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História Túmulo de Sangue - Ao som de um coração mortal


Escrita por: Caus

Notas do Autor


Um capítulo especialmente sangrento. Espero que goste.

Capítulo 5 - Ao som de um coração mortal


O restaurante era bonito, com boa mobília, empregados bem vestidos e uma banda de MPB tocando ao fundo. Arthur e Alice pediram vinho, Issac e Tatiane pediram uísque, e a conversa seguia, enquanto analisavam o menu. Issac estava bastante satisfeito com o desenrolar dos acontecimentos. Quando foi buscar sua isca em casa (que é a forma como ele pensava em Tatiane), esperava encontrar a Alice, mas nunca imaginava ter a chance de estar na mesma mesa que seu alvo, ao menos não tão cedo.

— Já que vamos todos sair, por que não irmos em grupo? — questionou Issac, para uma Alice com o pé atrás.

— Vamos, miga. Ajuda que eu tô meio insegura com ele, por ser do tipo intelectual. — sussurrou Tati. — Juntos o papo rola mais fácil, e fico te devendo, vai?

— Sabe que isso significa mais um mês como minha empregada, não é?

— Sei que você é uma aproveitadora, isso sim.

E nesses termos, Alice foi convencida.

O encontro dos dois homens se limitou a um aperto de mãos seguido de um comentário educado. E após cada casal chegar ao local em seu próprio carro, dividiram a mesa, o jantar e a atenção. Issac observava Arthur, aquela criatura sobrenatural que demonstrava um estranho interesse naquela bela e frágil jovem. Ele já viu isso antes, Arthur seduzindo mulheres parecidas com ela, mas a diversão do monstro nunca foi além de uma noite. Sedução e prazer, não relacionamento. Vê-lo mantendo uma “relação normal” com sua ex-terapeuta, foi algo que instigou sobremaneira sua curiosidade, e o fez decidir entrar em cena. Se ele tinha agora uma fraqueza, Issac se aproveitaria dela, sem dúvida alguma.

Ele analisava o grupo incomum: seu alvo vestia um conjunto social preto, andava com elegância e uma das mãos no bolso, parecendo sempre atento. Alice vestia um conjunto social vermelho, com um belo colar em forma de cruz — irônico, pensou ele — e joias menores. A atração dela pelo predador era visível em seus olhos, e estava sendo cuidadosa ao falar com Issac, para evitar o surgimento de algum assunto referente a sua antiga terapia. Quanto a Tatiane, usava um vestido vinho ousado e brincos de argola, parecia ansiosa e se esforçava para fazer comentários nos momentos certos, para agradá-lo. Útil, sem dúvida, e de várias formas, concluiu ele.

— Sabiam que o Issac é antropólogo? — Tati perguntou.

Como Alice não podia dizer que sim, que sabia disso e de mais coisas do que provavelmente a própria amiga sabia, aguardou que Arthur se manifestasse.

— Nunca conheci um antropólogo, é focado em alguma cultura específica?

— De fato, meu mestrado é em cultura judaica.

— Um mestre entre nós. — disse a psicóloga morena, e funcionária pública.

— Tenho muita admiração pelos judeus, um povo que sofreu tanto, e mesmo assim conquistou tantas coisas. — disse o vampiro, após agradecer ao garçom por seu prato.

— A Psicologia em si deve muito ao seu povo, afinal, Sigmund Freud, pai da Psicanálise, era judeu. — emendou, a psicoterpeuta.

— Isso me lembra uma piada.

Quando Tati disse isso, Alice congelou! Imaginava se a amiga seria desmiolada o bastante para fazer piadas sobre judeus serem mãos de vaca. Mas para seu alívio, a frase foi a seguinte:

— Quem foram os cinco judeus que mudaram o mundo? — após os demais desistirem de adivinhar, ela prosseguiu com a frase. — Moisés, quando disse: "a Lei é Tudo”; Jesus, quando disse: "o Amor é Tudo"; Marx, quando disse: "o Capital é Tudo"; e Freud, quando disse: "O Sexo é Tudo". Mas então, veio Einstein e ferrou com tudo, quando disse: "Tudo é relativo".

Todos riram, e o judeu do grupo a recompensou com um beijo suave, sussurrando:

— Andou fazendo bem o dever de casa, hein?

A verdade é que ele sentia uma grande graça ao pensar sobre aquilo, duas ovelhas jantando entre lobos. Sim, pois o vampiro estava longe de ser a única pessoa perigosa ali, e ele estava especialmente feliz em lembrar disso. Issac era perigoso, mas de um modo diferente. Seu próprio modo.

...

Seis messes atrás.

Em um quarto alugado e de péssima qualidade, um homem negro, de cabelo curto, cavanhaque e tatuagens tribais sobre o tronco, dormia. Ao alcance do corpo, jazia uma pistola de grosso calibre, cigarros e garrafas de cerveja barata, do tipo certo para fazê-lo suportar a vida que levava. De repente, um som na fechadura cortou o silêncio. Ele abriu os olhos, assustado, estendendo a mão para a arma por puro reflexo. Com sua rotina de caça às criaturas noturnas, estava acostumado a passar noites em claro e depois beber até cair no sono. O que poderia vir atrás dele pela manhã, se perguntava? Mal teve tempo de pegar a arma, viu um vulto avançando pela porta recém-aberta. O quarto estava escuro, e tudo que conseguiu discernir foi uma figura usando uma toca, além de roupas grossas e escuras.

