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História Spin-offs - A liberdade e a escuridão - Ruby e Dorothy - Parte I


Escrita por: Elis_Giuliacci

Notas do Autor


Solicitaram a história de Ruby, mas não poderia ser na ausência de Dorothy, então temos um spin-off dose dupla

Notem que o texto em itálico mostra alternância na época dos acontecimentos, também conhecido popularmente como o bom e velho "flashback" =P

Boa leitura!

Capítulo 8 - Ruby e Dorothy - Parte I


Aquele cheiro adocicado característico das rosas vermelhas no jardim interno do convento era um agrado à alma. Naquela manhã exalavam um porção maior para, talvez, completar o evento que acontecia dentro da capela - o sino dobrava em festa - mais uma de nossas noviças acabava de fazer seus votos perpétuos e agora, irmã Verônica tomava para si o hábito de nossa ordem com grande alegria e comemoração de todas nós.

O cardeal Stefan e padre Leopoldo estavam paramentados de branco e dourado e o odor de incenso deixava no ar a solenidade da celebração que findara com um cântico festivo que nossas irmãs haviam preparado com tanto carinho para a ocasião. Eu, particularmente, estava muito satisfeita que aquela noviça, enfim, entregara-se à nossa causa e permaneceria em oração por toda a vida ali em Albiano - o meu lincel incomodava um pouco e usar aquelas abas no lugar do capuz era algo que não me acostumara desde quando recebi a designação como madre superiora, porém, era um prazer imenso estar ali observando irmã Verônica recebendo os cumprimentos de todas as irmãs do convento, noviças, freis vindos de Roma na comitiva do cardeal e algumas pessoas próximas a padre Leopoldo junto à paróquia da vila. Infelizmente irmã Verônica não tinha família e sua história era conhecida apenas por mim e pelo padre em segredo de confissão.

Eu fui a última a caminhar até o altar para cumprimentá-la e, confesso, estava nervosa, pois com aquele hábito ficava ainda mais bela, como costumava dizer “a noviça de olhos rebeldes”— tinha uma coroa de rosas, colhidas em nosso próprio jardim, adornando sua cabeça, o hábito bege claro e a capa marrom presa à altura do pescoço onde via-se o lincel branco - seus olhos marejados pelo sentimento forte da ocasião traziam àquela moça uma beleza ao mesmo tempo madura e infantil - era impossível não perceber os traços de uma bela mulher sob todo aquele paramento, mas contive-me em abraçá-la e demorar-me um pouco mais sentindo seu corpo bem junto ao meu.

— Não sabe a alegria que sinto ao vê-la dessa maneira!

— Estou tão feliz, madre! - ela afastou-se um pouco e olhou-me ternamente. Temendo que alguém percebesse meu desconcerto, afastei-me abaixando a cabeça um pouco constrangida. Logo padre Leopoldo aproximou-se juntamente com o Cardeal.

— Madre Madalena, agora que entregamos mais uma irmã aos cuidados do Cristo, será que podemos alimentar nosso corpo para que o espírito continue são? - padre Leopoldo era um homem com humor inabalável, mas também com uma fome incorruptível. Caminhamos todos para o refeitório onde um grande almoço seria servido em pouco tempo para comemorar os votos de irmã Verônica.

Sentei-me entre o cardeal e o padre e, juntamente conosco, dois freis e duas senhoras da vila, na mesa principal do salão que ficava de frente para as demais e abaixo de um grande crucifixo talhado em madeira escura, mas podia ver a nova freira à uma distância aceitável na mesa à direita. Todo o tempo mantive a conversa com o cardeal em tom de esclarecimentos acerca de sua curiosidade pelo convento uma vez que era a primeira vez que ele nos visitava, costumávamos ser orientadas por um abade que atendia a cidade de Bolzano, não muito distante de nós.

— Quando padre Leopoldo disse que a senhora era muito jovem, não imaginei que era tanto assim, madre Madalena! - fiquei um pouco constrangida diante do apontamento.

— Confesso que não galgava tal função tão depressa, Vossa Eminência, mas acredito que somos conduzidos por algo que está acima de nós, então, devemos aceitar de bom grado e honrar a confiança que Deus nos deposita. - o cardeal olhou-me por segundos sem nada a dizer e senti minhas bochechas queimarem.

— Tem aqui uma grande interlocutora, padre, não deixe de procurá-la para as investidas da paróquia!

— Claro que não, Vossa Eminência! - disse retirando uma grande coxa de pato da boca - Madre Madalena já tem sido de grande ajuda na vila e sua especialidade é cuidar dos nossos doentes que não são poucos! - o cardeal suspirou sério diante da observação.

— Eu bem sei que estamos vivendo tempos difíceis e precisamos de religiosos comprometidos com a comunidade. - ele novamente colocou os olhos sobre mim e sorriu.

