História The Beginning - O Raio de Sol Queria um Pentagrama no meu Chão...

POV NICO

  Eram pouco mais de duas da tarde quando um ser enviado provavelmente das profundezas dos Tártaro¹ batia em minha porta incessantemente, afim de atrapalhar meu sono da tarde e minha paz de espírito.

  Me levantei lentamente, arrastando meus pés e bocejando, mal mantendo meus olhos abertos enquanto ia em direção a porta.

  Seja lá qual fosse a criatura maligna em minha porta – porque só um monstro para atrapalhar o sono de alguém uma hora dessas - , essa criatura estava morta.

  - O que você está fazendo aqui? –Se minha voz esganiçada não havia entregado toda minha insatisfação a minha cara de defunto ressuscitado através de necromancia o fez com certeza.

  O garoto a minha frente me encarava em toda sua glória loira e sorriso radiante, como se minha carranca desgostosa e obscura não abalasse em nada sua aura brilhante.

  - Boa tarde para você também, Lorde das Trevas. – Ele simplesmente sorriu da minha cara de tacho. - Tirei o dia de folga hoje, achei que pudesse precisar de companhia. – Continuou enquanto se balançava para frente e para trás, como se fosse difícil manter toda sua hiperatividade controlada. - Você parecia bem solitário hoje, almoçando sozinho na mesa de Hades.

  - Caso não tenha percebido, eu estou sempre sozinho. Faz parte do lance de Lorde das Trevas ou algo assim.

  Eu jamais revelaria a ninguém, mas desde o dia da Capitura a Bandeira eu começei a me pegar olhado para a mesa de Apolo durante as refeições, acidentalmente deve-se acrescentar.

  Acidente acontecem não é mesmo? Não importa que eles se repitam umas as 40 vezes em apenas 2 dias, certo?

  O que eu estou dizendo? Nem eu acredito nisso.

  - Ah, não se preocupe. Estou aqui para mudar isso. - Will parecia bastante convicto, não pude deixar de arquear uma sobrancelha para aquele entusiasmo.

  Eu era um cara durão.

  -  E como você pretende fazer isso, Solace? - Disse, cruzando meus braços.

  É aquele ditado não é mesmo? “Não cutuque  uma Équidina²  com vara curta"

  Porque logo após minha fala o filho de Apolo abriu um sorriso imenso. Pude jurar que vi um pouco de veneno escorrendo pelo lábio inferior dele, como se estivesse esperando essa pergunta há muito tempo.

  Era provável que realmente estivesse.

  -Bom, primeiramente eu pretendo ser convidado para entrar. - Will inclinou levemente a cabeça para o lado, as mãos atrás das costas, fazendo uma carinha que nem Zeus poderia resistir. – Eu não quero forçar nada, Nico, não precisa me deixar entrar se não quiser, sei que você gosta do seu próprio espaço, está tudo bem e...

  Will havia começado a tagarelar. A brecha de nervosismo naquele muro de convicção era bem perceptível.

  Não estava sendo fácil para ele.

  - Ah, cale a boca e entre logo antes que eu mude de ideia, Solace. - Tive que lutar contra um sorriso que queria aparecer em meus lábios, é uma sensação boa a de sentir que alguém se importa e se preocupa com você depois de tanto tempo sozinho e de tantas perdas.

  Os ombros de Will relaxaram e seus olhos brilharam pela minha resposta. Eu só conseguia pensar que gostaria de causar aquele olhar nele mais vezes, era lindo.

  Abri caminho para ele, enquanto de   repente, o chalé parecia bagunçado demais, escuro demais, vazio demais.

  Will entrou cautelosamente, seu olhar era curioso enquanto ele girava no lugar afim de captar cada parte do lugar.

  - Estou um pouco decepcionado. – Ele fez um biquinho gracioso demonstrando falsa decepção. - Esperava pentagramas e círculos de invocação no chão, alguns símbolos em latim nas paredes e sei lá, uma cruz no teto. Talvez até um caixão no lugar da sua cama.

  - Desculpe te decepcionar. Acho que se procurar direitinho, posso encontrar uma caveira de bode para você. – Falei dando de ombros.

  O filho de Apolo já se sentia confortável, eu podia sentir. E por algum motivo, eu também.

  - Seria muito gentil da sua parte, Di Angelo. - Depois de lutar tanto, não pude segurar o sorriso que apareceu em meus lábios. Will encarou meu sorriso contido por um segundo logo desviando os olhos e começou a brincar com um fio solto da colcha de minha cama. - Tudo está tão escuro. Posso abrir uma janela?

