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História Sobre o Tempo e o Amor - Reforma


Escrita por: Bentossi

Capítulo 3 - Reforma


Valentim parou na porta de seu quarto e cruzou os braços, estreitando os olhos e analisando o cômodo por um momento. Suspirou alguns segundos depois, coçou o queixo com uma mão, e continuou a observar.

Quando chegara em sua casa na noite anterior, após mais de seis meses sem pisar em Altarial,  Valentim não estava com pique para mexer na sua mudança. Fora a um boteco com Leandro e chegara levemente bêbado e sonolento, então caiu direto na cama e não viu nada. Agora, após acordar e tomar café da manhã antes de qualquer outra pessoa de sua casa acordar, ele colocou as mãos a obra e tentou deixar o aposento que não frequentava mais do que esporadicamente desde os 15 anos com um toque mais… Seu. Porém, ainda estava faltando algo, e ele não conseguia descobrir.

Tirara os lençóis azuis da cama box de solteiro e trocara por um conjunto vinho de um tom mais sério, e também aproveitou para trocar as fronhas dos quatro travesseiros que trouxera de São Paulo. Arrumara suas roupas de forma organizada no seu velho armário de mogno, o qual tinha um certo charme retrô, e colocara alguns novos livros na estante que compraram em conjunto com o armário, muito tempo atrás. Junto com os livros clássicos e alguns nem tanto, também colocou alguns dos seus bibelôs, que eram uma de suas paixões: um pequeno dragão azul-esverdeado feito de gesso, uma imagem de Santa Catarina de Alexandria (ele não era nada religioso, mas achava os santos fascinantes), sua coleção de bonequinhos de anime e filmes de ação, a sua coruja de gesso que ele adorava, e as miniaturas de carro que ele guardava desde criança e devia ter uns 20. Na escrivania, alocara seu notebook e algumas canecas que também começara a colecionar algum tempo atrás, seis até o momento. Na parede de cor creme, acima da cama, o quadro que ele tinha desde os 12 anos continuava pendurado: um grande mapa do mundo desenhado à mão por algum cartógrafo dos anos 1800, o qual ele gostava muito. As outras paredes estavam vazias, e a de frente para a cama era de um verde escuro, que fora sua cor favorita no passado. Talvez ele pintasse o quarto futuramente…

Se conseguisse ficar naquela casa muito tempo.

Agora estava pensando. Queria colocar seus bichinhos de pelúcia em algum lugar, que eram sua coleção mais séria e querida. Certamente, era o que faltava para o quarto pelo menos parecer mais aconchegante. Mas onde ele colocaria as 26 pelúcias? Em seu apartamento em São Paulo, ele tinha um armário só para os bichinhos, que ficavam organizados nas prateleiras, mas ali ele não tinha espaço para outro armário. Por serem pequenos (ele não era fã de pelúcias gigantescas), os bichinhos não ocupariam tanto espaço assim, mas naquele quarto não tinha mais lugar.

Bufou, irritado, vendo o grande saco plástico ao lado da porta, com os bichinhos ali dentro. Não conseguia pensar em nada! Onde seus xodózinhos iam ficar?

Então, ele teve uma ideia. Olhou para o relógio em seu pulso, vendo que eram 9:30 da manhã. Logo seus pais e seu irmão acordariam, então ele decidiu ir atrás de realizar aquele plano, porque além de não precisar ver a cara deles, poderia finalmente colocar seus bichinhos organizados de uma forma bacana em seu quarto.

A única porcaria, era que ele ia precisar dirigir, o que ele não gostava muito, mas… Na falta de opção, fazia. Podia até pedir para Leandro, mas o amigo devia estar cansado e dormindo ainda, e ele não queria abusar também. Só Valentim era estúpido o bastante para acordar às 6hrs da manhã em um sábado de folga.

