Sorrateiramente, Brody abriu a porta do quarto de Santana. Deixou um dos seus homens mais fiéis vigiando do lado de fora e adentrou o cômodo às escuras.
Ele recomendara que outro dos seus capangas vigiasse a morena, que jogava baralho, o único alento que lhe sobrara depois da fuga de Brittany. Ele começou a vasculhar as coisas, tentando encontrar algum ponto fraco. Algo que ele pudesse usar contra o inimigo em alguma situação oportuna.
Após revirar o quarto, as gavetas, as caixas, ele encontrou algo. Um pedaço de papel dobrado. Logo viu a assinatura. Era o bilhete de despedida.
Brody leu a carta, com atenção, mais de uma vez. Um sorriso maléfico surgiu no seu rosto.
— Não estava sabendo de nada o cacete... — balbuciou.
Com cuidado, ele devolveu o bilhete ao lugar em que o encontrara e saiu do aposento, como se nada houvesse acontecido.
* * *
Brittany deixou a reunião aliviada. Por um instante achou que prevaleceria a ideia de Emily e o grupo do Condomínio de pôr abaixo o quartel. Se isso acontecesse, as consequências seriam desastrosas, ela não tinha dúvidas.
Ocorreu-lhe a imagem do acervo de armas do quartel, mas ela sabia que a munição e contingente do condominio era muito superior. Assim, a preocupação passou.
Agora havia outra coisa que ela queria fazer, mas preferia tentar manter em segredo. Para isso precisava contar com a colaboração de uma pessoa.
Brittany se informou com Maya sobre onde ficava a sala de rádio do condomínio. A médica explicou-lhe rapidamente; na prática, era ali mesmo no prédio da administração. Então ela rumou para lá, passando por um amplo corredor iluminado com luz natural e paredes pintadas de branco.
À porta, deu duas batidas e girou a maçaneta. Ao entrar, constatou que se tratava de uma sala pequena, com uma janela coberta por uma persiana e uma mesa; sobre ela uma unidade GMR, o rádio de uso exclusivo militar encontrado no quartel que o grupo invadiu no ano anterior. Operando o aparelho estava Monna, uma mulher morena de baixa estatura, parecia jovem.
Brittany iniciou a conversa se apresentando e agradecendo pela ajuda. Afinal, aquela mulher fora o elo entre ela e o casal que a salvou. Graças aquela moça ela estava viva. E agora precisava pedir-lhe um favor.
— Você acha mesmo que sua irmã pode estar viva? — Monna perguntou, com ceticismo.
— Não faço ideia. A última vez em que conversamos foi no dia do apocalipse zumbi, e ela era atacada. Tiffany é tão frágil, tão fraca... Mas tenho de tentar. Ela é tudo que sobrou da minha família. Meu pai e meu marido morreram, e eu queria pelo menos tentar localizá-la.
— Posso tentar, mas não garanto nada. Captamos poucas coisas aqui, e na prática o primeiro pedido de socorro concreto que localizamos foi o seu. É muito difícil, é como procurar uma agulha num palheiro.
— Eu entendo, mas Tiffany sempre operava na mesma frequência para podermos nos falar sempre. Aposto que ela estará nessa faixa se estiver transmitindo ainda.
A loira anotou os números da frequência num pedaço de papel e passou-o para Monna, que olhou com dúvida. Ela parecia bastante cética quanto àquele pedido, ajustou a frequência do GMR exatamente para a mesma que Brittany indicara. A moça segurou as duas mãos junto ao peito, em suspense. Mas tudo que ouviram foi estática, para decepção de ambas.
— Sem problemas, não custa continuar tentando — Monna afirmou, ao ver o semblante decepcionado da nova moradora. — De qualquer forma, garanto que será bem mais fácil assim, sabendo exatamente onde procurar. Irei sempre deixar nessa frequência o dia todo; só trocarei quando for realizar as varreduras atrás de sobreviventes, combinado?
