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História Sobre o Tempo e o Amor - Reencontro


Escrita por: Bentossi

Capítulo 2 - Reencontro


O relógio digital da rodoviária da cidade indicava exatos 19hrs45min quando Leandro Proeza encontrou um local confortável próximo a área de desembarque para esperar a chegada de Valentim. Deu uma olhada rápida em seu celular para ver se o amigo enviara alguma mensagem, mas não havia nada de novo, e confirmou mais uma vez o horário no relógio. O amigo chegaria em breve, pelo que estava programado da sua viagem, então Leandro permitiu-se observar as pessoas da estação indo de um lado para o outro, sem prestar muita atenção no que cada um fazia individualmente, apenas aguardando a hora passar.

Os ônibus das mais diversas empresas de transporte paravam e saíam da área enquanto o moreno pensava e aguardava. Fazia quase um ano que não via Valentim, e estava animado para reencontrar o amigo. Apesar de eles se falarem quase todos os dias pelas redes sociais, não era a mesma coisa não ter o rapaz por perto por tanto tempo, principalmente eles sendo melhores amigos, então ele estava levemente ansioso para revê-lo. E além de eles ficarem quase um ano sem se verem no ano anterior àquele tempo também viram-se muito pouco. Valentim levava uma vida muito corrida e morava na capital, um pouco longe da cidade natal deles onde Leandro ainda vivia, então tiveram poucas oportunidades de se encontrarem, e aquilo fazia falta para o moço.

Mesmo que a amizade deles continuasse firme como sempre, sincera, e real. Eles eram amigos há 11 anos, passaram por muitas coisas juntos, e aquilo não era facilmente abalado por qualquer coisa, nem mesmo distância ou frequência pequena de encontros. De toda maneira, o que animava Leandro agora era que aquela distância estava com os dias contados! Valentim estava voltando para Altarial, a cidade do interior de São Paulo onde eles cresceram, e agora eles poderiam voltar a se ver mais vezes. O que era bom, porque Leandro prometera a si mesmo que após aquele ano sem vê-lo, não aceitaria mais ficar tanto tempo sem ver seu melhor amigo. Estava determinado a tornar-se próximo do amigo mais uma vez.

Tanto que, quando ficara sabendo que Val chegaria naquele dia, ofereceu-se para buscá-lo na rodoviária da cidade. Valentim não gostava muito de dirigir, e não mantinha carro em São Paulo, então sabia que ele viria de ônibus e precisaria de alguém para buscá-lo na rodoviária ou iria de táxi para casa. Como parecia os pais dele não iam buscá-lo, Leandro se ofereceu, e ficou muito feliz quando o amigo aceitou. Seria bom rever o baixinho após tanto tempo! E claro, era bom ser útil a Valentim também, ainda mais porque o mesmo era sempre tão útil aos outros. Além de ele ser o primeiro de Altarial a rever o rapaz querido.

De toda forma, conforme os minutos passavam, ele sentia-se cada vez mais animado, pensando em diversas coisas que eles poderiam fazer agora que voltavam a morar próximos. Entrou tanto naqueles pensamentos, que quase não reparou no ônibus que parou com a identificação “De São Paulo” no letreiro, mas percebeu depois que o mesmo desligou o motor. Empertigou-se no lugar, animado para ver quando Val desceria, chegando mais próximo da área de desembarque quanto era possível já que uma catraca e cercas o impediam de se aproximar demais, mas podia ver os ônibus a uns vinte metros de distância. Precisou esperar alguns momentos, vendo as pessoas descerem, até Valentim aparecer na porta, e ir até o atendente que descarregava as malas do compartimento de carregamento.

Valentim mudara um pouco naquele tempo que eles não se viram, Leandro reparou mesmo àquela distância, mas no geral continuava o mesmo garoto de sempre: baixinho, de cabelos negros brilhantes e curtos penteados de lado num corte sério e impecável, a pele bronzeada em um tom invejável, olhos de um castanho bem escuro que tinham sempre um brilho divertido neles, e o sorriso meio matreiro nos lábios vermelhos e bem desenhados exibia os dentes perfeitos e brancos de uma pessoa que claramente era fissurada com a higiene bucal. Lê já tinha percebido pelas fotos que o amigo postava na internet que ele emagrecera bastante naquele último ano, e chegara até a ficar preocupado, mas agora pessoalmente era menos chocante: o corpo dele estava bonito e proporcional, apesar de que Leandro achava que antes de perder aquele peso, Valentim estava melhor. Afinal, ele nunca fora gordo. De toda forma, podia ver os ossos da clavícula do amigo bem marcados, e os braços finos elegantes, mas no geral ele continuava o mesmo de sempre.

