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História Sob o gelo - Capítulo único


Escrita por: proliterario e Rachel_Wilde

Notas do Autor


Dando prosseguimento ao seu projeto de releituras dos contos de fadas, o PL traz hoje uma história inspirada em Frozen. A one foi escrita pela autora Rachel_Wilde, a quem agradecemos muito. Esperamos que todos apreciem!

Capítulo 1 - Capítulo único


Fanfic / Fanfiction Sob o gelo - Capítulo único

O carro chiou pela terceira vez naquele dia. No entanto, ao contrário de todas as outras vezes, o Fiesta estendeu o lamúrio por mais tempo do que o comum e, quando o som cessou, não houve absolutamente mais nada. O motor estava morto, talvez congelado pelo vento frio que vinha da floresta ao redor, cujas árvores altas jogam sombras deformadas, encolhidas conforme o sol de fim de tarde se punha.

Stella soprou o ar, insatisfeita. Ao seu lado, inclinando o corpo sobre o volante, Harry tornou a rodar a chave do veículo e não obteve mais do que uma leve estática, algo que talvez nem mesmo fosse do carro.

Ele não expressou qualquer reação. Já estava cansado e tudo que queria era chegar à Kinsale, onde os pais de Stella aguardavam os dois para um delicioso jantar, com cerveja aos montes e lombo recém assado. Mesmo que fosse obrigado a dormir no chão porque Stella ainda se recusaria a dividir a cama com ele, isso seria melhor do que uma noite com o mal reclinado banco do Fiesta como colchão. Seria um fim de semana longo, com Stella sorrindo e o exibindo como um prêmio ganhado por sorte na loteria. E ele provavelmente se portaria como tal, porque manter as aparências era algo de razoável importância quando se estava em público.

Não haviam dúvidas que aquele seria o último fim de semana de Harry com os Byrne, mas ele nem mesmo conseguia fingir que aquilo o chateava.

Stella tornou a suspirar, livrando-se do ar em seus pulmões com demasiada violência e irritação. Harry a olhou, vendo-a revirar os olhos em sinal ao seu desprezo. Por muito tempo, quando olhava Stella, Harry tentava reconhecer a mulher de mornos olhos quentes que havia lhe roubado o coração. Ele de fato se esforçava, tentando reconhecer qualquer sinal de amor. Depois, tentou achar um fiapo de esperança e empatia. Simpatia. Agora, ele nem perdia tempo tentando procurar. Harry sabia que só encontraria desdém ao encará-la. E poderia culpar Stella? Que provas tinha de que, ao fitá-lo, ela também não via exatamente a mesma coisa?

Havia uma diferença, porém, entre esse pequeno fato e todos os outros recentes acontecimentos da vida dos dois. Ele até poderia perdoar o desprezo mútuo que sentiam se estivesse cedo e com a cabeça fria. Depois de uma viagem cansativa como aquela, depois de semanas de brigas que resultaram em uma última e já fracassada tentativa de se acertar, Harry tinha o cérebro como um tonel cheio de pólvora. Não lhe restavam dúvidas de que o fogo a incendiá-lo viria de Stella.

— Como poderíamos imaginar que isso daria errado, não é?

Stella estava com os olhos comprimidos, transformando o calor do chocolate derretido neles em fendas perigosas de um olhar de serpente. Seus ombros finos — só agora Harry começava a perceber o quão fino eles eram, como se as imperfeições só viessem depois que ele se exaurisse de pensar que ela era perfeita ou do próprio relacionamento — projetou-se levemente para frente enquanto ela se inclinava na direção do painel.

— Parabéns, meu amor. Mais uma escolha brilhante da sua parte.

Harry travou os dentes. Quando a expressão “meu amor”, abandonando os lábios de Stella, tornara-se algo tão dolorosamente nocivo e venenoso. Houve um tempo que ele gostou de ouvi-la dizer aquilo, não houve? Parecia tão distante que poderia ser uma simples ilusão.

— Por que não faz alguma coisa e útil? Ficar calada seria um ótimo começo.