  Proferi um ruido em tom de consentimento, e ele se apressou em ir abrir a janela que estava meio emperrada pela falta de uso, quando ele finalmente conseguiu  a luz do sol invadiu toda a área em que minha cama ficava.

  Era até estranho ver meu quarto iluminado.

  - Bem melhor. – Will parecia realmente orgulhoso de sua ação em abrir uma janela.

  Ele então se virou ficando de frente para mim que estava do outro lado da cama.

  Não sei se isso faz parte de ser um filho de Apolo, mas ao redor de Will se formou uma aura de luz, era como se ele refletisse todo o brilho e calor do próprio sol, a pele bronzeada se destacando em todo o seu explendor dourado.

  Eu sabia que haviam pouquíssimas coisas no mundo que fossem tão belas quanto Will Solace.

  Acho que ele faz o meu tipo. Pera, eu tenho um tipo? Pelos Deuses, eu tenho que parar de pensar essas coisas.

  - Nico, você me ouviu? - Ele perguntou, e eu percebi que talvez tivesse me distraído.

  - As trevas precisam de tempo depois de tanta luz. Preciso me recuperar, cara. - Falei, apontando a janela, como se estivesse me referindo ao sol e não a Solace.

  - Perguntei se você quer ouvir música comigo. Tenho fones. - Ele balançou o IPod e os fones na altura do rosto. - Vamos descobrir gostos em comum.

  E com já esperado, eu aceitei.

POV WILL

  Nico me convidou para sentar em sua cama para ficarmos mais confortáveis, e infelizmente a caveira de bode não estava por ali.

  Eu estava ansiando por um estereótipo.

  Quando o filho de Hades colocou um dos fones, comecei a apresentá-lo á músicas dos anos 2000.

  Nico se mostrou levemente interessado pela voz de Harry Styles, e completamente apavorado pela de Rebecca Black.

  Quando eu disse que coloquei a música para zoar com a cara dele, Nico pareceu lisonjeado e insultado.

  - Eu diria que ela soa como o Treinador Hedge cantando no Argo II. - Ele disse, e eu não pude deixar de gargalhar.

  Di Angelo também disse que Taylor Swift levava jeito, mas que tinha pena dos ex namorados da garota, não julgo. Eu também tinha.

  Nico riu ao som de "Baby" e ponderou que "Love Yourself" não era nada mau.

  O Lorde das Trevas se surpreendeu muito com My Chemical Romance, Paramore, The Pretty Reckless, Panic! At The Disco e Fall Out Boy, quando eu mostrei um pouco de rock alternativo.
A noite perdida procurando músicas que Nico pudesse gostar valeu a pena.

  Eu me dei um auto "High Five" internamente. Eu merecia para caramba, fala a verdade.

  - Acho que agora é minha vez. - Ele disse levantando da cama e indo em direção a uma vitrola que as trevas e escuridão do mal em seu quarto haviam escondido.

  - Cara, as vezes eu me esqueço que você é um velhinho. - Eu disse, Nico riu, e aquele foi o som mais bonito que eu já ouvi na vida.

  Ele realmente gargalhou! Por minha causa!

  Não me julguem por ficar bobo desta forma só por uma risada, mas é tão difícil ver um simples sorriso vindo dele quanto mais uma gargalhada.

  - Ganhei alguns discos e essa vitrola de presente já faz um tempo. - Nico colocou um disco, e Louis Armstrong começou a cantar What a Beautiful World. - Cortesia do meu pai, o Rei do Submundo e toda essa besteira.

  - Ei, Di Angelo?

  - Oi, Solace.

  - Eu sou bom no ukulele. Vou tocar e cantar essa música para você um dia.

  - Eu adoraria ouvir.

Ouvimos Janis Joplin, Jimmy Hendrix, Nirvana, Pearl Jam e The Misfits até o meio da tarde.

  Após ouvir os gostos musicais um do  outro, eu me levantei.

  - Já vai embora? – O tom dele era um pouco decepcionado.

  - Para sua grande infelicidade, não. Estou apenas explorando, eu nunca entrei aqui sabe, e quem sabe explorando um pouco eu acabe encontrando alguma coisa maléfica, digna de Hades. - Ele deu um pequeno sorriso.

