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Eu olho para cima e vejo um céu cinzento, repleto de nuvens e tempestuosas luzes que indicam que o temporal está próximo. Um céu apático para prestigiar a mais triste das minhas lamentações.
A escuridão e culpa caem sobre mim agora. Não é como se eu quisesse realmente fazer o que fiz, minha vida já teve solidão demais, sangue demais, perdas demais. Sangue, sangue, sangue.
Meu clã carrega consigo o mais complicado dos fardos, a vingança, e, aliada a ela, vem o sangue, o mais corrompido dos elementos. Não sei, mas acho que essa altura já perdi quaisquer resquícios de minha digna sanidade. Não sei se o que fiz era a coisa certa a fazer.
Agora que o corpo de meu irmão mais velho jaz aos meus pés, não consigo compreender as verdades e as mentiras contadas a mim ao longo do tempo. Só consigo encara-lo. Os enormes olhos negros sem nenhuma vida, antes, vermelhos como sangue, vermelhos como vingança, já não apresentam quaisquer cor. As mentiras contadas, parecem não atingir o mesmo efeito que atingiam antes, elas foram contadas, absorvidas e enraizadas em meu peito durante toda essa passagem de tempo. Eu acho que nem sei mais por que eu estou aqui.
Eu não tenho mais nenhuma emoção. Minhas lágrimas e meu sangue misturam-se em meu rosto para pingarem sobre o seu, totalmente inerte. Acho que meu coração está da mesma forma. Sou incapaz de pensar em qualquer coisa além do que eu vejo em minha frente.
— Eu vou lembrar... do nosso amor. Do pecado que nos acompanha. Se eu pudesse voltar no tempo... Voltar para os sete anos mais preciosos da minha vida, eu o faria, Aniki. Eu adoraria viver novamente a única época que fui feliz.
Lágrimas, elas não param de cair. Ver meu irmão aos meus pés, abatido pela minha própria lâmina, é mais do que meus olhos conseguem suportar. Cada corte em meu corpo, cada centímetro de pele perfurada, cada golpe desferido a mim, não é comparado à assassinar a pessoa que você mais ama e descobrir que não pode voltar atrás. Como eu disse, uma vida de sangue e vingança.
Para esse clã, até amor quer dizer derramamento de sangue.
Agora, seu cabelo começa encharcar com o líquido carmesim viscoso. Eu vejo, seus lábios semiabertos em um último sorriso, mas você permanece em inteiro silêncio, apesar de eu ainda conseguir ver o fundo de seus olhos sem brilho.
O Massacre de meu clã não é nada perto da perda de meu irmão mais velho. É ainda mais doloroso por ele morrer em minhas mãos. Não foi preciso Jutsus para matar o mais forte dos Uchiha, apenas a minha velha lâmina que devia ser utilizada como um mero empecilho, foi atravessada no peito de Itachi, que não fez um mínimo esforço para desvincilhar-se do ataque tenro. Ainda agraciou-me com um sorriso fraternal antes de desabar no chão aos meus pés.
Para mim está muito claro que meu irmão deixou-me mata-lo. Sei que não usou todo o seu poder contra mim, afinal, sua real intensão não era me ver morto. Já me poupou uma vez. Era óbvio que me pouparia de novo, me obrigando a sentir novamente, a sensação que senti quando tinha apenas sete anos, ver minha família morrer diante dos meus olhos.
Eu sinto o chakra preencher meu corpo. Todo o poder acumulado pelo meu irmão correndo pelas minhas veias. Mas jamais me senti tão fraco. Nunca me senti tão derrotado como no momento em que estive mais próximo de ser o mais forte.
Em suas últimas palavras. Em suas últimas doces palavras roucas, engasgadas com o próprio sangue, ele confessou que tudo aquilo era por mim. Era por um mundo melhor para eu viver. Se meus pais morreram, se meu clã morreu, se ele próprio estava morrendo, era apenas por um mundo melhor para mim.
Um mundo melhor para mim, uma promessa selada com sangue.
Não é isso que eu queria. Não era o que eu planejava. Minha vida inegavelmente errônea e repleta de falhas só é amenizada por uma pessoa. Uma pessoa que agora está morta em meus pés.
A verdade corrói meu peito.
Claro.
Lembro-me, a tempos atrás, como eu sentia o desprezo impregnar-se pelas minhas entranhas. Sentia a dor de ser abandonado pela pessoa que eu mais amava na vida e vingança parecia o mais razoável. Talvez não fosse tanto pelo Clã Uchiha, mas por mim. Por ter matado todos e não me levado junto com você.
Mas ainda assim, acaba em vingança. E em sangue.
“Achei que minhas ações fossem desaparecer com o tempo. Mas... veja o que eu fiz a você. O reflexo delas está impregnado em você”. Foi o que me disse antes de seus olhos começarem a ceder. “Eu vejo agora, a criança a qual eu olhei dentro dos olhos, naquela noite sangrenta, a criança que mantinha a expressão apavorada e descrente, eu jamais machucaria você. Você é tudo para mim, Sasuke. Sempre foi. Eu te amo.” Acontece que eu também te amo. E agora você está morto e eu não. Você deixou eu te matar, mas eu ainda estou aqui, intacto.
Suas três últimas palavras ainda soam em meus ouvidos, como um eterno zumbido incômodo e torturante.
— Desculpe, aniki — É inegável minha vontade de desculpar-me, enquanto lágrimas gordas rolam sobre meu rosto e pingam sobre o seu. Intermináveis lágrimas — Eu sou fraco.
Em um movimento rápido, desconecto minha lâmina do corpo silencioso de Itachi, vendo o sangue quase púrpura escorrer sobre ela e pingar sobre seu corpo. Um mísero segundo antes de eu crava-la em meu próprio estômago.
— Não posso conviver com isso — Eu consigo sentir o sangue em minha própria garganta, escorrendo pelas laterais da minha boca juntamente com um longo fio de saliva — Você matou e morreu por mim. O mais nobre que posso fazer agora, é me manter ao seu lado.
Enquanto a dor atinge cada centímetro do meu corpo já fraco, eu penso que parecia bobagem vingar-me de Itachi. Ele era o único que havia sobrado. O único que ainda estava ali. O único que ainda era real.
A dor do buraco em minha barriga era estranhamente familiar. Era como se antes, eu já tivesse sentido uma dor igualmente aterrorizante, a qual preenchi com um sentimento que levou meu irmão a morte. As cruéis manchas do tempo, quero dizer. Imensas perfurações e mutilações metafóricas, causadas por uma única e estranha passagem. O tempo.
Meu imenso império de sangue e vingança, se desfaz agora. Eu sento em meu trono de sofrimento e coloco minha coroa de infelicidade. E morro. Morro ao seu lado. Eu ouço o último baque de meu coração. Ah, esqueci de dizer.
— Eu também te amo.
Meus olhos lançam um último vislumbre para o céu. O temporal começou.
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