Brittany assentiu. Sem dúvida se Tiffany estivesse viva não estaria transmitindo todos os dias. Ela escolheria horários específicos.
Ambas se despediram, e Brittany ficou de retornar todos os dias para saber se havia alguma novidade. Combinaram também que aquele seria um segredo entre ambas. Não queriam deixar todos saberem o que estavam fazendo; ao menos por enquanto.
***
Amanda dormia profundamente quando ouviu os gritos. Eram gritos de mulher, que vinham do quarto ao lado, quebrando o silêncio da noite.
Ela suspirou resignada e se levantou com dificuldade. A barriga estava imensa e pesada, e ela era pequena, por isso se levantar rápido era impossível. Mas tudo bem, aqueles gritos não exigiam velocidade. Exigiam paciência, e isso Amanda tinha de sobra, ela vestiu um roupão e saiu do quarto, chegando ao hall dos dormitórios da casa descomunal em que vivia, uma imensa residência em estilo colonial que ela e o namorado escolheram para se instalar quando se mudaram para o condomínio.
Quando chegou à porta do quarto de onde os gritos partiam, deu de cara com Eliott, que vestia um pijama listrado, estava todo descabelado e vinha de outro dormitório.
— Mais uma longa noite... — ele comentou, desanimado.
— Eu sei, eu sei... — Amanda esfregava os olhos.
Entraram no aposento, onde os gritos não paravam, e se aproximaram da cama na qual Paige se debatia, agarrada ao travesseiro.
— Paige, acorda. Sou eu, Amanda — ela falava com delicadeza, tentando fazer a amiga despertar de mais um terrível pesadelo.
Paige no entanto, continuava gritando, ora implorando por ajuda, ora exigindo ser morta de uma vez por todas, ou chamando por Alison.
Eliott olhava, compadecido, sem saber o que fazer. Sentia-se impotente diante daquilo.
Imprudente, ele pôs a mão no ombro de Paige, e quando isso aconteceu, ela despertou como num passe de mágica.
— Tira a mão de mim! Me salva Alison! — Paige rolou na cama e caiu no chão. Em seguida, arrastou-se depressa até a parede, ficando debaixo da janela, com os cabelos desgrenhados caídos sobre o rosto e olhando, assustada, para os dois amigos.
— Calma, somos nós! — ele ergueu as mãos.
— Foi só um pesadelo, já passou, minha amiga. — Amanda se aproximou dela.
Eliott nem se mexeu. Sabia que ela não gostava nem que ele chegasse perto quando essas crises aconteciam.
— Cadê ele? Alison! Onde ela está? Porque não me salvou? Ele estava aqui! — Paige berrou.
— Não há ninguém aqui — Amanda contrapôs. — Só nós três.
— Ele estava aqui! Eu vi! Ele atirou nela Amanda! — Paige tornou a gritar, olhando em volta como se estivesse tentando encontrar o demônio em pessoa.
— Paige, ele morreu, lembra? Acabou, Bob está morto. — Amanda se sentou na quina da cama.
— Não está não, ele está aqui! Eu vi! — ela afirmou aos berros, convicta.
Eliott e Amanda permaneceram em silêncio durante alguns instantes, aguardando Paige voltar à realidade.
A moça olhava em volta, procurando. Não podia ser verdade, tinha certeza de que Bob estava ali. Mas não havia nada no quarto, apenas alguns móveis parcialmente visíveis em meio à penumbra.
— Ele não está aqui, certo? Não foi real... — ela colocou ambas as mãos na cabeça, e alisou os cabelos desgrenhados para trás.
— Não, ele morreu, lembra? Nós fomos ao enterro, você fez questão de conferir se era mesmo o Bob dentro do caixão. — Amanda suspirou.
Paige começou a chorar. Era um choro cheio de mágoa, raiva, frustração e dor. Ela estava viva, e Bob, morto, e mesmo assim sentia como se ele houvesse vencido. Aquele homem destruíra sua vida nos mais diversos níveis.