Logo, ele pegou sua carteira, se olhou no espelho pendurado atrás da porta do quarto para ver se estava apresentável para dar as caras na rua, pegou seu celular e foi para o corredor do segundo andar. Seu quarto era exatamente entre o quarto dos pais, que era o maior, e o do irmão, então ele tentou não fazer barulhos para não acordar nenhum dos três indivíduos.

Infelizmente… Percebeu que era tarde demais quando encostou a porta do seu quarto, e ouviu outra porta se abrindo no corredor, à sua direita.

“Já acordado?!” A voz séria chamou o jovem, que apenas suspirou, fechando os olhos por um breve segundo, pedindo paciência às forças superiores. Já começava assim. Nenhum bom dia, nenhum olá ou qualquer cumprimento mais simpático.

“Bom dia.” Respondeu com um sorriso irônico, virando-se para ver a mãe encostando a porta do quarto atrás de si, e achando que aquela resposta não chegava a ser mal educada.

Sônia pareceu pensar se aquela tom de resposta era ou não ofensivo, mas pareceu aceitar que não era.

“Você… Chegou bem ontem?” A mulher perguntou, em tom duro e levemente sem jeito. Val segurou um riso debochado, apenas anuindo com a cabeça e olhando a mãe.

“Sim, foi bem tranquilo. Estou saindo, até mais tarde.” Avisou de forma direta, buscando evitar uma conversa desconfortável. Infelizmente… Era sua mãe. Não era tão fácil se livrar dela.

“Você volta pro almoço?” Ela perguntou novamente, e o pequeno deu de ombros.

“Talvez. Não se preocupe, qualquer coisa eu faço algo pra eu almoçar.” Valentim respondeu e começou a seguir pelo corredor, em direção as escadas que dariam acesso à sua liberdade.

“Eu deixo alguma coisa pra você. Qualquer coisa, fica pro jantar se você não voltar.” A voz dura da mulher retrucou, e o garoto não conseguiu se segurar, parando no final do corredor e virando para a mãe com um sorriso irônico.

Definitivamente, Valentim se assemelhava mais à mãe que ao pai, no aspecto físico. Eles tinham quase a mesma altura, compartilhavam o tom moreno da pele, os olhos e cabelos escuros, e alguns traços na face eram muito parecidos. O rapaz achava que aquela aparência caía bem à mãe, melhor que nele mesmo: Sônia era esbelta, graciosa, e mantinha uma bela silhueta para seus 45 anos de idade, mantendo os ares de bailarina clássica aposentada. Mesmo com seu robe cor de vinho, ela ainda emitia uma aura de elegância extraordinária, a feição solene como se ela estivesse em um altar, e aspecto de seriedade que lhe garantira sua pequena fama no balé clássico. Os cabelos lisos e sedosos, pretos, estavam presos em um coque, mas se estivessem soltos desceriam até o meio de suas costas.

“Oh, que maternal da sua parte, não deixar o filho morrer de fome.” Retrucou com um tom de ironia divertida, e começou a descer as escadas antes que a mãe tivesse alguma resposta para dar. Viu com o canto dos olhos enquanto a mulher balançava a cabeça, parecendo cansada, mas não se importou. Ela merecia aquele tipo de resposta, por ser tão chata.

Após descer as escadas de granito preto, o garoto se viu na sala de estar, e foi direto para a cozinha, onde ficava o porta-chaves de casa, ao lado da porta dos fundos. Após procurar vagamente entre as dezenas de chaves penduradas, encontrou o chaveiro metálico em forma de tartaruga que adornava a chave do seu carro, e em seguida pegou suas chaves da casa, seguindo para a porta da frente, sabendo que seu carro estaria, como sempre, estacionado na rua, embaixo do ipê branco que ficava a alguns metros do portão de sua casa. Como ele quase não andava no veículo, e ficara tanto tempo em São Paulo, seu pai deixava o carro ali e às vezes saía pra andar com ele, para não perder a bateria.

E ele estava correto, assim que saiu pelos portões da casa, deu de cara com a árvore frondosa próxima de casa, e viu seu carro embaixo dela. Deu um sorriso, singelo, enquanto trancava os portões de casa e seguia na direção da árvore.