Stella apenas fungou e ficou em silêncio logo em seguida. Harry agradeceu por aquilo porque se um dia sua voz lhe parecera doce, quase como o bater das asas de anjos do Paraíso, hoje se parecia muito mais com arranhar agudo das garras se um demônio irritado.

Harry agarrou a chave e rezou para que qualquer santo o atendesse. Ele só precisava que o carro rodasse por mais alguns quilômetros — e isso não era muito. O suficiente para estarem na cidade, onde pudesse estar em um quarto longe de Stella, de modo que ela não tivesse acesso à ele e não pudesse jogar em sua cara o enorme erro daquela noite. Harry odiava admitir, mas era culpa dele estarem ali.

O Fiesta prosseguiu não dando mais do que mera estática, um ruído fino de fundo que se estendia até quase sumir. Ele não chiou e Harry tentou pensar porque escolhera justamente aquele veículo, entre tantos outros que pareciam muito mais promissores. Era a cor? Ele sempre gostou de azul, mas aquela era a razão não tão oculta pela qual optara pelo fiesta moribundo, em dias de falência, entre todos os outros?

— Merda.

Harry disse aquilo para si mesmo, mas foi o que bastou para Stella comprovar de quem era a culpa. Ela gargalhou, cruzando as mãos

(e aquelas unhas grandes como garras de um tigre que ele odiava mais e mais a cada dia)

sobre o peito.

Harry a olhou de soslaio.

— Quer a sua salva de palmas agora? — Stella lhe ofereceu.

Dessa vez, foi Harry quem revirou os olhos. Não seria necessário muito para que sua paciência se esgotasse por completo.

— Existem muitas coisas que você poderia fazer agora, sabia? Ficar me xingando não é uma delas.

— Ah! Claro! Sou boa em resolver os problemas que você cria. O que quer que eu faça, querido?

— Você não adora ficar teclando naquele maldito telefone? Porque não usa para algo mais útil do que isso e tenta ligar para alguém.

A expressão de mórbida vitória e superioridade escapou do rosto de Stella e foi tomada por um desgosto constante. O sorriso de superioridade sumiu e, bufando em desgosto por ter sido, a sua própria maneira, superada, ela encaixou a mão no bolso de trás do jeans, tirando dali o aparelho celular que nunca abandonava.

Com o olhar fixo, Harry a viu desbloquear a tela e deslizar as unhas

(unhas muito compridas)

sobre o aparelho. Não estava procurando nada em específico para criticar, mas um trunfo desses não seria ruim.

Então abaixou os braços e virou-se para encará-lo:

— Não tem sinal.

Harry não acreditou no que ouviu. Inclinou-se sobre ela, tomando o aparelho, ainda descrente que a ironia do destino pudesse ser tamanha. Mas era verdade: não havia sinal e, portanto, não poderiam telefonar para ninguém. A cor verde da bateria já estava na metade e não tardaria a acabar.

— Merda. — praguejou. — Merda, merda, merda.

— Continue xingando. Tenho certeza que isso vai resolver os nossos problemas.

Harry se calou. Poderia ser apenas uma forma de Stella tentar atingi-lo, mas ela estava certa. Xingar ou reclamar não adiantaria de nada. O carro deles ainda estava parado, estacionados em uma estrada deserta, a beira de uma floresta estranhamente fria e sombria. Tinham de ser lógicos, e não despejar palavras chulas.

— Podemos voltar a pé para a cidade e pedir ajuda lá. — Stela sugeriu sem a menor ironia dessa vez.

Harry abriu a janela ao máximo e colocou cabeça para fora. Com o carro, havia gasto até ali pouco mais de uma hora. Já anoitecia e não conseguiriam chegar até cidade antes de o sol sumir e a lua chegar. E isso seria um risco considerável.

— Não sei se é o melhor. Vai escurecer logo.

— E qual é o seu plano genial?

— Vamos ficar aqui. Quando o dia amanhecer, voltamos para cidade e encontramos ajuda.