Resumindo, Valentim tinha um físico fofo e extremamente carismático. Só a cara dele já inspirava certa confiança, e fazia as pessoas se aproximarem.

Leandro acenou pro amigo quando o mesmo conseguiu pegar suas malas, e percebeu que fora notado ao receber o sorriso torto de Valentim. O baixinho se encaminhou na direção dele, com uma mala azul cuja alça ele atravessara no peito, presa no ombro, e uma mala de rodinhas da mesma cor que puxava atrás dele. Pra alguém que só ia viajar uma hora e meia de ônibus, ele estava muito bem arrumado: uma camiseta de mangas longas marrom com uma gola em “v” muito bonita, jeans justos em um tom acizentado, e um sapatênis preto de couro. Caía bem no corpo dele, e conforme se aproximava, Lê reconheceu a familiar covinha na bochecha direita do menor, que era um charme a mais.

“Tesouro!” Valentim cumprimentou em tom animado, ainda do outro lado da catraca de desembarque, com a voz grave e melódica quase gritando, fazendo as pessoas olharem para ele. Leandro sorriu ao ouvir aquele apelido carinhoso criado pelo baixinho anos atrás, sem se importar muito que ele fosse um pouco espalhafatoso. Ele sempre fora daquele jeito, Leandro não se importava. Apenas o recepcionou, abrindo os braços quando viu o pequeno passar da catraca.

“E aí meu Leão!” Avançou para abraçar o amigo, mas Valentim fez um sinal com a mão para ele esperar, enquanto tirava a mala do ombro e colocava no chão.

“Pronto, agora sim.” Ele então abriu os braços, com um sorriso, e Leandro abraçou o amigo com carinho, sentindo os braços do menor apertá-lo da forma que podiam.

Uma sensação boa encheu o peito de Leandro com o contato. Afinal, Valentim era uma das pessoas mais importantes da vida dele, e eles estavam há muito tempo sem se ver. Reencontrá-lo o fazia muito feliz, e ver que ele não mudara o jeito carinhoso também deixava o maior feliz.

“Como foi sua viagem?” Perguntou, sem soltá-lo, sentindo o cheiro do perfume adocicado que o rapaz usava que era característico dele. Leandro percebeu que o outro mal batia no seu peito, e sorriu com o fato, enquanto pressionava o rosto do mesmo contra seu peito.

“Foi boa, confortável.” Val respondeu baixinho, a voz grave saindo com um pouco de esforço graças ao abraço do outro. “Esperou muito?” Emendou a pergunta no mesmo tom.

“Não, acabei de chegar.” Leandro intensificou o aperto em torno do amigo que soltou um gemido baixinho, ainda retribuindo o abraço.

“Ah, que bom.” Valentim finalmente afrouxou os braços em torno do outro. “Agora vamos, me larga, tô ficando sem ar.” Reclamou, dando tapinhas leves com as mãos nos braços do amigo, fazendo Leandro rir enquanto o soltava. O maior encarou o amigo mais uma vez, vendo que Valentim ficara meio avermelhado, talvez por ser sido apertado. “Obrigado por vir me buscar.” ele agradeceu, ajeitando a camisa no corpo.

“Não é nada. Eu estava com saudades também.” Explicou, enquanto observava o amigo pegando as malas do chão.

“Carregue isso pra mim vai, você que é fortão.” Val pediu, após acenar com a cabeça em sinal de que havia escutado o que ele dissera, estendendo a mala de alça azul para Leandro, que a pegou sem problemas, sem nem achar pesado. “Por favor.” O pequeno emendou no final, com um sorrisinho de quem sabia que tinha esquecido algo. Leandro apenas riu, enquanto o amigo pegava na alça da mala de rodinhas. “Vamos lá fora pra fumar um cigarrinho?” Pediu por fim, começando a caminhar. Lê jogou a alça da mala no ombro e concordou.

