Alexia
Quando voltei para o balcão ele não estava mais lá, tinha sumido e levado minha consciência junto. A única coisa que eu conseguia pensar era em suas palavras, e o jeito como ele me encarava. Eu tinha trocado os pedidos duas vezes, servido rum ao invés de gim e tropeçado todas as vezes em que eu trocava de lado no balcão, aquele homem atrapalhou meus pensamentos até o fim do dia.
O bar estava praticamente vazio, alguns homens pareciam ter morrido nas mesas mas aos poucos as mulheres vinham buscá-los.
— Alexia, minha flor, você já devia estar em casa. — Mike, o dono do bar, e amigo do meu pai, se debruçou no balcão. — Aqui, leva o rum, você trabalhou bem mais que o necessário. — me deu a garrafa, pela metade.
— Eu já estava indo mesmo, obrigada Mike. — sorri e segurei a garrafa.
Fora do bar, a noite estava quente e o céu brilhava cheio de estrelas. Eu conseguia escutar o barulho de algumas pessoas conversando dispersas enquanto eu caminhava para casa.
— Senhorita! — me surpreendi com a voz masculina tão perto de mim, quase deixei a garrafa cair.
— Você de novo? Estou começando a achar que está me perseguindo.
Aquele maldito homem ficava ainda mais bonito de noite, as luzes iluminando apenas parte de seu rosto.
— Não vim criar problemas. — ele suspirou profundamente. — Eu quero me desculpar, sei que minhas palavras te ofenderam.
Revirei os olhos.
— Não foram suas palavras que me ofenderam, foi seu tom que o fez, não sou algum objeto qualquer para que se refira a mim daquela forma.
— Sei, te tratei de forma errada, não te respeitei, só vim me desculpar.
Fiquei estagnada, sem saber o que dizer, eu não o conhecia mas eu não esperava essa atitude vinda de um baleeiro. Eles eram orgulhosos demais para pedir desculpas.
— O Senhor ficou aqui fora esse tempo todo? — foi a única coisa em que consegui pensar.
Ele franziu o cenho.
— Não, isso não vem ao caso.
Pensei por um instante. Acabei me lembrando de James e o que eu tinha prometido para ele mais cedo.
— Realmente o senhor me tratou de forma grotesca, mas aceito suas desculpas.
— Aceita?
— Se fizer um favor, fiquei devendo para o meu irmão uma conversa com um baleeiro. — dei de ombros.
— Eu sou baleeiro, posso conversar com ele. — falou o óbvio.
— Tem certeza? Você não está ocupado? Não tem um navio para ancorar ou sabe-se lá o que? — continuei a caminhar, agora ao lado dele.
— Assim você me ofende. — ele levou a mão ao peito me fazendo sorrir. — Pode dizer...
— Dizer? — virei o rosto sutilmente em sua direção, enquanto caminhávamos despreocupados.
— Até imagino as coisas que a senhorita deve pensar sobre mim, deve achar que sou um brutamontes sem educação alguma, admita.
Encarei a paisagem por um minuto, já podia ouvir o barulho das ondas quebrando.
— Tem razão, acho o senhor uma criatura autossuficiente.
— Autossuficiente? — ele franziu o cenho.
Eu não sabia se ele estava irritado ou apenas se divertindo.
— Sem dúvidas, é um homem muito cheio de si, e homens assim só se importam consigo mesmos.
— Algumas pessoas já me disseram que isso é uma qualidade. — retrucou orgulhoso, tive que revirar os olhos.
— Ignorância nunca foi uma qualidade.
— Mas pode ajudar se o seu trabalho exige pulso firme.
— É um trabalho superestimado. — Dei de ombros.
— Não é um trabalho fácil, vivemos em perigo.
— Porque querem, vocês gostam do perigo.
Ele parou bruscamente e cruzou os braços.
— Muitos desses baleeiros têm família para sustentar, estar em perigo é a única opção deles.
Suspirei, arrependida do que disse, era óbvio que aqueles homens também tinham vida fora dos mares e eu acabara de as menosprezar.
— Eu devia saber, sinto muito.
Ele voltou a caminhar, calmamente, mas não falou mais nada tão pouco eu.
Só quando chegamos nas casas à beira mar me pronunciei.
— Bom, fique aí, vou chamar meu irmão.
Subi as escadas de casa e corri até o quarto de James.
— Jay, tenho uma surpresa!
Ele estava contando conchas de um pote.
— Eu sou criança, Lexi, não pode me embebedar. — ele olhou para a garrafa em minha mão.
— Não é isso, menino, vem logo!
Ele me seguiu e quando chegamos do lado de fora o baleeiro estava parado na areia, cheio de si. Meu coração voltou a bater normalmente.
A verdade era que eu estava com medo que ele tivesse ido embora depois do que eu falei, seria uma grande decepção para Jay se ele saísse e não tivesse ninguém lá fora. Mas novamente eu me enganei, aquele homem era mais honrado do que parecia. Os olhos de Jay brilharam.
— Nossa, o senhor é muito grande. — o pequeno olhou para cima, torcendo o pescoço mais que o necessário. — Qual seu nome?