Nunca Stella ficou tão próxima de querer jogar-se contra Harry e arranhar seu rosto com as enormes unhas que cultivava há anos. Foi uma mistura desagradável de desprezo e desgosto que estampou sua, quase como se ela esperasse coisas imundas de um verme imundo como aquele.

Harry não chegou a sentir nada diante do olhar dela. Ele já estava acostumado. Havia muito tempo que o modo como Stella o olhava não causava absolutamente qualquer reação. Dor, tristeza, solidão ou arrependimento haviam se perdido no tempo do relacionamento deles; o espaço era tudo que havia o vazio estava longe de incomodar.

— Esse é o seu plano genial, Harry? — Stella berrou. Não houve ironia ou sarcasmo porque ela estava furiosa demais para isso.

— Você tem ideia melhor? Eu não quero andar pela merda de um lugar que eu não conheço durante a noite! Se você quiser ir, vá. Faça bom proveito. Eu levo flores no seu enterro.

Stella soltou um som gutural, quase como um rosnado. Em seguida, girou sobre o banco, abrindo a porta e pulando para fora. O metal estalou ao ser batido com força demais e som grave ecoou por todo o lugar vazio. Harry se encolheu, atingido pelo som, e permaneceu parado. Do lado de fora, encarando a floresta, uma imensidão verde, gélida e pouco convidativa, cheia de sombras que assutavam, Stella berrou.

 

Conforme a noite chegou e as horas de escuridão se estenderam, o frio se tornou mais forte. Parecia que aquela era a sua hora, seu momento de dominação e ele o fazia com demasiado poder. Harry estava encolhido no banco do motorista, usando seu casaco como coberto e sentindo as costas cada vez incomodarem mais.

Havia algo de errado ali. O vento dançava. Ele se movia como uma brisa viva, em sussurros glaciais. A atmosfera tinha sua cor branca, flutuando por entre os espaços com a mesma graciosidade de uma serpente enfeitiçada. E havia uma melodia, um som doce de fundo, como o cantar rouco e calmo de uma sereia.

Stella sentia tudo aquilo. Ela também ouvia Harry ressonar, incomodada pelo som e encolhida com seus poucos casacos. Não conseguia dormir, acuada por uma previsão de catástrofe inevitável.

Ouviu seu nome ser chamado no instante que pregou os olhos. O sibilar era um som melódico, suave e afinado. Não parecia real. E nem deveria ser, porque não havia ninguém além de ela e Harry ali, e Harry dormia sem a menor ideia do que se passava ao seu redor.

Stella se convenceu de que não era nada. Repetiu aquilo por algumas vezes, até que em seus cérebro não restasse qualquer dúvida sobre a veracidade desse tipo de informação. Então permitiu que sua cabeça se encostasse à janela e fechou os olhos, sentindo que a exaustão daquele dia poderia finalmente arrebatá-la. Novamente ouviu o som, ainda mais próximo, como um sussurro cantado ao pé de seu ouvido:

— Stella.

Seus olhos se abriram em uma velocidade impressionante e o movimento abrupto de acordar a fez chocar a cabeça contra o vidro. Qualquer sinal de sono escapou por entre a dor que se estendia em seu crânio. Enquanto se ajeitava no banco, vestindo o casaco, ela tornou a ouvir seu nome ser chamado:

— Stella.

Não, não era sonho. Aquela constatação crescia em seu peito, acompanhada de uma invasiva necessidade de conhecimento. Stella não era esse tipo de pessoa, uma desbravadora, e, em outras circunstâncias, não abandonaria o refúgio no carro por nenhuma razão. Mas ela sentia crescer, com a mesma realidade que sentia uma dor de estômago, a necessidade de conhecer quem a chamava.

Mas não queria ir sozinha. Então cutucou Harry. Chamou seu nome. Ela não o amava mais; seu sentimento nem era potente como ódio. Apenas desprezo puro que crescia pela ineficiência que os dois tinham em se resolver por completo. Ainda sim, a companhia criava uma falsa sensação de segurança que poderia ser proveitosa.