“Vamos no estacionamento.” Ele  sugeriu, e o amigo concordou com a cabeça. “A gente vai parar num lugar pra por o assunto em dia né?” Questionou, e Valentim deu um risinho.

“E tomar uma cerveja? Claro.” O amigo concordou, olhando para ele de canto, de forma divertida. Leandro sorriu.

“Olha lá, eu não posso beber muito que eu vou dirigir.” Comentou, e Valentim voltou o olhar para o caminho. Para sair da área do desembarque para o estacionamento eles precisavam subir uma grande escada rolante, e seguiam na direção dela.

“Eu confio nas suas habilidades de condutor, Tesouro.” Val provocou, com sarcasmo, e Leandro apenas balançou a cabeça. Valentim Boyarsky era daquele jeito: um poço de sarcasmo e língua afiada que provocava muitas risadas, mas também era um pouco intimidador para pessoas que não sabiam lidar com aquilo.

Rapidamente eles chegaram às escadas rolantes, e Valentim foi na frente do amigo, ficando um degrau acima do mesmo. Se virou, parado no degrau enquanto subia, e encarou Leandro com um sorriso divertido.

“Olha, eu estou do seu… “O garoto parou, estreitando os olhos e olhando um pouquinho para cima, para os olhos de Leandro. “Ah, droga. Achei que eu estava do seu tamanho, mas estou quase do seu tamanho.” Reclamou com a expressão emburrada, colocando a mão no ombro do amigo para se apoiar e ficar na ponta dos pés. “Ahá! Agora sim. Estou do seu tamanho.” Brincou, fazendo Leandro sorrir.

“Com muito esforço.” Retrucou, e o menor fez uma careta, saindo da ponta dos pés. Deu uma apertada carinhosa no ombro do amigo, com leveza, e fez uma expressão interessada.

“Não tem graça, é injusto.” Ele fez uma careta, mas voltou à expressão interessada em seguida. “Você anda fazendo academia? Deu uma encorpada.” Voltou a apertar o braço do amigo, descendo pro bíceps. Leandro deu um sorriso torto, tentando imitar o sorriso debochado do amigo.

“Sim. Mas só pra dar uma definida, entrei mês passado. Acho que é mais pelo trabalho pesado mesmo que eu tô crescendo.” Explicou, e então Valentim se virou, sendo que eles estavam chegando no final da escada rolante. Desceram no andar térreo e viraram à direita, já dando de cara com a saída para o estacionamento.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                

“Vai virar um bombadão.” Val continuou, em tom de piada, enquanto eles saíam da rodoviária. A noite estava fresca e agradável, e uma brisa gostosa os recepcionou quando eles chegaram ao estacionamento. O pequeno, assim que estava fora do prédio parou e começou a mexer nos bolsos da calça, puxando um maço de cigarros e um isqueiro de plástico cor de rosa.

“Argh, esses caretas.” Leandro comentou, enquanto aceitava um cigarro do amigo. Não era tão viciado em fumar: um cigarro de palha, que ele costumava chamar de “palheiros” cedo, um na hora do almoço, e um após o jantar eram o suficiente para ele. Os “caretas”, que eram os cigarros industrializados ele nem gostava muito. Mas fumava de vez em quando, e não ia negar o de Valentim.

“Não reclama.” Val comentou, com o cigarro em lábios, levando o isqueiro para a ponta dele e acendendo-o e lançando fumaça para cima. Leandro acendeu sua própria unidade em seguida e devolveu o isqueiro rosa pro amigo. “Ah, que beleza.” Valentim suspirou quando soltou a fumaça do segundo trago pro alto, passando a mão pelos cabelos lisos, e dando um sorriso tranquilo enquanto olhava pro céu.

Olhando assim, Leandro percebia que Valentim era realmente uma criatura… Encantadora.

“Você emagreceu.” Comentou, querendo mostrar que também reparara no amigo. esticando a mão que não segurava o cigarro para pegar na cintura do amigo com leveza. Não sentia nenhum sinal de dobrinhas de gordura, e assim que colocou a mão sentiu o osso do quadril do amigo.