Val não era o maior fã de veículos, no geral. Não era de dar muita atenção, ou colocar carros e motos como prioridades da sua vida, não gostava de dirigir... mas pra ser sincero, ele achava bem legal ‘ter um carro’ e ‘ter uma moto’ bacanas. Não importava pra ele, mas ele não deixava de achar legal quem tinha, e quem gostava desse tipo de bem.

No caso dele, seu Fiat Uno Mille, azul marinho e modelo 2010 estava de bom tamanho. Quando ele tirou a carta, três anos atrás, ele estava em boas condições financeiras e comprou seu carro dos sonhos da época, um Nissan March. Mas pouco depois, como mudaria para São Paulo, acabou vendendo o carro e comprando aquela caixa de fósforo mesmo, e não se arrependia nem um pouco. O bom e velho carrinho popular nunca o deixara na mão, e o dinheiro extra da venda do Nissan foi bem gasto.

“Vamos lá, Fiat Lux, vamos ver se você está bom ainda.” O moreno sussurrou sozinho, dando um tapinha na lataria da porta do carro, e tirando algumas folhas caídas sobre o pára-brisa, fazendo referência à marca de fósforos ‘Fiat Lux’. Em seguida abriu a porta do carro e entrou no banco do motorista, olhando em volta e vendo que estava tudo organizado e bem limpo. Suspirou, ajeitando o banco e os espelho do carro, e então passou o cinto de segurança pelo corpo, respirou fundo, e deu partida no veículo. Colocou uma música para tocar no rádio, e então saiu com o carro a caminho do seu objetivo.

Ele realmente não gostava de dirigir, se pudesse evitar.

-

“Ah, são exatamente o que eu preciso.” Valentim deu um sorriso para o atendente da loja de materiais de construção e decoração onde parara, uma das maiores da região. Afinal, se ele precisava de algum lugar para colocar seus bichinhos de pelúcia, nada melhor que uma prateleira! E ali era o lugar onde poderia encontrar aquilo mais facilmente, então ele logo parou o Uno no estacionamento e foi passear pelos corredores, até achar um atendente que pudesse lhe ajudar a achar uma prateleira cor de mogno que combinasse com o seu quarto.

“Bom, nós podemos mandar um montador para instalar elas pra você na segunda-feira. Mas tem um custo adicional.” O atendente, um jovem moreno até que bonitinho, apontava para as prateleiras do mostruário presas nas paredes. Val calculou que precisaria de duas daquelas para caber todos seus bichinhos.

“Hum…” O baixinho mordeu o interior da boca, pensativo por um momento. Ele queria arrumar seu quarto e suas coisas logo, então não sabia se ia querer esperar até segunda-feira. Mas ele obviamente não ia colocar aquelas coisas na parede. Tinha uma boa ideia de como fazia, mas ele não tinha nem altura para conseguir colocar as prateleiras como queria sem uma bela escada ou banquinho, e não estava nem um pouco a fim de fazer aquele serviço. Pedir para o pai estava fora de cogitação também… Talvez seu irmão, mas não sabia se o Luiz ia saber fazer direito aquilo… “Oh, só um momento.” Ele ergueu um dedo para o atendente, sentindo o celular tocar no bolso, e se virando para atender.

Quando puxou o aparelho, viu o rosto de Leandro sorrindo para ele com uma garrafa de cerveja em mãos na tela do celular. Deu um risinho ao lembrar daquela foto e atendeu o amigo, dando alguns passos para longe do atendente.

“Oi-oi!” Valentim atendeu animado, da forma que estava acostumado a fazer.

“Bom dia Leãozinho!” A voz grave de Leandro estava animada, e fez Val abrir mais o sorriso. “Dormiu bem? O que você está fazendo?”

“Ah, sim. Eu estava meio bêbado né, capotei. Ai dei uma arrumada nas minhas coisas, e agora eu vim na Tarca sabe?” O baixinho respondeu.

