buscaram pelas minhas e as encontraram, entrelacei nossos dedos e aproximei a face para encará-la de perto. Seu sorriso era algo indescritível, de uma paixão animalesca e um amor colossal. Quão misteriosa Regina seria? Mesmo conhecendo-a tão bem sentia que muito ainda precisava ser desvendado, ou melhor, lido. Sua alma era um livro ao qual eu pararia para ler, apreciar, desvendar e apreender. Eu apreendi Regina. Eu que era fogo, tornei-me brasa para queimar em suas mãos. Qualquer resquício de más intenções haviam sido arrancadas de meu ser. Somos falhos e estamos fadados à deslizes, mas de modo geral, sentia-me bem, do bem, com o coração aberto para abrigar a vida que desejava ao lado daquela mulher.
Darlin', darlin', darlin'
I fall to pieces when I'm with you,
I fall to pieces.
My cherries and wine, rosemary and thyme
and all of my peaches (are ruined)
(Querido, querido, querido
Eu caio aos pedaços quando estou com você,
eu caio aos pedaços.
As minhas cerejas e vinho, alecrim e tomilho
e todos os meus pêssegos estão arruinados)
Toda falta de sentimentalidade esvaiu quando Regina adentrou minha vida, o que começou como um jogo, uma marra, tornou-se tudo. Aquilo que desejava provar à ela; o domínio, reverteu-se à mim, que perdi qualquer controle que possuía sobre meus anseios. Encarar o espelho não era como procurar-me, mas reconhecer as novas camadas que pintavam meus olhos; estas que me fazem mais feliz do que nunca fora.
Inclino-me para beijar seu maxilar e ela geme baixinho, tomada pelas sensações relaxantes que o banho e meus toques lhe causavam. Mordo levemente seu queixo e me afasto para colocar o pequeno banco atrás da banheira, tendo-a de costas para mim. Ela entendeu e afastou-se um pouco da borda, dando-me acesso às suas costas. Adorável o modo como abraça seus joelhos e apoia a cabeça nos mesmos.
Love, is it real love?
It's like smiling
when the firing squad's against you
and you just stay lined up.
Yeah (fuck)
(Amor, isso é amor de verdade?
É como sorrir
quando o pelotão de fuzilamento está contra você
e você apenas continua alinhada
Sim porra)
Não havia o que eu não pudesse enfrentar por Regina e George, não somente por eles, mas pelas pessoas que eu amava. Ela me fizera provar o amor em sua maior intensidade, me ensinara a reconhecer e valorizar os bons sentimentos e as pessoas incríveis que possuía ao meu redor. Regina não me dera apenas o seu amor, mas trouxera o amor em totalidade para minha vida.
'Cause I love you so much, I fall to pieces.
(Porque eu te amo tanto, eu caio aos pedaços)
Sucumbir ao lado dela não significava a queda literária, mas a metafórica, onde desfazer-me se tornara rotina, uma da qual não abriria mão. Apertei os dedos em suas costas e deslizei as unhas sem arranhá-las, uma massagem lenta e precisa, onde dedicava-me à desfazer os nós causados pelo estresse de um dia intenso de trabalho. Os sons emitidos por ela me incentivavam a continuar e aplicar mais forças em lugares específicos. Felizmente os minutos se arrastaram e cada ato fora aproveitado, como se passasse em câmera lenta diante de meus olhos e sob minhas mãos. Levantei-me e entrei em seu campo de visão, podendo notar seu semblante suavizado. Apoiei as mãos na borda e alcancei seus lábios, roçando-os aos meus, mordiscando com leveza, chupando o inferior numa dança lenta.
– Estou te esperando no quarto. – Sussurrei e ela acenou positivamente, parecia tão aturdida quanto eu.
Desejava ficar ali por mais alguns instantes, mas eu precisava externar o que estava sentindo, em palavras ditas não seria possível, não naquele momento. Meu peito afundava-se no peito, como se não comportasse tanto amor. Não era um aperto ruim, jamais seria.
Procurei por papel e caneta, encontrando na gaveta de seu criado-mudo. Não tinha certeza se era boa com as palavras como era com a música ou... Enfim! Sentei-me na poltrona ao lado da cama e usei a coxa como apoio. Fechei os olhos por alguns instantes e mordi a tampa da caneta nervosamente. As primeiras linhas foram riscadas e a cada palavra concluída meu coração palpitava ansioso, a respiração levemente afobada denunciava o quanto eu precisava escrever. E escrevi.