Realmente estávamos vivendo tempos muito difíceis, porém há alguns anos a situação era bem pior, pois a peste negra dizimara grande parte da população e tínhamos todo o cuidado para que não passássemos por uma mazela tão cruel. Nossa vila perdera muitas pessoas e na ocasião do tempo crítico da doença, nosso convento recebeu algumas mulheres fugindo daquele mal, inclusive a própria irmã Verônica e irmã Maria Piedade que perdera toda a família e veio até nós pedindo abrigo por não ter para onde ir. Quando entrei para a ordem também fugia, mas da minha própria família e tenho comigo que não restou nem minha mãe ou minha avó que era uma mulher forte, mas não tanto para que enfrentasse a pandemia com tanto vigor - morávamos em Veneza, portanto, diante daqueles canais pútridos seria impossível que poucas pessoas contraíssem a doença.

Aquela conversa toda fez-me recordar de Granny. Era uma senhora decidida e enfrentava qualquer problema com autoridade - era ela que tentava manter a família unida, mesmo com todos os problemas que minha mãe causava com sua irresponsabilidade sempre envolvida com um grupo que cometia furtos pela cidade - eram conhecidos como “os lobos de Veneza”, pois quando praticavam seus delitos tinham o hábito de “uivar” avisando sua presença. O motivo de minha fuga foi devido aos delírios de minha mãe ao insistir que eu deveria ser como ela e acompanhá-la em suas aventuras noturnas - Granny tentava proteger-me impondo-se contra a própria filha, mas de tanto minha mãe ameaçá-la, decidi que não poderia permanecer ali ou minha avó sofreria as consequências, assim, deixei Veneza em meio ao caos que a peste criara. Ouvi naquela época que Milão não era afetada pela peste e não se sabia o motivo - viajando em condições nada favoráveis, tentei chegar até lá para manter-me segura, mas em algum ponto desviei-me da direção e vim parar em Albiano que pouco tinha sido infectada - comecei ajudando as brigadas da vila no auxílio aos doentes e foi numa dessas vezes que conheci padre Leopoldo.

— Madre Madalena é uma pessoa formidável, cardeal! - elogiava-me o padre - Quando veio para Albiano parecia uma enfermeira sedenta por trabalho! - ele riu abertamente chamando atenção de toda a mesa - Eu não podia deixá-la por aí e perder uma das minhas melhores ajudantes!

Aproveitei-me que padre Leopoldo atraía a atenção para si com toda aquela irreverência e olhei com mais vagar para a mesa onde irmã Verônica estava - sorria com as outras irmãs e iluminava o lugar com a sua alegria - de repente nossos olhares se encontraram em meio àquela confusão de vozes, mas naquele instante senti um silêncio que dominava nossa atenção, ela sorriu-me, olhou para a porta do refeitório e em seguida levantou-se saindo rapidamente. Eu compreendi que deveria segui-la, mas teria que criar uma situação para desfazer-me da companhia do cardeal, pois não seria correto deixá-lo sozinho. Porém, sempre podemos contar com a providência divina que nunca falha - padre Leopoldo contava um de seus famosos casos de perseguição à hereges na sua juventude, quando abriu exageradamente os braços derrubando meu cálice de vinho, cuja bebida foi parar inteira sobre meu hábito.

— Jesus Cristo! - exclamou o cardeal. O padre calou-se com os olhos arregalados.

— Perdão, filha, fiquei empolgado naquela parte em que meu cavalo disparou no terreno argiloso de Pisa! Não é à toa que a torre tombou! - soltou uma gargalhada enquanto eu me levantava mostrando certo desconforto com a situação. O cardeal sorriu diante da indiferença do padre e assentiu quando pedi licença para trocar-me.

Sai dali bem depressa. Contornei o jardim e corri pelo corredor das celas acabando diante de uma porta entreaberta - terminei de abri-la devagar e logo que estava dentro da cela fechei a porta certificando-me que estava trancada. Quando virei-me já senti os braços de irmã Verônica passando pela minha cintura.

— Que demora, Ruby! - ela exclamou com uma voz manhosa.

— Padre Leopoldo acabou ajudando na minha saída do refeitório! - mostrei-lhe a mancha úmida na veste ao que ela não deu muita atenção e fechou minha boca com um longo beijo, segurou-me forte com as mãos puxando-me para mais perto. Precisei fazer um pouco de força para conseguir respirar - Dorothy! - repreendi - Desse jeito vou sufocar! - ela soltou um riso cheio de malícia e passou as mãos pelo meu rosto fechando os olhos.

— Eu senti saudades da sua boca! Não via a hora disso tudo acabar para ter você bem aqui!

— Não diga isso! Hoje foi um dia importante para você, meu amor!

— Sei disso, Ruby, mas não seria completo sem poder ganhar um beijo seu! - tornou a beijar-me, porém, consegui escapar mais rapidamente, tanto mais por necessidade das atribuições, caso contrário eu ficaria na companhia dela o restante do dia.

— Ainda não acabou, Dorothy, preciso trocar-me e voltar para o refeitório e você também! - ela ainda tentou mais um beijo, mas consegui resistir. Ajeitei a coroa de rosas em sua cabeça e segurei suas mãos - À noite, depois das Completas vá até a minha cela. - dei-lhe um beijo selado e sai depressa do cômodo.