“Cigarros, estresse, e algumas diarréias. Esse foi meu segredo.” O menor deu uma piscada, fazendo Leandro rir, enquanto se livrava delicadamente do toque dele e ficava de lado, esticando o tecido da camisa sobre a barriga pra mostrar que estava sem gordura aparente. “Olha, tô chapadinho.”

“Não sei, parece que você está quase doente.” Comentou, com sinceridade. Ele não estava feio, mas estava bem magro mesmo. “Quanto você emagreceu?”

“10kg em três meses.” O baixinho deu uma piscada, como se estivesse muito orgulhoso do feito. “Ora vamos, faz uns cinco anos que eu não peso menos de 60kg!” Reclamou quando Leandro fez uma careta,

“Eu prefiro você um pouco mais robusto.” Argumentou, e Valentim revirou os olhos.

“Você, Tesouro, não tem que preferir nada, tem que me achar lindo do jeito que eu sou.” Comentou com um sorriso, apontando com o cigarro pra ele. Leandro apenas riu, balançando a cabeça. “Falando nisso, agora que você está ficando gostoso, e as namoradinhas?” Questionou em tom sarcástico, fazendo o maior torcer o rosto.

“Obviamente que eu, lindo como sou, inteligente, bem apessoado, simpático e gentil, estou completamente solteiro.” Respondeu, revirando os olhos em seguida. Não devia fazer nem uma semana que eles falaram sobre aquilo, mas sempre acabavam voltando naquele assunto, sobre vida amorosa.

“E a Fernanda?” Valentim perguntou, tragando o cigarro, e Leandro aumentou mais ainda a careta.

“Pelo amor de Deus, você sabe bem como a Fernanda é.” Retrucou, e levou o cigarro aos lábios novamente, sem querer falar mais disso.

“Se te consola, eu também estou na mesma.” O baixinho comentou, com a cabeça baixa.

“E o tal Marcelo? Do seu trabalho.” Questionou ao amigo, que apenas balançou a cabeça, com um risinho irônico, enquanto olhava distraído para o meio do estacionamento, como se estivesse pensando em algo.

“Olha bem pra mim e veja se eu lá tenho cara de quem vai ficar aturando o Príncipe Filé de Frango agora que eu voltei pra cá né?” Valentim bufou, e Leandro riu. Apesar do amigo não ter dificuldade nenhuma em recordar o nome das pessoas, dificilmente o baixinho falava de alguém usando o nome correto. Ele sempre inventava um apelido.

“Ele ficou muito chateado?” Leandro insistiu, querendo saber mais do assunto. Valentim não costumava entrar em muitos detalhes da vida amorosa com Leandro, talvez porque o maior era hetero, mas o amigo ficava curioso e não ligava nem um pouco pro pequeno ser gay. Sabia, pelo que Val contara, que o tal Vinícius era um rapaz que trabalhara com ele em São Paulo, e que apesar de quando eles se conheceram ter dito que era hetero, nos últimos meses se revelara bissexual e eles tiveram alguma coisa. Pela descrição feita por Valentim, o cara era aquele típico marombado de academia que só comia frango com batata doce e era meio chatão. Não se surpreendia que eles não tivessem avançado para nada mais.

“Quem não ficaria né, perder um homem como eu?” Brincou, rindo. “Não, claro que não.” Corrigiu-se em seguida. “A única coisa que aquele menino queria era alguém pra falar como ele era forte e alto e tinha bafo de frango. Não importava se era eu ou alguma outra coitada.”

“Ele era bonitão.” Lê tentou ser positivo, mas o pequeno apenas revirou os olhos.

“O que adianta, ter uma casca bonita e um miolo estragado?” Val retrucou, e então balançou a cabeça. “Enfim. Você vai arranjar alguém logo. Se quiser, claro.”

“Meus miolos não são estragados?” Leandro brincou com um sorriso, e o amigo deu um sorrisinho torto cheio de ironia.

“É, e a casca não está tão ruim assim.” Elogiou, e Leandro ergueu as sobrancelhas, surpreso. “Mas sem se achar ouviu, egomaníaco.” Apontou o cigarro pela metade pro maior, que apenas sorriu. Leandro sabia que não era tão bonito assim, mas ficava feliz com o elogio do amigo, afinal arrancar qualquer tipo de elogio de Val, principalmente sobre aparência física, era uma tarefa quase impossível.