Harry, no entanto, mandou-a dormir. Ele próprio não parecia consciente de suas palavras quando disse que poderia brigar ao amanhecer e que, por hora, só queria dormir. Stella bufou, escutando seu nome mais uma vez, e percebendo-se sozinha.

Dando vazão à sua necessidade própria, talvez um mero impulso estúpido, ela se ergueu. Do lado de fora, imediatamente abraçou o próprio corpo para se proteger do vento dançante que a atacava sem pausa. Deu um passo à frente e depois outro e depois outro e outro

(mesmo sem conhecer o caminho, mesmo sem saber saber para onde ir).

Deixou que a necessidade a guiasse, esquecendo-se de que a quela floresta não era apenas desconhecida, como cheia de sombras frias que assutavam.

Uma clareira se abria alguns metros adiante, cercada por altas árvores. Nenhum animal piava. Não havia som além da própria respiração. Então, neve

(em pleno agosto, se é que algo assim é possível)

caiu sobre seu nariz, derretendo sobre a pele fina. O que fez Stella se encolher foi a surpresa pura de constatar que pisava em solo congelado, coberto por uma camada de gelo tão grossa que tornava-o branco e opaco.

O vento tornou a dançar ao seu redor, circulando seu corpo como uma força viva e de pulmões cheios, dançando ao redor de seu corpo. Os flocos de gelo, pequenas estrelas diferentes, de formas variadas e sem a menor chance de encontrarem um igual, seguiam pelo mesmo rumo, girando em torno de Stella enquanto ela própria se movia, tentando alcançar algum deles.

O gelo tintilou quando algo se moveu sobre ele. Stella virou os olhos, encarando a pequena lebre que andava em sua direção. Era pequena e poderia ser completamente comum se não fosse o fato de ser feita de pura água congelada.

Stella esbugalhou os olhos em sinal de pura curiosidade. Ela se agachou, sentindo o vento ao seu redor findar a dança para deixá-la se mover livremente. Estendeu a mão, percebendo que seus dedos tremiam pelo frio e em uma relação involuntária ao que ocorria, a lebre lhe cheirou a ponta das enormes unhas

(como Harry as odiava)

balançando seus bigodes congelados e finos. Stella sentiu, encantada quando a lebre lhe tocou a palma com a ponta do focinho. O gelo que deveria tê-la alertado e a feito fugir só intensificou a risada.

— Stella.

 

Na mente de Harry, uma bela mulher lhe estendia a mão. Seus dedos eram longos, mas, ao contrário dos de Stella, eram gloriosos e brancos como gelo, quase como se não pertencessem à atmosfera humana. Seus longos cabelos, claros ao ponto de serem quase brancos, pendiam em uma trança e a franja solta balançava-se rebelde ao menor sinal de vento.

Seus olhos eram blocos de gelo. Tinham a cor de neve e espalhavam a mesma frieza assustadora. Algo emanava dela, uma sensação terrível de perigo que deslizava por todo o espaço até alcançá-lo e, mesmo assim, Harry não fugia. Ele se movia cada vez mais para perto dela, estendendo sua mão em sua direção, gravitando até ela como os planetas gravitam ao redor do sol, sem o menor direito a escapatória. Ele queria fugir, então porque seguia correndo em direção a ela.

Afinal, Harry não queria fugir?

— Harry.

O som doce que o chamava e que o fez acordar jamais poderia ter sido produzido por Stella. A magia que a fazia parecer encantadora e perfeita em todos os sentidos já havia se acabado e ela jamais teria sido tão sutil.

Harry abriu os olhos e suspirou. Parecia ainda preso ao estopim do sono, com os ossos travados e músculos engessados por causa do frio ártico que invadia as engrenagens de metal e congelava até o interior do carro. O eco de seu nome ainda zumbia no interior de seus ouvidos, um som tentador demais para que ele ignorasse com facilidade.

— Harry. Harry. Harry. Harry.

Sua cabeça se moveu de um lado ao outro e ele percebeu com certo assombro que estava sozinho. Suas sobrancelhas criaram um vinco no centro de sua testa ao se franzirem enquanto ele tentava descobrir onde Stella poderia ter ido aquela hora.