“Ué, a loja de construção?” Leandro pareceu surpreso, mas nem esperou o outro responder. “Fazer o quê? Foi com seus pais?”

Valentim suspirou, com aquele monte de perguntas de uma vez. Leandro era muito parecido com uma criança de três anos de idade às vezes.

“Sim, a loja de construção. Eu precisava comprar prateleiras pro meu quarto, mas eu vim sozinho.” Explicou.

“Ah, entendi. E depois, quer fazer alguma coisa?” O amigo questionou, e Valentim deu um sorriso torto, tendo uma ideia minusciosa.

“Bem, eu ia te pedir pra me ajudar né, a instalar.” O garoto deixou a voz um tom mais provocativa que o normal. “Sabe, um cara forte, alto…” Brincou, aumentando o sorriso enquanto dava passos perdidos pelo corredor, uma mania sua de quando falava no telefone.

“Você esqueceu de dizer lindo.” Leandro provocou do outro lado, e Valentim revirou os olhos.

“Mas nós estamos falando de você né, Tesouro.” Retrucou, rindo, ouvindo o colega gargalhar do outro lado.

“Tudo bem, que horas? Preciso separar meu macacão de montador pra poder ir igual naqueles filmes pornôs sabe…”

“Não sei não, eu não vejo essas coisas.” Valentim retrucou com um sorriso. “Mas sério, você vai mesmo? Eu já vou indo pra casa então, 30min eu chego.”

“Pode contar comigo, comandante Valentim.” A resposta final veio em tom sério, fazendo o outro rir.

“Você é mesmo um tesouro, não é Leandro?” Disse por fim, em tom doce. “Te vejo daqui a pouco então.” Despediu-se, desligando o celular em seguida após Leandro também se despedir.

O moreno sorriu. Agora então, podia resolver aquilo no próprio dia, e ainda ia ver o seu melhor amigo, o que o deixava feliz. Então virou nos calcanhares, com um enorme sorriso, e caminhou de volta em direção ao seu atendente, que o esperava no mesmo lugar.

“Bem, se eu quiser levar duas delas agora, você consegue colocar no carro pra mim?” Valentim sorriu pro rapaz, usando o tom mais simpático e fofo que usava para pedir as coisas para os outros.

“Ah? Ah sim, claro!” O garoto pareceu um pouco sem saber o que dizer. “Eu vou pegar no estoque e levo pra você no caixa, um minuto.”

“Obrigado querido, você é muito prestativo.” Valentim deu um sorriso meigo, dando um tapinha no ombro do garoto e uma piscadinha amigável, fazendo o atendente dar um risinho sem jeito antes de lhe dar as costas e ir pros fundos da loja, lançando uma olhada para trás após alguns metros e fazendo Val rir.

Aproveitou o tempo para ir pensando. Em que ordem colocaria seus bichinhos de pelúcia nas prateleiras?

-

Assim que virou na sua rua, Valentim, viu o carro de Leandro parado perto do portão, e o mesmo encostado na lateral do veículo, com um cigarro de palha em mãos, e olhando para o nada. Sorriu ao reconhecer o amigo, e parou o Uno embaixo do Ipê novamente, desligando o veículo. Leandro, que já o vira, chegou até a porta dele antes que Valentim descesse do carro, e o esperou sair.

“Oi Tesouro.” Valentim desceu do carro, alongando o ‘ou’ da palavra ao cumprimentar o amigo, enquanto o observava de cima a baixo e encostava a porta do Uno.

“E aí Leão.” Leandro respondeu, abrindo os braços para abraçar o menor. Os dois se abraçaram rapidamente, Valentim tendo que ficar na ponta dos pés mesmo que o amigo se abaixasse um pouco. Leandro estava usando algum tipo de perfume fresco, do qual Val não se recordava, mas que era bem gostoso. “Como está sendo seu primeiro dia? Seus pais estão tranquilos?” Perguntou ao se separarem, e Valentim revirou os olhos.