“Vou guardar no fundo do meu coração que você disse que eu sou lindo maravilhoso, gostoso, e perfeito para casar.” Provocou, e Valentim confirmou com a cabeça, com um sorriso cínico nos lábios.

“Sim, igualzinho o Fabio Jr., que casou nove vezes, um homem perfeito pra casar.” O baixinho ironizou, revirando os olhos em seguida. “Corno.” Xingou por fim, rindo, e fazendo Leandro rir também.

A dupla tinha 16 anos quando Valentim assumiu sua homossexualidade para o amigo, mas Leandro sabia desde muito tempo. Não porque soubera de algo ou vira algo, mas sempre desconfiara, afinal eles eram muito unidos e não tinha como não perceber. Aquilo nunca atrapalhou a amizade dos dois, nem antes e nem depois de ele saber, mesmo o próprio Leandro sendo hetero. Claro, ele precisou enfrentar um ou dois de seus preconceitos enraizados em seu interior, mas pelo amigo foi fácil, e a amizade deles continuava sendo a maior que ele tivera e ainda tinha na vida.

Após conversarem e terminarem os cigarros, os dois amigos foram para o estacionamento em busca do carro de Leandro, enquanto planejavam onde eles iriam parar para beber e conversar.

“Uau. O Tesouromóvel está em ótimo estado né?” Valentim comentou enquanto dava a volta no carro, passando os dedos suavemente pela lataria. Leandro estreitou os olhos pro amigo enquanto colocava as malas do mesmo no porta-malas, analisando se ele estava sendo sarcástico ou não.

“Eu acho que vou trocar ele em um outro…” Comentou, lentamente, decidindo acreditar que era realmente um elogio. Seu Corsa prateado, apesar de não ser o carro mais atual e chique do mercado, longe disso, estava bem cuidado. “Isso foi sincero ou foi uma piada?” Acabou por questionar, enquanto batia a porta do porta-malas.

“Sincero!” O baixinho afirmou, com um risinho, enquanto olhava o interior do carro pela janela. “Tá bonitinho mesmo. Em comparação com o Coringa, tá ótimo.” Explicou, e Leandro soltou um risinho curto conforme ia para a porta do motorista.

“Eu queria saber se algum dia você vai conseguir não apelidar alguma coisa, Valentim.” Disse revirando os olhos enquanto abria a porta, e viu o amigo dar um enorme sorriso, abrindo a porta do passageiro do outro lado. Ambos entraram no veículo e se acomodaram nos bancos. “O Coringa, coitado. Nem sei que fim deu.” Respondeu enquanto passava o cinto de segurança através do peito, lembrando-se de seu primeiro carro, um Gol modelo 2000 que ganhara do pai quando tirara a carta, que era verde-limão e dava trabalho pra caramba. Valentim o apelidara de Coringa pela cor chamativa e costumava tirar muito sarro de Leandro quando andava no carro.

“É uma pena. Tenho boas memórias daquele carro.” O baixinho comentou com um sorriso, enquanto Leandro dava a partida. “Você sempre dirigiu bem né? Eu admiro isso.” Mudou o assunto repentinamente enquanto Leandro saía da vaga que ocupavam.

“Nossa, de todas as qualidades possíveis…” Leandro ironizou. “Você admira que eu dirijo bem.” Ele ergueu as sobrancelhas, olhando o caminho para a saída do estacionamento da rodoviária. Valentim riu ao lado dele.

“É porque é uma coisa que eu não tenho facilidade, ué.” Val respondeu honestamente.

“Não é verdade, você dirije super bem.” Leandro afirmou enquanto mudava a marcha e saía do estacionamento, indo para casa. “A verdade é que você não gosta de dirigir meu querido.” Comentou honestamente. Conhecia Valentim tempo o bastante pra saber como ele era.

“Ok. Eu admiro o fato de você gostar de dirigir.” Val corrigiu, e em seguida abriu um pouco da janela do carro, recebendo uma brisa fresca  no interior do mesmo. Leandro sorriu de canto, apenas grato pela presença tão agradável do amigo.