Imediatamente, jogou a blusa no banco de trás e arrumou a postura, sentando-se ereto. Olhou ao redor, constatando que estava imerso no mais profundo breu e que não havia qualquer sinal de companhia. Estava sozinho.

Agora o frio começara a ter uma forma quase física, projetando-se como uma neblina densa ao redor do carro e de tudo. Será que Stella seria tão insana ao ponto de, em um surto, aceitar percorrer todo o caminho de volta à cidade naquele frio e durante a madrugada? Não seria algo a realmente impossível.

— Harry.

Ele olhou pela janela do passageiro. Por entre as camadas grossas de neblina que se sobrepunham, viu a sombra azulada da mulher de seu sonho. Seu corpo esguio era coberto por um vestido fino e do mesmo tom de gelo. Seus ombros nus e claros cintilavam, recobertos de cicatrizes como gelo. Como no sonho, seus dedos longos se estendiam e seu olhar, pesando sobre a mente de Harry, o atraia tal qual um imã puxa o metal.

— Venha. — ela sussurrou, movendo os lábios grossos e desenhados com uma lentidão sedutora. Sua voz doce, o som de uma harpa sendo tocada, fez com que algo se remexesse dentro de Harry. — Venha. Venha. Venha.

A preocupação com Stella se tornou algo terciário, sendo gentil. Ela já não era mais importante em absoluto. Aquela mulher, a bela flor do gelo com o corpo marcado por figuras congeladas e olhos frios, era o novo tudo. Ela o chamava e sua mente havia aberto mão de todos os aspectos racionais apenas para segui-la.

Harry saiu do carro e correu floresta adentro. A mulher sumira, desaparecera levada pela sua própria brisa gélida. Enquanto Harry se movia com rapidez, acelerando suas pernas, não sentiu o frio que antes lhe atrapalhava os ossos ser algo ruim agora. O frio era bom porque o frio era ela, e ela, mesmo que uma desconhecida, era bela demais para não ser desejada.

Ele escutava seu nome. Escutava sua voz doce chamando por ele, quase um clamor desesperado e impossível de negar. Tamanha necessidade deveria ser real

(deveria, deveria, sim)

e isso era algo que ninguém no mundo poderia negar.

Como Stella antes dele

(e tantos outros antes de Stella)

Harry chegou a mesma clareira. Dessa vez, a neve não dançou ao seu redor. Um silêncio mórbido, entrecortado pelo mesmo som fraco e estático que antes parecia ser parte do carro, era tudo que havia. Nenhuma lebre se aproximou e a bela mulher de azul, a rainha do gelo, não mostrou sua face.

— Você está ai? — Harry berrou.

Sua respiração estava ofegante. Sentia agora o calor da corrida começar a ceder, lentamente substituído pelo frio que subia do chão congelado e manava das cascas grossas e brancas. Seu coração voltava ao ritmo normal, aplacado pela necessidade de encontrar aquela mulher.

Não houve qualquer resposta. O zumbido estático e fraco prosseguiu, e Harry começou a girar ao redor do próprio corpo, encarando as árvores que o cercavam e tentando encontrar a sombra azulada que perseguira-o em seu sonho. Deus, como ele a queria. Mais do que tudo.

A neve começou a cair como uma lentidão assustadora. Os primeiros flocos atingiram o chão, derretendo em minúsculas poças sobre o gelo grosso. Harry estendeu a mão e várias estrelas pousaram ali. Elas derreteram enquanto ele observava, admirado, a forma perfeita e desenhada. Não era o mesmo tipo de neve que via em sua casa, em Holmes Chapel, ou que vira com Stella em Nova Iorque no ano anterior. Enquanto a água escorria por seus dedos, alcançando o chão em pequenas gotas brilhantes.

Por alguma razão, ele riu. Riu como um tolo diante de uma piada estúpida e que, verdadeiramente, não tem qualquer graça. Uma parte de Harry já não se sentia mais como ele próprio, preso na magia da bela mulher que lhe estendeu a mão e que agora certamente não era mais do que uma ilusão.