“Nem falei com eles ainda. Bom, falei pouco na verdade, só vi minha mãe.” O baixinho deu de ombros, puxando seu maço de cigarros do bolso e acendendo uma unidade. “Obrigado por vir me ajudar.”

Leandro deu um sorriso de superioridade, enchendo o peito e sorrindo, como uma criança feliz de ser elogiada.

“Ó senhor homossexual, é um prazer usar minhas habilidades de peão para ajudá-lo” Comentou, com a voz forçada em um tom pomposo e grave, fazendo Valentim rir, cuspindo fumaça do cigarro pro ar. Ele se recuperou após a palhaçada, e encarou o amigo.

Valentim nunca soube dizer se Leandro realmente era um cara lindo como ele achava, ou se na verdade ele gostava tanto do amigo, que acabava achando-o mais bonito do que ele era. Mas era difícil questionar, vendo o colega ali, que ele era atraente: o moreno era alto, com 1,86m de altura, olhos castanhos calorosos, cabelos da mesma cor curtos e quase sempre sem pentear, e a pele branca que sempre acabava ficando vermelha com facilidade. Sempre tivera um corpo meio definido, porque fazia artes marciais e outras atividades físicas, mas desde a última vez que Val o vira, conseguira criar uma certa massa e agora tinha bícipes que chamavam a atenção, ombros e o peitoral largo que, pelos abraços que dera no amigo, sentira estarem bem firmes, e até a bunda do mais alto parecia mais redonda. Mas o que Valentim sempre achara mais bonito, era o sorriso do rapaz, desde sempre, que lhe davam um ar de juventude e simpatia inacreditáveis.

Definitivamente, ele era bem gato. Se eles não fossem melhores amigos, e Leandro não fosse hetero, Val certamente ia acabar tendo uma quedinha no rapaz. Mas eles eram amigos demais pra ele imaginar tal coisa, e ele já passara da fase de se apaixonar por heteros, o que só causava sofrimento. Não, Leandro era como um irmão para ele, então qualquer outra coisa nunca nem passou pela cabeça de Valentim. E ele sabia que na cabeça do amigo era a mesma coisa.

“Por favor, meu príncipe peão, então vamos.” Retrucou de forma pomposa, seguindo a brincadeira, e Leandro riu. Os dois terminaram os cigarros entre mais risadas antes de Leandro pegar as prateleiras no carro de Valentim e depois passar no seu próprio para pegar a caixa de ferramentas e a furadeira, as quais Val ajudou a levar para sua casa.

“Não leve muito a sério o que eles falarem.” Valentim sussurrou conforme abria o portão, de forma meio distraída, e eles entravam na área de sua casa. Um dos carros dos pais estava na garagem, e Leandro estava olhando pra ele, distraído. “Entendeu, Tesouro?” Val chamou o amigo pelo apelido que inventara há muito tempo,e  o outro apenas anuiu com a cabeça.

“Tudo bem.” Respondeu, com um sorriso tranquilo para o baixinho, antes de eles seguirem para a porta da frente.

Valentim apenas sorriu e abriu a porta quando chegaram, entrando na sala de estar, ouvindo o som da televisão lá dentro. Quando observou, viu apenas o irmão, deitado no sofá com a expressão entediada e assistindo a televisão com um olhar vazio. Aquela era uma cena que não mudava.

“Oi Teco…” Valentim cumprimentou o irmão com tom amigável, e o irmão se revirou, deitado, para vê-lo. “O Leandro tá comigo.” Já explicou, com o amigo aparecendo ao seu lado.

“Oi Tico. Oi Lê.” O garoto acenou, sem fazer menção de levantar, com a expressão ainda neutra. Valentim precisou segurar-se para não se irritar com aquela preguiça toda. Provavelmente o coração do irmão um dia iria parar de tanta preguiça que o mesmo tinha. “Você chegou bem da viagem?” O irmão tentou soar interessado, mas provavelmente não via a hora de ficar sozinho novamente e não precisar gastar energias falando.