Uma prece.
Eu amo você.
Antes e depois de todos os acontecimentos,
na profunda imensidade do vazio
e a cada lágrima dos meus pensamentos.
Eu amo você.
Em todos os ventos que cantam,
em todas as sombras que choram,
na extensão infinita do tempo
até a região onde os silêncios moram.
Eu amo você.
Em todas as transformações da vida,
em todos os caminhos do medo,
na angústia da vontade perdida
e na dor que se veste em segredo.
Eu amo você.
Em tudo que está presente,
no olhar dos astros que alcançam-na
e em tudo que ainda está ausente.
Eu amo você.
Desde a criação das águas, desde a ideia do fogo
e antes do primeiro riso e da primeira mágoa.
Eu amo você. Perdidamente!
Desde a grande nebulosa até depois que o Universo cair sobre mim,
Suavemente.
Eu amo você.
Transbordei palavras que estavam atreladas à minha alma, não as deixei escapar, mas mostrei-as com clareza para que Regina compreendesse; além de tudo que já havíamos vivido. Seus olhos me fitavam da porta e seu sorriso era ameno, automaticamente espelhei seu gesto e sorri também. Deixei o papel sobre seu travesseiro e caminhei até ela, tocando o tecido aveludado da toalha, alternando com sua pele levemente molhada.
– O que há com você? – Perguntou tocando a ponta do meu nariz com o indicador.
– E eu poderia explicar? – Soltei o ar pela boca, envolvendo-a num abraço terno, que imediatamente fora retribuído. Ela alargou o sorriso, negando num menear e entrou em seu closet. Sentei-me na cama para esperá-la vestir-se e ri baixinho de seu pijama despojado; um moletom surrado e largo, parecia tão confortável.
– Gostou? – Franziu o cenho, fazendo uma careta para mim.
– Amei! Quero pra mim, inclusive.
– Terá que roubar.
– Não me faça tirá-lo de você a força. – Provoquei-a, recebendo um olhar carregado de intenções.
– Sua sorte é que preciso fazer George comer e você não pode demorar. – Empurrou-me pelo ombro, me fazendo rir.
Aceitei a mão que ela estendeu para mim e fomos para o quarto do pequeno, acordá-lo para que se juntasse à nos no jantar. Ele resmungou, esfregando os olhinhos com extrema preguiça, mas animou-se ao ver que Regina chegara.
– Seu sorvete já chegou, Emy! – Disse empolgado e se levantou, abraçando o corpo de Regina para que ela o levasse.
– Sorvete? – Questionou curiosa.
– Aham! Você é o sorvete dela. – Mostrou os dentinhos tortos num sorriso.
– Emma!
– O que?! – Assustei-me com sua reação.
– Por quê diabos um sorvete? – Seu olhar era reprovador.
– Ele estava tomando sorvete e disse que o namoraria, a conversa chegou no ponto em que eu disse que você era meu sorvete. – Sorri travessa, rindo dela ter cogitado alguma outra possibilidade.
– Oh!
– O que você pensou? – Cutuquei sua cintura e vi seu rosto ruborizar fortemente. – Por que eu a chupo? – Sussurrei ao seu ouvido, aumentando seu rubor.
– Emma!
– Estou começando gostar destes seus gritos.
– Só não vou te estapear porque estou segurando esse pedaço de pessoa.
– Não pode bater nela! – Protestou o garoto.
– Ah ela pode sim, mas não agora. – Ele encolheu os ombros e mexeu-se para ser colocado no chão. Correu para a cozinha e antes de chegarmos já era possível ouvir ele enlouquecendo Granny.
– Você é muito boba, Regina… – Balancei a cabeça novamente, passando um braço ao redor de sua cintura para abraçá-la. – Deixei algo para você sobre seu travesseiro. Quando eu for embora, leia. – Ela parou de imediato e me fitou, arqueando a sobrancelha.
– Vou ler agora. – Quis fazer o caminho de volta, mas a segurei com firmeza.
– Não, meu bem… Depois. – Ela relutou, mas deu-se por vencida. Não costumava ser insegura, mas não sei como ficaria diante dela enquanto lia o primeiro poema que escrevera durante toda minha vida.