  Momentos como aquele ficavam mais frequentes ao longo da tarde, e eu ficava muito feliz ao saber que estava sendo eu a causar tal manifestação.

  O Chalé de Hades era grande, escuro e não possuía muita decoração. Nico tinha uma cama de casal, o que eu achava um máximo!

  No Chalé de Apolo tínhamos apenas direito a uma cama do beliche, mesmo eu sendo o conselheiro chefe não tinha tal privilégio, uma tremenda injustiça.

  Além da cama de casal, a parte do quarto que pertencia Nico tinha como decoração apenas, um guarda roupa, sua espada de ferro estígio encostada ao lado da cama e uma mesa de cabeçeira preta que continha um um copo d'água e algumas estatuetas em cima do que pareciam cartas.

  - O que é isto? - Eu disse, apontando na direção das estatuetas.

  - São apenas peças de um jogo que eu costumava gostar.

  - E não gosta mais? - Eu me aproximei das peças e pude perceber que eram estatuetas de deuses e as cartas eram na verdade cards estampados com imagens de deuses e monstros. Quando me virei para olhá-lo com uma das estatuetas na mão pude ver que ele estava com um semblante triste.

  - Desculpe-me, eu disse algo errado?

  - Não, é só que este jogo me faz lembrar dela.

  - Dela quem?

  - Da Bianca, ela era uma caçadora de Ártemis, morreu em uma missão para resgatar a deusa que havia sido sequestrada pelos Titãs. O último pedido dela foi que Percy me entregasse essa estatueta que você está segurando. - Ele suspirou e fitou a janela por um instante. - Em um excesso de raiva eu acabei destruindo grande parte das peças, um tempo depois me senti arrependido e consegui recuperar algumas delas.

  - Ah, Bianca era sua irmã, certo? - Ele assentiu.

  Senti um nó na garganta por fazê-lo se lembrar do passado. Eu sabia sobre a história de Bianca Di Angelo que morreu ao lutar contra Talos³ sendo destruída junto com ele para salvar seus amigos.

  Devolvi a estatueta de Hades ao seu lugar.

  - Ei, está tudo bem, Solace, se quiser eu te ensino a jogar. - Ele forçou um sorriso.

  Ele deve ter percebido meu desconforto ao fazê-lo lembrar do passado.

  - Sério? – Pergunto, ainda receoso.

  Ele assentiu de novo, então levei os cards e estatuetas para a sua cama e me sentei de pernas cruzadas em frente a ele.

  Ele começou a me explicar como o jogo funcionava e suas regras, era um pouco difícil, mas eu consegui entender a maior parte.

  O nome do jogo era Mitomagia, e aparentemente, a Mantícora⁴ tinha 3000 de poder de ataque, e 5 de resistência, Hades possuía 4000 pontos de ataque e 5000 se o inimigo atacasse primeiro, Apolo tinha 30 de saúde e 2000 de defesa, e assim por diante.

  Gostei muito do jogo apesar de ainda ficar confuso em alguns ataques e Nico ter me massacrado naquele capo de batalha com cartas.

  E olhem, ele ganhou de novo. Fiz uma expressão de desgosto e em resposta a minha cara emburrada ele sorriu ababertamente, se gabando de mais uma vitória, eu não acredito!

  - Se quiser eu te deixo ganhar da próxima vez, Solace. - Ele disse com sarcasmo ainda rindo da minha cara, eu mantive meu semblante emburrado.

  - Você vai ver Lorde das Trevas, dessa vez eu irei ganhar! - Mas eu não ganhei, nem dessa, nem da outra e nem da outra vez que jogamos, e foi assim pelo resto da tarde.

  - Ok, eu aceito a minha derrota, Oh grande Rei Fantasma, matador de Minos⁵ e Licaon⁶. - Falei em um tom dramático, ele soltou mais uma gargalhada e isso foi o suficiente para o meu coração falhar por um momento e o ar se extinguir de meus pulmões.

  Eu até enrubesci! Ok, isso já está saindo do controle.

  Eu não sou burro, sei o que todos esses sentimentos que veem tomando conta de mim desde antes da batalha contra Gaia representam.

  Só não sei o que fazer ou como lidar com isso.

  - Tudo bem Will, terei clemência com a sua pobre alma. - Ele se deitou de frente para a janela e fechou os olhos.

  O fitei por alguns momentos. Era tão belo, aqueles cabelos negros em contraste com a pele pálida. Só de fitá-lo eu já consigo pensar em escrever inúmeros poemas e músicas apenas o descrevendo.

