História She's on my mind - Lembranças

Dia 08/10/2014

Faz um calor danado nessa desgraça de cabana, nem o final de semana no Rio Amazonas foi pior que isso.

Dia 09/10/2014

Ok, preciso retirar o que disse... isso aqui está ficando bom!

Parece até mentira dizendo assim...

Ela estava mais à frente, trajava uma regata azul com detalhes indianos, por baixo, uma saia longa e rosada que dava movimentos a ela.

Eu já viajei os quatro cantos do mundo, buscando algo, algo dentro de mim, buscando encontrar em alguma outra mulher com uma língua ou cultura diferente, tentando buscar em outra parte alguma sensibilidade a mais... Conheci inúmeras pessoas, aprendi muitas coisas, mas ironicamente, foi no Brasil que aconteceu...

Eu conseguia ver seu sorriso, mesmo de costas. Alguém falou algo em seu ouvido , uma outra menina, também bonita, mas nada igual a ela. As bochechas altas estavam arqueadas, ela meio de lado, parecia animada por ver Alceu Valença em um show nada convencional, em uma cabana no interior de Sergipe.

Eu tinha vindo com alguns gringos, como guia, não se engane, antes de conhecer o país dos outros, fui conhecer o meu. Enfim, uma das minhas músicas favoritas (rouge carmim) começou, as pessoas estavam cada vez mais animadas, pelo visto Alceu não vinha muito para essa parte, principalmente nas condições , mas preferi não pensar nisso.

- Lost ?*  - Harry, um americano que trouxe comigo da França perguntou quando percebeu que eu estava encarando a menina.

(Perdido?)

Ri de canto e neguei com a cabeça. Olhei para as outras pessoas que vieram comigo, muitos dançavam com outros Sergipanos, alguns já estavam bêbados, Quem veio em casal dançava junto, mesmo sem entender muita coisa. Música sempre unia as pessoas, não é? 

- One yours and One mine? – Harry falou mais alto para que eu ouvisse.

(Uma sua e uma minha?)

Safado, senti a malícia em sua voz. Tomei um gole da minha cerveja, vi quando as duas olharam para nós. Gelei por um momento, achando que o gringo olhava a minha garota, mas soltei o ar quanto percebi que era a amiga. Ok , seria a oportunidade perfeita.

Dei um toque para o gringo e demos a volta no “bar”. Alceu já cantava outra música, assim que chegamos por trás delas a amiga nos viu primeiro.

- Olá! – Harry disse em seu português precário.

A morena se virou, nos olhando, mas logo voltou para a frente. Opa, então ela seria difícil?

Fiz as apresentações dos dois e parei do lado esquerdo dela, minha pele quase tocando a sua do braço, ela tinha consciência de mim ali, seu rosto estava erguido, corado pelo calor. O suor descia por sua pele, os lábios eram avermelhados por um batom coral, o resto do rosto estava limpo de qualquer maquiagem. Olhei sua face com o canto do olho, tinha uma cicatriz a cima do seio, a pele era jambo, igual a cor dos olhos, ela era linda, uma musa nordestina que eu não conseguia parar de olhar .

- Me analisando? – Sua voz aguda e com sotaque proeminente soou por cima da música.

Aquilo me tirou do transe, fiquei sem graça, todas as minhas possíveis respostas fugiram.

- Pensei que falasse quando apresentou Marília ao seu amigo. – Ela cutuca.

Acabo rindo, ela percebeu meu nervosismo, o que era isso? Alceu anunciou que cantaria uma nova música , essa era mais romântica.

- Quer dançar? - perguntei sem nem olha-la.

- Olha, ele sabe falar. – Ela cruza os braços e mexe um pouco o corpo fazendo sua saia farfalhar.

- Então? - dou meu melhor sorriso e espero a resposta.

- Ok! – Ela estende o braço e eu passo o meu por sua cintura. -, mas sem gracinha.

Rio baixo, quase que internamente e começamos a dançar. Um movimento leve, girando pelo espaço, no ritmo da música. Ela cheirava a perfume, mas não muito doce, seu suor molhando minha pele de um jeito sensual, os olhos profundos na face deixando sua imagem  ainda mais sensual e misteriosa, tinha também cílios longos, eu percebi.

Sempre fui observador, por isso viajei tanto, eu gosta de ver o novo, novo para mim não é? Gostava de sentir texturas e provar comidas, de conversar com gente, de ajudar. De trabalhar em uma colheita no Pará e depois comer croissant em Paris e depois mergulhar no Havaí. Essa era a minha vida, mas naquele momento, eu só queria estar ali, em Sergipe, em um show de Alceu Valença, literalmente no fim do mundo, dançando com ela.

Lembro que não conversamos mais nada naquela madrugada, o local ficou inebriante, bebemos mais algumas cervejas, sem falar uma palavra. Não nos beijamos aquele dia, muito menos trocamos nomes, endereços, ou promessas. Até porque eu não tinha um endereço para dar, ela ficou ali, na minha lembrança, seu cheiro, seu sorriso, seu toque e o 'tchau' simples que ela deu quando amanheceu e sumiu pela entrada com a amiga. 

Voltei para dentro da cabana, poucas pessoas ainda estavam ali. Os gringos que pelo visto se divertiram bastante tiravam fotos com os nativos e terminavam suas bebidas.  Reuni todos eles e fomos em direção ao furgão onde os trouxe para voltarmos ao hotel na estrada.

Harry apareceu minutos depois, com o cabelo molhado, cara feliz. Gargalhei para sua aparência, sabia o que tinha acontecido entre ele e Marília, pena que não tive a mesma sorte.

- What's up, dude! - ele aperta meu ombro e entra ao meu lado no furgão, enquanto os gringos se ajeitam no banco de trás.  - Did something happen with the brunette?

( E aí cara, aconteceu algo com a moreninha?)

Claro que ele ia querer saber da menina que estava comigo. 

- Oh, dude! Didn't roll anything, Just stayed in memory.  - Digo simplesmente, mas assim que dou partida, olho para ele pelo canto do olho e rio.  - But you...!

(Ah, cara! Não rolou nada, ficou apenas na memória.  Mas você...)

Ele gargalha e depois se aquieta, apoiando a cabeça no banco. Logo, metade dos gringos ressonam lá atrás assim como Harry, enquanto eu dirijo. 

Quem diria, Brasil, Sergipe, menor estado do país, em meu top 10 de viagens.