Passei pela minha cela e troquei o hábito. Toquei meus lábios onde anda sentia o gosto da boca de Dorothy. Fazia o caminho de volta pensando naquela moça que roubara meu coração depois que chegou ao convento trazida por uma culpa assustadora.

***

Foi numa noite que a chuva castigava a encosta do convento e nossos candeeiros não conseguiam ficar acesos tão forte era o vento que nos tocava. Eu terminava de fazer minhas orações antes de dormir já na minha cela e levei um susto com as batidas fortes na porta. Quando abri, uma das irmãs mais velhas estava assustada dizendo que um de nossos sentinelas veio avisar que uma mulher estava ao portão pedindo abrigo. Logo sai dali correndo para a frente do convento e gritei para que o homem deixasse a moça entrar, sem qualquer restrição, afinal ninguém poderia ficar à mercê daquele aguaceiro todo. De longe eu vi o portão se abrir e um vulto passou por ele correndo em direção à entrada onde eu estava e ainda conseguia manter a chama do candeeiro acesa - era uma moça, respirava com dificuldade e estava toda encharcada tremendo de frio.

— Venha, filha, precisa trocar essas roupas ou acabará doente! - puxei-a pelo braço seguida de mais duas freiras - Qual seu nome?

— É Dorothy, irmã. - ela disse isso com dificuldade, pois tremia muito. Caminhamos depressa até uma cela desocupada. Logo uma das irmãs nos trouxe um hábito, um par de sapatilhas e uma toalha.

— Tire essas roupas molhadas e depois se enxugue com isso. - entreguei-lhe a toalha e esperei. Ela tirou o vestido grudado no corpo por estar muito molhado, lançou os sapatos para um canto do cômodo e cruzou os braços à altura do peito, abraçada à toalha, escondendo seus seios. Olhou para mim com desconfiança sem dizer absolutamente nada - Vamos, irmãs, deixem que ela se troque. - coloquei as mulheres para fora do quarto e fui saindo - Depois venho buscá-la para que coma e beba alguma coisa quente. - fechei a porta. Fui até às freiras e disse que poderiam voltar a dormir, agradeci pela ajuda, mas eu mesma prepararia algo na cozinha para a recém-chegada.

Quando cheguei na cozinha agradeci aos céus pelo fogão ainda ter brasas crepitando - peguei algumas fatias de pão, certifiquei-me que a sopa ainda estava bem quente e fui até outro cômodo ao lado para pegar uma garrafa de vinho - deixei prato e caneca sobre a mesa ao lado do cesto de pães e voltei para buscar Dorothy. Parei diante da porta e bati “Entre” sua voz era mais firme agora e quando entrei ela secava os longos cabelos que mantinham um pouco do ondulado, mas bem mais secos do que minutos atrás. Mesmo com a fraca luz do candeeiro e alguns relâmpagos pude ver seu rosto melhor - expressão forte, olhar desconfiado - uma bela moça inexplicavelmente perdida no meio de uma tempestade.

— Venha até a cozinha, a sopa está quente e muito saborosa! - ela deixou a toalha sobre o baú e acompanhou-me - Que bom que as sapatilhas serviram! - tentei conversar, mas ela não disse nada. Seu semblante era de cansaço, estava exausta e respirava com dificuldade ou pelo esforço em chegar até ali ou por medo. Enfim, ficaria feliz só pelo fato de estar em segurança, depois trataríamos de quem era ela e para onde iria.

Fiz um sinal para que sentasse quando chegamos até a cozinha, peguei o prato e servi-lhe uma farta porção de sopa, depois enchi sua caneca de vinho e sentei-me de frente para ela. Logo ela deu cabo daquele prato e servi-lhe mais um, o vinho nem foi tão apreciado, mas bebericou talvez para não me fazer desfeita, pois percebi uma careta enquanto o líquido descia pela garganta.

— Se quiser algo mais fraco posso fazer um chá... - ela olhou séria para mim e balançou a cabeça negativamente. Por um momento fiquei incomodada com aquele silêncio, mas deveria insistir devagar - Dorothy, você veio de onde?

— Eu não sou italiana, irmã. - seca e direta.

— Você tem família? - eu dizia cada palavra com cuidado e num tom bem suave, quase sussurrando.

— Não sei. - olhava fixo para seu prato.

— Eu não quero insistir, Dorothy, mas se contar-me o que está acontecendo talvez eu possa ajudá-la... - ela terminava sua refeição e não respondeu de imediato. Quando comeu a última fatia de pão, limpou os lábios com um guardanapo e, enfim, resolvera olhar-me nos olhos.

— Eu preciso de um padre para me confessar, irmã. - suas palavras saíram como se estivesse com medo de pedir aquilo, mas num fôlego só.

— Claro! Amanhã podemos ir até a vila e procurar pelo padre após a celebração da manhã.

Assim, deixamos a cozinha e levei-a de volta para a cela. Ao fechar a porta, parei um pouco e estremeci tentando imaginar o que poderia ter acontecido para que a única comunicação mais longa daquela moça fosse mostrar sua vontade em se confessar. Tratei de não pensar em qualquer outra hipótese e fui dormir, pois tinha uma tarefa a cumprir logo cedo - levar Dorothy até o padre Leopoldo.



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