O homem riu.
— Capitão Bieber. — respondeu.
Revirei os olhos no mesmo instante. Ele percebeu minha cara e reformulou a resposta rapidamente.
— Ou melhor, só Bieber.
Jay, todo animado, bateu continência.
— Capitão!
— Não, só Bieber.
— Capitão! — insistiu Jay.
O baleeiro bateu continência também.
— O Senhor pode me ensinar a matar baleia? — Jay não parava de pular.
— Não está tarde?
— Eu aprendo rápido!
— Certo, o primeiro a fazer é posicionar o arpão, você avista a baleia...
— Não, não, não, vocês já passaram dos limites. — interrompi, antes que Jay sonhasse com o que viria a seguir. — Está tarde, Jay precisa dormir.
— Mas ele ia me ensinar!
— Outro dia.
O menino olhou esperançoso para o homem.
— Ela está certa, vá dormir, para que eu possa te ensinar amanhã.
— Obrigado, Capitão! Ual, Lexi, ninguém na escola vai acreditar quando eu contar que o Capitão vai me ensinar a caçar baleia!
— Então vá dormir, para contar para eles amanhã. — sorri.
Jay abraçou minhas pernas e correu para dentro de casa.
O silêncio pairou no ar quando ele voltou para casa. O mar estava calmo, e a luz da lua refletia no horizonte. Não havia um vento sequer.
— Quantos anos tem seu irmão? — cortou o silêncio.
— Doze.
E o silêncio voltou.
— Capitão? — perguntei, curiosa.
Ele deu de ombros.
— Não sou o capitão, propriamente dito, sou primeiro imediato. — deu de ombros.
— Não sei o que significa, mas de acordo com essas medalhas, suponho que seja importante. — apontei para os pequenos anéis de ouro pendurados em um cordão no seu pescoço.
— Você é observadora. — ele sorriu. — Sou eu quem dou as ordens depois que elas passam pelo capitão. Faço as coisas acontecerem. Esses são anéis de honra. — segurou orgulhoso os três anéis.
Dei de ombros.
— Não se gabe tanto, Capitão, existem muitos homens honrosos nessa Ilha que não ganham nada por isso. — revirei os olhos.
— Aposto que existem.
— É claro que sim, mas vocês baleeiros ganham medalhas apenas por respirar não é mesmo?
— Certo, senhorita, vejo que você tem um problema com meu ofício. — ele cruzou os braços novamente, percebi que fazia isso quando ficava irritado. — Quer falar sobre isso?
— Definitivamente não com o senhor.
— Fiquei intrigado, por quê tanto ódio?
Suspirei, eu não tinha nada a esconder.
— Se quer tanto saber, nós, em Calahans, estamos recebendo visitas de vocês baleeiros a cinco anos, tempo suficiente pra perceber o estrago que vocês fazem em cada lugar que pisam. Sem contar que os senhores acham que o cargo de honra de vocês desvaloriza qualquer outro trabalho, são mal educados, arruaceiros, cafajestes...
— Já entendi. — ele pensou por um segundo mas logo cortou o silêncio. — Baleeiros são mal compreendidos, não somos mal educados, só passamos tempo demais nos mares, e as vezes alguns de nós esquecemos de como tratar bem as pessoas, não somos cafajestes, mas não temos tempo para diversão ou para o amor, nosso amor é o Oceano.
— Entendo...
— Só não quero que a senhorita tenha uma visão errada sobre questões como essa, se quiser podemos começar de novo, e a senhorita pode olhar para mim com um pouco menos de raiva. — sugeriu.
Desviei o olhar para o mar. E demorei um tempo para encara-lo novamente.
— É, acho que podemos tentar de novo. — ele abriu um sorriso discreto, meio escondido.
— Certo, é um começo.
— Prazer, Alexia.
Ele sorriu abertamente, seus dentes brilhando no escuro da noite. Era bonito, não tinha como negar.
— O prazer é todo meu! — ele fez menção de pegar minha mão para beijá-la mas a recolhi rapidamente, um pouco assustada.
— Não exagere!
Seu sorriso se tornou mais largo ainda.
O silêncio voltou a se instalar, constrangedor. Apenas me virei e caminhei em direção à casa.
— Não há de quê! — ele falou mais alto para que eu o escutasse.
— Pois não?
— Por ter vindo aqui, falado com seu irmão, não há de quê.
Pensei bem, encarei a garrafa em minhas mãos, voltei e a entreguei a ele.
— Leve, como agradecimento.
Ele pegou, desconfiado.
— Não tem veneno aqui dentro, tem?
— Não. — sorri.
— Como vou saber se é verdade?
Dei de ombros.
— Dê um voto de confiança, afinal acabamos de combinar que eu não te odiaria mais que o necessário.
— Podemos beber juntos, para que eu me certifique.
Suspirei.
— Repito, não exagere.
Ele gargalhou.
— Certo, certo, vou embora então. — ele se afastou um passo.
— Boa noite, Capitão!
— Justin.
— Boa noite, Justin.
— Boa noite, Alexia! — ele se virou e voltou por onde viemos.
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