— Amanda, eu estou enlouquecendo. Não aguento mais. Achei que fosse melhorar com o tempo, mas isso não está acontecendo. Todas as noites ele está aqui, o buraco se abre, Alison me salva e ele mata ela! — Paige abraçou os joelhos, sentada no chão.
— Você precisa de ajuda. Tem que conversar com um psicólogo — Eliott aconselhou.
— E onde eu vou arrumar isso? — Paige perguntou, por fim, se erguendo e enxugando uma lágrima.
— Brittany é psiquiatra, mas, pelo que eu entendi, ela não tem experiência. Porém, aquele senhor que chegou junto com ela, Pieter, era professor de psiquiatria. Acho que eles podem ajudar — sugeriu Amanda.
Paige ficou na dúvida. Estava desesperada por uma solução, mas não sabia se queria se abrir com uma estranha que nem sequer possuía experiência no assunto. E, definitivamente, não ficaria sozinha numa sala com um homem, mesmo que fosse um idoso.
Paige tinha nojo de homens, apesar de gostar de Eliott mais do que era capaz de admitir, e ter bons amigos no condomínio. Ela se sentia mal com aquilo, mas às vezes se flagrava pensando que o mundo seria um lugar um pouco melhor se todos os seres do gênero masculino virassem zumbis.
— Não sei, eu preciso pensar. — Paige se deitou na cama para tentar voltar a dormir.
Amanda tornou a suspirar, resignada. Retornaria à sua cama. Ela saiu do quarto, mas Eliott não se mexeu. Ele continuou observando Paige.
— Vá embora, Eliott. Ficar aí parado olhando para a minha cara só piora tudo. — Paige o encarou, irritada.
— Estou saindo. Só queria dizer que você pode contar comigo. — Eliott se esforçava para ignorar o tom agressivo dela.
— Eliott, sai daqui! — ela ordenou, apoiando o cotovelo na cama. — Desista, eu sou mercadoria com defeito, você não entende? Por que insiste em morar aqui conosco? — Os olhos dela ficaram marejados novamente.
— Estou aqui porque eu a...
— Não! Não diga isso! Eu não quero ouvir! — Paige rolou na cama para o lado oposto, dando as costas para ele.
Eliott ficou parado no escuro durante alguns instantes, sem saber o que fazer. Adoraria abraçá-la e tentar confortá-la de alguma forma, mas a verdade era que nas ocasiões em que tentou fazer isso Paige o tratou como se ele fosse um leproso. Nenhum homem tinha autorização para tocá-la, era um reflexo automático, incontrolável e sem solução.
— Paige, eu...
— Vá embora! Saia do meu quarto, droga!
Desanimado, ele se despediu, desejando boa noite. E, como não houve resposta e ela nem sequer se mexeu, Eliott finalmente saiu, voltando para seus aposentos.
Aquela situação o deixava frustrado, mas, apesar do temperamento forte de Paige, ele não se atrevia a brigar com aquela mulher. Não depois de tudo que ela passara.
Deitada na cama e olhando a parede, Paige voltou a chorar, protegida pela noite.
— Eu sinto muito. Por favor, me perdoe Eliott, eu sinto muito, eu o amo, mas você não é ela — ela balbuciou em meio à escuridão.
***
Os dias passavam lentamente. Maya tentou proibir Alison de fazer qualquer esforço, pois ela realmente apresentava um quadro claro de hipertensão arterial que a obrigaria a guardar repouso por tempo indeterminado. Mas a líder do condomínio foi intransigente, sobretudo quando ouviu os planos relativos ao quartel.
— Eu vou com vocês! Recuso-me a ficar aqui de braços cruzados! — Alison afirmou, resoluta.
— Você precisa repousar, não pode partir numa missão como essa — Maya contrapôs. — Pense no seu bebê.
— Por favor, amor, tenha bom senso — Emily pediu, súplice.
— Maya, você vai acompanhar a missão, certo? E Cavanaugh também, acertei? —Alison quis saber.
