História Sonhos Lúcidos - Você não pode revê-lo

A viagem que o garoto faria era tudo, menos convencional; um desespero palpável podia ser notado pela forma como o moreno piscava os olhos de modo frenético, ele estava no meio de mais uma crise. A depressão fazia de Yoongi um ser melancólico e nenhum pouco sociável, e estar no meio de um daqueles surtos frequentes só denunciava que mesmo que tentasse, nunca conseguiria fugir, porque aquilo estava em sua essência naturalmente quebradiça. Já havia tentado de tudo, mas superar e aceitar a morte era a parte mais difícil, porque céus, uma parte de si havia ido junto com Jeongguk naquela banheira, uma parte de si havia o deixado e as lembranças eram as marcas avermelhadas no porcelanato frio. E para Yoongi, aceitar que ele jamais voltaria era ainda pior, porque não conseguia imaginar que a partir dali suas noites seriam ainda mais solitárias, os únicos companheiros sendo maços de cigarro e antidepressivos comprados sem receita pelo próprio Jeon.

Sabia sim que o namorado sofreu bem mais do que si mesmo, seguindo a lógica freudiana a raiz do problema alheio estava nos traumas da infância, os abusos, o abandono, mas no fundo ainda acreditava que o moreno poderia melhorar seu quadro irreversível; mas a quem queria enganar, agora, mais do que ninguém, sabia que a possibilidade de melhorar era remota, e que nem toda vontade do mundo o faria melhorar.

Aquela sessão era talvez sua quinta tentativa de fuga da realidade, uma que não envolvesse mais um coquetel de remédios, e que o fizesse se sentir minimamente melhor.

Yoongi estava deitado em sua cama, os músculos aos poucos relaxavam e seu corpo entrava no estado classificado como sono REM, aquele em que talvez poderia obter sucesso, desde que tivesse muita concentração.

Seu objetivo era um sonho lúcido, e mesmo que isso soe como algo extremamente triste, ele precisava de um último contato com o homem que tanto amou, mesmo que através de sua imaginação, mesmo que não fosse real. Já não aguentava mais viver com os fragmentos do mais novo, sua mente começaria a pregar peças em si mesmo dali a algum tempo, caso sucumbisse de vez a tristeza, como Jeon sucumbiu. E por mais que Yoongi não desejasse outra coisa no momento, ainda não podia, como um eletromagnetismo que o prendia na terra.

Por um breve lapso de tempo conseguiu visualizar o corpo do mais novo, mas não aquele que velou e enterrou meses atrás, e sim o de um Jeon jovem e cheio de vida que talvez nunca tenha existido; era a maior fantasia de Yoongi, vê-lo saudável e minimamente feliz, proporcionar uma paz a qual Jeon nunca teve acesso.

Ele agora se sentia literalmente dentro de seu sonho paradoxal, andava pelas ruas seguindo o mais novo que sorria, algo muito diferente da realidade que um dia existiu.

— Vem, Gi! Não quero perder o trem. — O mais novo dizia, puxando as mãos de Yoongi, que ainda estava perplexo demais para acreditar que aquilo podia ser real, mesmo que apenas em sua mente.

Já não se lembrava mais do sorriso bonito do garoto que tanto amou, não se lembrava mais do motivo pelo qual se apaixonou; um paciente com um transtorno irreversível.

Yoongi só queria o curar.

E ver a expressão sorridente do mais novo o fazia acreditar que talvez pudesse ter salvo o mesmo, se martirizando segundos depois.

— Eu te amo, me desculpe. — Yoongi disse, enquanto aumentava a pressão na mão do maior, como se quisesse sentir que ele ainda estava ali. Se desculpava por não ter conseguido salvar o menor, por se culpar pela maldita morte. Dia e noite.

— Não tinha muito o que ser feito, amor. Você sabia que aconteceria. — E céus, como Yoongi sabia; talvez por isso seu desespero estivesse três vezes mais intensificado. — Eu só não quero que você se culpe, foi uma decisão minha. Não queria te deixar, mas tudo pareceu triplicar depois que ele apareceu. — Ah, sim. O pai de Jeon, a verdadeira origem de seus traumas.

Yoongi havia tentado de tudo, mas ele não poderia fazê-lo sozinho, não quanto Jeon não conseguia ao menos lutar contra seus fantasmas.

O azulado logo percebeu que mesmo que o mundo em que estivesse parecesse muito real, as ações que ocorriam à sua volta eram falsas e manipuladas, como um software defeituoso, e embora visse o sorriso de Jeon de perto, sabia que não era real.

Por isso não se surpreendeu quando a atmosfera primaveril mudou drasticamente, Jeongguk já não estava mais a sua frente, já não estava mais ali.

— Se Deus não o salvou, por qual motivo me salvaria ? — Quem questionava era o próprio Yoongi, sem que planejasse as palavras saiam de sua boca, desenfreadas.

Jeon estava estirado no chão, o corpo semi morto, a cena imitava o que um dia realmente aconteceu; Yoongi carregava Jeon até que este estivesse devidamente seguro dentro da ambulância, embora soubesse que não poderia ser feito nada para reverter o quadro do mais novo.

E dias se passaram, a angústia fazia morada no peito do mais velho.

— Eu te amo tanto, Yoongi. Espero que um dia possa me perdoar. — Os dizeres saiam da boca ressecada do mais novo, que já não queria lutar para manter a própria vida, nunca quis.

Um beijo apaixonado com gosto de lágrimas foi compartilhado, uma despedida definitiva.

A mente do azulado o alertava de que aquele era o máximo que ela conseguiria chegar, e mesmo que o mais velho quisesse, a única coisa que teria seriam as lembranças de quem um dia tanto amou, de quem ainda tanto amava. E Yoongi então despertou de seu IV estágio de sono.

Aquela era a única viagem que ele poderia fazer, uma despedida triste e dolorosa em que seus medos se tornavam reais; a passagem de Jeon havia sido só de ida, e Yoongi perdeu seu bilhete no meio do caminho enquanto tentava arranjar um jeito de curar o mais novo.

Teria que aceitar que não o teria de volta, nem mesmo em seus sonhos mais lúcidos.