Eles mantiveram o silêncio por alguns minutos, enquanto Leandro seguia caminho quase que de forma automática, acostumado a ir da rodoviária para sua casa. Planejava parar no Tompa, um barzinho onde ele estava acostumado a ir, e onde Val também frequentava quando morava por ali, e que ficava no caminho para a casa do baixinho, então nem se preocupou muito.

“Como estão seus pais?” Valentim quebrou o silêncio após alguns minutos, e Leandro percebeu o tom incerto do amigo ao questionar. Sentiu certa empatia pelo menor, porque sabia que ao entrar naquele assunto, ele estava dando para Lê a liberdade de perguntar o mesmo depois.

“O mesmo de sempre.” Respondeu com simplicidade. “Minha mãe continua com a escola, boazinha, não reclama de nada… O Valmir continua sendo o mesmo também. Bem, é o Valmir, no fim das contas.” Explicou com simplicidade. Ouviu Valentim suspirar ao seu lado, e desviou o olhar da rua rapidamente por um momento, vendo o amigo encarando a janela do veículo como se estivesse distraído.

“Você e seu pai deviam tentar se acertar.” Comentou, e Leandro apenas balançou a cabeça negativamente, encarando o percurso. Tinha sérios problemas com o pai há anos, e eles não se davam bem. Já estava mais que acostumado com aquilo, e não tinha problema nenhum em dizer, a falta de boa convivência com o pai não o afetava em nada.

“Ele é um idiota.” Respondeu com simplicidade, sem se importar. “E os seus?” Perguntou de volta com certa delicadeza, e ouviu Val suspirar novamente, dessa vez de modo cansado.

Valentim não tinha a melhor das relações com os pais. Não era como com Leandro e o pai eram, que eles não se davam bem e não se falavam a não ser para discutirem e brigarem. No caso de Valentim e dos pais era algo mais semelhante a… Descaso, propriamente dito. A relação entre eles não era saudável, Val era muito distante da família, e o assunto era muito delicado, então Leandro já tinha certo receio em perguntar.

“O mesmo de sempre também.” Valentim respondeu em um tom neutro, como se estivesse entediado, após alguns segundos de silêncio. “Eles foram buscar minhas coisas em São Paulo, mesmo sabendo que eu ia vir de ônibus. Não me ofereceram carona, não se ofereceram pra me buscar… Enfim, eles são como são.” Respondeu, e pela primeira vez Leandro sentiu que o tom do amigo não era de piada, o que era muito raro. “Bem, eu não vou exigir nada deles. Eu estou aqui porque eles precisam de mim, mas não vou jogar isso na cara deles.” Encerrou o assunto, mudando o tom no final para um certo orgulho duro. Leandro apenas comprimiu os lábios, concordando com a fala do amigo. Não ia forçar Valentim a falar mais do que ele queria.

“Você é um cara legal, Passarinho.” Comentou sem saber exatamente o que dizer. O amigo realmente o era, pelo que estava fazendo para a família.

O pequeno moreno apenas deu um risinho desanimado, como se desprezasse, mas não de uma forma ofensiva, o elogio do amigo.

“Disse o cara que veio na rodoviária buscar o amigo viado e que não dá as caras há quase um ano.” Retrucou, em tom sincero. “Você que é o cara legal, Tesouro. Sempre foi.”

O elogio fez com que Leandro sorrisse, e um calor agradável se espalhasse por seu peito. Valentim, quando queria, conseguia ser muito fofinho. Na verdade, não quando queria, pelo contrário. Quando ele baixava a guarda, ele era bem fofinho.

“Vamos no Tompa.” Leandro apenas comentou, com um sorriso, sabendo que se falasse algo sobre o elogio do amigo, não seria tão fácil receber outro.

Viu com o canto do olho enquanto Valentim confirmava com a cabeça, e fuçava nos bolsos em busca do cigarro. Sorriu. Não costumava deixar ninguém fumar no seu carro, mas Val… Bem, ele nem conseguiria evitar que Valentim fumasse ali, então não disse nada.

Era um preço baixo a se pagar pela companhia do amigo, pensou com um sorriso tranquilo.



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