  A pele dele parecia brilhar como mármore ao entrar em contato com a luz do sol, assim como parecia se misturar as sombras quando estava no escuro.

  Em meio a meus devaneios, ele passou a língua por entre os lábios umedecendo-os o que fez meu estômago revirar e um enorme ímpeto de beijá-lo tomar conta de mim.

Mas não o fiz, apesar de já sentir aquilo como uma necessidade.

  Apenas me deitei ao lado dele e fechei meus olhos também, aproveitando a sensação dos últimos raios de sol em minha pele.

  - Nico?

  - Sim, Will.

  - Lembra quando eu disse que mudaria o fato de você se sentar sozinho durante as refeições?

  - Lembro, porém você não me explicou como pretende fazer isso. - Ele se virou de frente para mim, enquanto eu fazia o mesmo ficando  de frente para o outro.

  - Bem, eu estava pensando... Você poderia invocar alguns zumbis e fazer com que eles andem por ai hoje durante o jantar, e também amanhã no café da manhã e almoço, apenas para assustar alguns campistas...

  - E como exatamente, isso vai me ajudar a não sentar sozinho?

  - Podemos dizer a Quíron que são problemas de humor, e que se você se sentar com outras pessoas, no caso eu e meus irmãos, esses pequenos "acidentes" poderiam parar de ocorrer
– Eu disse com um sorriso arteiro nos lábios, acredito que todo meio sangue é super a favor de uma dose de caos.

  Ele me examinou minuciosamente e deu um sorriso de lado. Deuses aquilo foi lindo.

  Eu acho que minha quedinha por Nico di Angelo tinha se tornado um penhasco, ou talvez eu já estivesse em queda livre há muito tempo.

  - Que coisa feia, Raio de Sol, querendo assustar seus companheiros. Acho que gosto do seu lado sombrio.

  - Raio de Sol? - Perguntei quase engasgando no processo.

  - Se você pode me chamar de "Rei Fantasma" e "Lorde das Trevas" acho que tenho o direito de te dar um apelido também. - Eu o encarei e ele sustentou o meu olhar pela primeira vez.

  Não sei por quanto tempo me perdi no brilho de seus olhos negros, eles eram tão diferentes e profundos, como se fossem apenas obra da minha imaginação. Para falar verdade nada em Nico parecia normal.

  Parei de fitar seus olhos apenas quando ele se levantou subitamente respirando fundo e passando as mãos entre os fios de seus cabelos negros.

  Não entendi muito bem o que aconteceu, mas soltei devagar o ar que nem sabia que estava segurando.

  - Vamos, Raio de Sol, acho que está na hora de colocarmos seu plano em ação. - Eu ainda não repirava direito e estava um pouco tonto, mas mesmo assim o segui disfarçando meu embaraço da melhor forma que conseguia.

☀️☀️☀️

Tártaro¹: Ele é a personificação de um dos Deuses primordiais. Assim como Gaia é a representação da Terra e Urano a do Céu, Tártaro é a representação do Mundo Inferior, sendo também uma prisão para punir os Titãs, Monstros e Inimigos do Olimpo.

Équidina²:  É um monstro com a parte acima do tronco de uma bela mulher e com cauda de serpente no lugar dos membros.

Talos³: Um autômato de bronze quase  invulnerável criado por Hefesto,  Bianca Di Angelo luta contra ele em A Maldição do Titã e acaba morrendo para salvar seus amigos.

Mantícora⁴: É um montro com cabeça de homem, três fileiras de dentes de tubarão, corpo de leão, olhos de três cores diferentes e cauda de escorpião ou dragão com o qual pode disparar espinhos venenosos.

Minos⁵: É um semideus filho de Zeus com a princesa Europa, ele é um dos juízes do mundo inferior. Em 'A Batalha do Labirinto' o fantasma de Minos tenta manipular Nico e acaba o ensino como usar seus poderes infernais, porém Nico descobre suas intenções e o bane para o Mundo Inferior e tomando o título de Rei Fantasma.

Licáon⁶: Foi o Rei de Arcádia e era muito amado por seu povo, mas sua paixão pela religiosidade o fez cometer sacrifícios humanos, desaprovando os atos de Licáon, Zeus o transformou em lobo. Em 'O Sangue do Olimpo' Nico é perseguido pela matilha de Licáon e acaba o matando.