“Estou inteiro não estou?” Val piscou pro irmão, e então seguiu em direção as escadas. “Vamos no meu quarto.”

“Tchau…” Luiz soltou, desanimado, e Val revirou os olhos, sendo seguido por Leandro enquanto eles subiam os degraus.

“Uau…” Lê sussurrou conforme eles chegavam no segundo andar. “Seu irmão está a um passo de um entrar em coma não é mesmo?” Brincou, e o menor apenas fez um gesto de negação com a cabeça.

“Ele é péssimo. Acho que tem mofo nas costas dele, de tanto que ele fica deitado no mesmo lugar.” Respondeu, abrindo a porta do seu quarto. “Pelo visto meus pais saíram, devem ter ido buscar algo pro almoço.”

“Olha, ficou bem legal hein Tico.” Leandro provocou, conforme entrava no quarto e colocava as coisas no chão, olhando em volta o recém reorgazinado quarto de Valentim. Usou o apelido que Luiz o chamava desde criança, para mostrar que não deixara passar despercebido. Val apenas revirou os olhos, encostando a porta atrás dele e passando a chave.

“Vai ficar melhor quando os meus bichinhos estiverem nessas prateleiras lindas que você tão gentilmente trouxe pra mim.” Valentim avisou, indo tirar o saco cheio de pelúcias que estava no meio do quarto.

“Seus velhos não estão em casa?” O amigo lançou um olhar rápido para a porta trancada, colocando as mãos na cintura, com as sobrancelhas unidas. Valentim sorriu ao ver aquela postura tão charmosa no garoto que era tão desajeitado.

“Devem estar no instituto.” Comentou, dando de ombros. Provavelmente, era a verdade, afinal era sábado ainda, eles deviam ter algumas aulas programadas.

“Ah, isso é bom. Eu nem lembrei deles, vim todo mulambento.” Leandro comentou, passando as mãos pela camisa e bermuda, fazendo Valentim revirar os olhos novamente.

“Grande coisa. Você por um acaso vai me levar em um baile ou colocar uma prateleira na parede?” O baixinho fechou a cara, encarando o mais alto com cara de tédio. Leandro realmente estava bem… Despojado, por assim dizer, com uma bermuda jeans larga, uma camiseta branca sem nenhum detalhe com gola em ‘V’, e os chinelos da mesma cor. Não estava feio, só que eram roupas bem básicas, de ficar em casa ou ir num churrasco. Só que Leandro era daquele jeito, bem largado, e Valentim já se acostumara, e ele achava que até tinha um certo tipo de charme naquele desinteresse com as aparências.

“Você é tão gentil né?” O mais alto ironizou em resposta, com uma careta. “Bom, vamos lá Leão. Onde você quer colocar essas prateleiras?”

Valentim gastou alguns minutos explicando para o amigo como queria colocar as prateleiras ali no quarto, e quando teve certeza que o mesmo entendera, providenciou as coisas que o amigo ainda precisava para realizar a tarefa: uma caneta e um banquinho, para chegar na altura certa e instalar as prateleiras: uma sobre a mesa dele, ao lado da estante de livros, a outra sobre a cama. Em seguida, o amigo se pôs a trabalhar, e o baixinho ficou a disposição para ajudar como podia, enquanto eles conversavam sobre bobagens.

“Bom, então tudo isso é pra você colocar os bichinhos de pelúcia que você coleciona? Onde eles ficavam antigamente?” Leandro comentou, com a furadeira em mãos, no alto do seu banquinho, preparando-se para realizar o primeiro furo na parede, após algumas medições com uma trena.