— Sim, de fato iremos os dois. — Maya suspirou, já antevia o que aquela criatura teimosa tinha em mente.
— Então eu estarei mais bem assistida com vocês do que aqui, onde ficarão apenas enfermeiras — Alison argumentou, convicta.
Emily e Maya se entreolharam. Era um argumento válido, apesar de difícil de aceitar.
— Por que você quer tanto nos acompanhar, amor? Qual é a sua preocupação?
— Quero ir porque vocês serão mortos se eu não estiver por perto, Emily. E você sabe que tenho razão. — ela respondeu, séria.
Exageros à parte, Emily entendia os motivos da esposa. Ela era a única pessoa do grupo capaz de atingir um alvo a distâncias superiores a quinhentos metros. E numa situação como aquela, sua pontaria prodigiosa seria essencial.
— Meu amor, eu não sei, acho que você devia ficar... — Emily falou com suavidade.
— Amor, entenda uma coisa: entregue-me o rifle mais potente e torça para esse tal Brody ser muito burro e aparecer numa janela ou telhado a uma distância de mil metros com vento favorável. Só preciso de dez segundos para fazer mira e pronto; assunto encerrado, voltamos para casa no mesmo dia. — Alison esboçou o mesmo sorriso que usava sempre que queria convencê-la de algo.
E para felicidade de Alison e azar de Emily, ela era incapaz de resistir àquele sorriso. Era uma arma infalível.
— Está bem, estou de acordo. Mas prometa-me que ao menor sinal de problemas você volta para o condomínio na hora. — ela deixava claro que aquele ponto não era negociável.
— Eu prometo! Palavra de fuzileira! — Alison ergueu a mão direita, solene.
Maya balançou negativamente a cabeça, porém tanto ela quanto Emily acharam graça.
Os preparativos já estavam quase finalizados na véspera da partida. Seria um contingente de duzentos soldados, duzentos reservistas e quinze tanques de guerra, além de jipes, caminhões de infantaria e até carros de passeio. Um desses veículos civis o mais protegido de todos seria justamente ocupado pelo quarteto fantástico. Emily, Alison, Maya e Tobby. Seria uma forma mais confortável de a mais nova gestante do condomínio viajar, devidamente acompanhada das duas pessoas mais aptas a cuidar dela.
Transportavam também imensa quantidade de água, alimentos, armamentos e munição.
Não haviam ocorrido novos eventos como aquele dos zumbis tentando invadir o condomínio, mas estavam todos em alerta. A quantidade de criaturas cercando aquele lugar se tornara gigantesca. Milhares de zumbis agora vagueavam em meio à lama que se acumulava ao longo de todo o muro de proteção. Um contingente de mortos-vivos grande o suficiente para matar cada pessoa dentro daquele condomínio.
Por isso, várias outras atividades foram interrompidas. Todos os reservistas pegariam em armas para garantir a segurança, enquanto o resto da equipe se dirigiria para o quartel da Aeronáutica em Ravenswood.
Brittany, preocupada, acompanhava toda aquela movimentação. Ela também participaria da perigosa jornada, até porque seria necessário guiar o comboio até o local adequado. Além do mais, ela seria fundamental para identificar quem eram as vítimas e quem eram os bandidos dentro do quartel.
Brittany estava justamente rumando para a última reunião de preparação da equipe quando recebeu um recado trazido por um soldado, dizendo-lhe para procurar Monna com urgência.
Ela sentiu o corpo inteiro entorpecido, como se fosse desmaiar a qualquer instante. E, quando se deu conta, corria na direção da sala de rádio, com o coração batendo em disparada como se fosse saltar pela boca a qualquer instante. Brittany dispensou formalidades e invadiu a sala de rádio, sem bater. Estava ansiosa demais, esperançosa demais para perder tempo.
As lágrimas desabaram instantaneamente quando ela viu o sorriso de Monna e ouviu de forma límpida a voz de Tiffany saindo pelas caixas de som do aparelho.
— Britt? Brittany você está aí?
— Tiffany...
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