O jantar fora tranquilo, nos perdemos entre conversas com Granny e risos com George, o garoto não perdia uma oportunidade de encantar-me. Quando meu dia começou, não tinha ideia do quão delicioso ele seria. Essas surpresas de amar, de ter alguém, se tornara um dos meus maiores prazeres.
– Você sabe que ao fechar essa porta vou subir a escada saltando a cada dois degraus, não é? – Regina disse ao pararmos ao lado do meu carro.
– Quando você se tornou uma adolescente, hm?
– Não sei. Me diga você quando voltamos a ter quinze anos. – Passou os braços ao redor de meu pescoço e beijou meus lábios. O que era pra ser um carinho leve, estava tornando-se um de nossos beijos vorazes, onde minha língua entrelaçava a dela com saudade de seu gosto e mordidas eram intercaladas. Com relutância interrompemos o ato. Entrei no carro e ela fechou a porta, inclinando-se para dentro da janela, roubando-me mais um selar. Afastou-se e eu pude vê-la pelo retrovisor até dobrar a esquina e rumar para meu apartamento.
Meu corpo parecia tão pequeno para dar moradia ao que estava sentindo, nada que eu fizesse seria capaz de expressar e talvez essa fosse a graça deste sentimento, o querer atingir o inatingível, o desejo de desenhar o que os olhos não alcançam, de escrever o que não é palpável, delinear fragmentos abstratos que apenas nos tomam; sem definição, sem uma cor única ou própria. Talvez amar seja essa vontade insana de fazer e acontecer… Do sentir e explodir. Meus pensamentos eram cruzados por lembranças recentes e antigas de momentos vividos ao lado de Regina e uma ideia persistente crescia em meu peito, um desejo novo sendo plantado e regado cuidadosamente.
Ao chegar, encontrei Mary que estava preparando-se para sair, disse algo que não consegui ouvir, despertei quando chamou por meu nome.
– Está tudo bem, Emm? – Dirigiu seu olhar preocupado à mim.
– Acho que vou comprar uma casa. – Soltei a frase como se ela soubesse de meus pensamentos.
– Não entendi.
– Uma casa, Mary… Um jardim, espaço para brincar, correr, ter animais. Talvez uma árvore para colocar aqueles balanços feitos de pneus como o que eu tinha quando criança. Apenas um andar, sem escadas. Escadas não são boas para crianças. Quartos de hóspedes, uma sala de jogos, uma de música. Uma casa, não como a de Hamptons que é para mim, mas… Uma casa para família. O que você acha? – Devaneei em voz alta, atropelando as palavras e meus sentimentos.
– Emma…
– Não me vejo mais nesse apartamento frio, Mary… Quero uma casa onde eu possa ver um futuro.
– Você entende a origem dessa vontade? – Perguntou, sorrindo enquanto alcançava minha mão com a sua.
– Acho que sim… – Abaixei o olhar, dando-me conta da intensidade de meus novos sonhos. Senti-me feliz, diferente, como se estivesse vendo tudo ao meu redor em novas paletas.
– Você tem todo meu apoio, Emma. – Me abraçou apertado e eu retribuí, forte o suficiente para fazê-la resmungar. – Agora eu preciso realmente ir. Pela manhã estarei aqui, certo?
– Obrigada, Mary – Sorri agradecida por ter alguém tão celestial no meu convívio.
Ela saiu, não sem antes olhar para trás e sorrir novamente. Eu estava confusa, mas de um modo tão bom. Enquanto subia para meu quarto, tirava os sapatos, deixando-os no meio do caminho. Fiz menção de tirar o vestido de Regina, mas ele traria a sensação de tê-la comigo, então o mantive. Caí sobre a cama e fitei o teto, perguntando-me se ela já havia lido o poema, pensando nas mil possibilidades de suas reações. Realmente, minha vida tomara uma rota inusitada e nada podia me deixar mais feliz. O desejo de ter uma casa fora apenas mais um indício, um novo passo ao que eu realmente queria: uma família ao lado de Regina.
Dormi com a cabeça cheia e o coração transbordando, assim como o cochilo da tarde, fora leve, acolhedor, prazeroso pelo descanso e ansioso pelo despertar, onde na realidade também encontraria quem povoava meus sonhos.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.