“Sim, eles…” O menor começou, mas parou ao ver o amigo fechar um dos olhos, encostar a broca na parede e colocar a língua pra fora, como sempre fazia quando estava muito concentrado. Fechou os olhos com o barulho da furadeira, querendo xingar o amigo por ele fazer perguntas e interromper ele em seguida com aquela barulheira, mas sabendo que ele não o fizera de propósito. “Eu tinha uma outra estante aqui igual a de livros, mas aí levei ela pra São Paulo com os bichinhos. Mas acabei deixando ela lá depois.” Explicou, abrindo a enorme sacola com seus bichinhos, e enfiando a mão para puxá-los lá de dentro, querendo aproveitar o tempo e pensar em como colocaria eles nas prateleiras.

“Você sempre gostou disso né?” Leandro sorriu nostálgico para o amigo, baixando a furadeira e lançando um olhar para o mesmo. “Lembra que você tinha um na mochila, na quinta série ainda?”

Valentim riu, tirando o primeiro bichinho: um sapinho de pelúcia quase do tamanho do seu tórax, com braços e pernas longas. Não resistiu e deu um abraço no bichinho: ele amava tanto aquelas coisas fofinhas, que não tinha maiores explicações pra aquela coleção.

“Lembro, eu ainda tenho ela em algum lugar.” Comentou, colocando o sapinho sobre a cama. Leandro deu um riso nasalado, e voltou a fazer outro furo na parede, antes de retomar o assunto, enquanto Valentim já tirara alguns bichinhos da sacola.

“Eu te dei esse!” O maior em cima do banco comentou ao ver o amigo que passava a mão em uma pelúcia de Pikachu que tinha em mãos.

“Ai eu amo esse.” Valentim afinou a voz, num tom mais infantil enquanto abraçava o bichinho, e Leandro riu novamente.

“Quem não te conhece direito, nunca diria que aquele Leão bravo e briguento vira uma menininha de 4 anos de idade com alguns bichinhos de pelúcia.” Provocou, recebendo uma careta do menor que ainda abraçava o bichinho.

“Você não tem paredes pra furar não Leandro?” Retrucou, arrancando mais risos do outro, que voltou ao trabalho.

A instalação não demorou muito, e Valentim apenas podia admirar o quanto Leandro era gentil naquele meio tempo, e rir com as diversas provocações que eles trocaram. Quando tudo acabou e o maior arrumou as ferramentas na maleta que trouxera, Leandro se colocou ao lado do amigo no centro do quarto, olhando seu trabalho, levemente ofegante.

“Bom… Já posso casar né?” Leandro virou para Valentim, passando um punho fechado pela testa suada. Val revirou os olhos.

“Claro, eu tenho certeza que o essencial para um bom marido é instalar prateleiras pré-montadas compradas em lojas de departamento.” O baixinho deu um soco de leve no peito do outro, com um sorriso sarcástico. “Obrigado, Tesouro.” Agradeceu por fim, e o amigo retribuiu o soco amigável em seu ombro.

“Não há de que. Pode contar comigo.” O mais alto piscou pro amigo, fazendo Valentim balançar a cabeça com um sorriso.

Amigos como o Leandro eram realmente, tesouros.

“Vamos almoçar. Eu pago, como agradecimento.” Respondeu por fim, indo na direção de sua escrivaninha para pegar as chaves de sua casa e sua carteira. Era bom ele sair antes dos pais chegarem, e ainda queria voltar mais tarde para arrumar os bichinhos. Afinal, esse era provavelmente seu último dia tranquilo. Amanhã precisaria conversar com os pais e decidir como seria seu retorno à velha vida em Altarial.

“Bom, isso é alguma coisa.” Leandro respondeu, enquanto pegava suas coisas no chão. “O certo era você me fazer almoço com essas mãozinhas de fada né, porque eu coloquei suas estantes à mão.”

“A única coisa que eu faria com essas mãozinhas pra você, seria te enforcar.” Valentim ironizou, estreitando os olhos enquanto eles saíam do quarto.

“Ou pode usar essas mãos pra fazer outras coisas…” Leandro virou para ele no corredor, com um tom de malícia e um sorriso sugestivo. Valentim apenas suspirou.

“Não. Só te enforcar mesmo, palhaço.” Retrucou, fazendo o outro rir.

Quanta maturidade.



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