— Você veio.

Harry se virou, encarando a bela mulher um pouco atrás dele. De perto, ela era tão terrivelmente bela que simplesmente não poderia ser rela. Seus olhos transmitiam uma inocência fajuta e, a sua própria forma, encantadora. O gelo acumulado na íris era assustador e o modo como sua pele translúcida brilhava sobre o luar deveriam fazer com que ele quisesse correr. Em seus ombros e no tórax, estrelas de gelo pareciam tatuadas na epiderme e reluziam mais do que ela própria.

Harry sorriu. Encantou-se ao vê-la ali, com as mãos cruzadas e braços encolhidos, olhando-o. Seu cabelo brilhava mais do que a neve e seus enormes cílios se moviam com delicadeza. A majestade parecia algo inerente à sua presença, exibida em cada lufada de ar que saia por suas narinas.

— É claro que eu vim. — Harry disse, aproximando-se dela.

Ele só não sabia a razão de ter ido. Nunca, nem em seus sonhos mais profundos, vira aquela mulher. Ela não era como Stella e nenhuma outra que cruzou sua vida. Era melhor, mais bonita e perfeita. Mais encantadora, quase como se fosse constituída de pura magia. Jamais desejou uma mulher como aquela e, ainda sim, ela aparecerá em seu caminho, com seus dedos estendidos e disposta a deixá-la pegar sua mão.

Algo em Harry ainda insistia que aquilo era uma escolha errada. Mas como uma escolha tão mágica poderia ser, de alguma forma, errada? Algo tão perfeito não poderia ser minimamente errado, então não havia a menor razão para resistir à ela.

— É claro que eu vim. Eu sempre viria por você.

Ela sorriu com a mesma doçura inegável que um favo de mel teria. Então estendeu as mãos

(Harry não percebeu que aqueles dedos longos eram ainda mais assustadores que os de Stella, com queimaduras feias feitas pelo gelo)

e ele não hesitou em pegá-los.

Rapidamente, ela o puxou para perto. Sua pele era fria e fazia frio emanar para o corpo dele, sugando seu calor lentamente. Seus lábios, subitamente mais vermelhos do que antes, eram sedutores e Harry sentiu a súbita necessidade de uni-los ao seu.

— Vamos ficar juntos para sempre. — disse-lhe a mulher.

Então, ela própria o beijou. No instante seguinte, uma percepção dolorosa. o atingiu. Com os olhos abertos, Harry viu a estátua congelada de Stella atrás da sua rainha do gelo, com a expressão assustada e um grito preso, incapaz de ganhar liberdade mesmo que seus lábios estivessem escancarados. Ao seu redor, outras estátuas de gelo o encaravam com as mesmas expressões de medo e pavor. Pareciam avançar em sua direção, puxando-o para perto. Ele era um deles agora. Agora ele era um deles.

Quis soltar os seus lábios dos da rainha. Ele tentou com todas as suas forças, mas já era tarde. Ela estava certa. E a certeza foi uma constatação dolorosa enquanto seus membros se pretrificavam, endurecidos até que o gelo se tornasse uma parte intrínseca de cada um deles. Sentiu seu coração parando de bater, o músculo se tornando água e a água se tornando gelo. Seu cérebro interrompendo as funções racionais, seguindo pelo mesmo processo doloroso e que, por mais rápido que fosse, ainda parecia ser muito lento, enquanto sua rainha se afasta. A beleza e doçura haviam sido substituídos por uma sombra genuína de maldade e horror.

Ficaremos juntos para sempre, ela dissera. E para sempre ficariam. Harry, a rainha do gelo e todas as suas estátuas congeladas.


Notas Finais


O PL agradece todos que leram e que estão nos acompanhando nesse projeto. Agradecemos também à autora, que dedicou seu tempo e escreveu algo fantástico para nós.

E para qualquer tipo de duvida é só perguntar no nosso perfil da ask (https://ask.fm/projetoliterario)

https://www.wattpad.com/story/116649377-projeto-releitura-princesas


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