Ele atirou uma, duas vezes, mas ignorando os tiros recebidos, o estranho simplesmente se lançou contra ele, ambos se chocando contra a parede. O invasor era forte, e as tentativas de se desvencilhar dele não pareciam ter resultado. Os ossos de Vitor doíam, seu suor escorria farto e por mais que tentasse, não conseguia livrar a mão da arma para dar um fim à luta. Foi preciso técnica e paciência para encontrar uma chance de escapar daquilo. Respirando já com dificuldade, o caçador aproveitou a abertura de guarda do mascarado ao tentar lhe acertar um murro, escorregando para baixo e afastando-o com os pés. Ainda do chão, Vitor descarregou a arma sobre seu agressor, acertando uma série de tiros a queima-roupa. O último tiro atingiu em cheio a cabeça do misterioso inimigo! O caçador suspirou aliviado, pois fosse o invasor humano ou não, isso lhe daria tempo de usar a estaca na gaveta e dar um fim ao maldito. E com uma estaca de madeira bem encravada no peito, não havia nada que fosse capaz de se levantar de novo. Nada.

Com a estaca já em mãos e as luzes acessas, encarou o invasor, de joelhos e abalado. O tiro deixou um buraco na altura da nuca, e sob a luz e sem o capuz preto, pôde contemplar uma face sem emoção, olhos vazios. Escrito na testa, palavras em uma língua que ele não compreendia, parecendo ter sido feitas a faca, e interrompidas pelo tiro.  

— Que merda é você? — perguntou um caçador experiente, enquanto empurrava o monstro de costas no chão e encravava uma estaca em cheio no coração da vítima.

Após alguns minutos observando o corpo inerte, o homem acendeu um cigarro, tentando pensar na melhor forma de resolver aquele problema inesperado. Em como se livrar do corpo e sumir de lá antes que alguém viesse investigar a origem dos tiros. Mas sem que se desse conta, e contrariando tudo o que pensava saber sobre o mundo, algo se ergueu daquele chão banhado em sangue. Um corpo estaqueado apertou com força inumana a mão com que o caçador segurava a arma, até tirá-la dele e quebrar seu braço, deixando os ossos à mostra! Enquanto gemia de dor, Vitor observava aquela face sinistra o encarando, as letras na testa parecendo sangrar. Um murro atingiu seu rosto, seguido de outros, muitos outros. As mãos do sujeito eram duras e pesadas, fortes como as de um vampiro.

O homem aos poucos foi perdendo a consciência, mergulhando em um mundo de dor. O massacre terminou com um pé que desceu pesado sobre o peito, o fazendo arfar e cuspir sangue. E então, seu alvo retirou a estaca do próprio peito, a partiu e finalmente seguiu o rumo natural, tombando ao chão. Ferido, derrotado, assustado e semiconsciente, Vitor assistiu a um estranho entrando pela porta do seu quarto. O estranho usava roupas escuras, óculos preto e um chapéu diferente. Quando olhou em seus olhos, percebeu um certo brilho, e um terrível sorriso no rosto.

...

Issac se alegrou ao lembrar que aquele mesmo homem o aguardava do lado de fora. Usando um conjunto jeans e uma boina, preparado para agir, caso fosse necessário. Aquela era uma noite de apresentações, uma diversão inesperada... pois a verdadeira caçada começaria depois. Mas isso não era motivo para ser descuidado.

A conversa seguiu sobre a cultura judaica e o Estado de Israel, depois mudando para o Brasil e sua fundação, assuntos sobre os quais Arthur demonstrou conhecimentos muito acima do esperado para alguém sem formação em história.

— Infelizmente ainda é pouco difundida essa informação, senhor Castro. — prosseguiu o antropólogo. — Que grande parte do nosso povo descende diretamente de judeus, sem que saibam disso. É fato comprovado que muitos dos portugueses que desembarcaram aqui eram judeus fugidos da perseguição na Europa, e que por mais que a maioria tenha mudado de sobrenome e adotado os costumes cristãos, seu sangue e cultura estão presentes aqui até o dia de hoje. A própria lista da Inquisição no Brasil comprova isso.

— Infelizmente a religião é capaz de fazer tanto mal quanto bem, e esse é um pecado que nós cristãos teremos sempre que carregar. — confessou, Arthur.

— Nossa, fiquei impressionada agora. — falou, Alice, positivamente surpresa. — Tem certeza que não é formado?

Tati demonstrava a mesma surpresa, embora bem menos entusiasmada pelo assunto em que os dois homens se aprofundavam. Arthur apenas sorriu, se limitando a dizer que era um ávido leitor.

— Mais do que isso, você, Arthur, fala de coisas do passado com muita propriedade, não como um estudioso apenas, mas como se fosse alguém que realmente viveu nesse tempo. É raro encontrar alguém assim. — raro, sem dúvida alguma, pensava o antropólogo, enquanto observava sua acompanhante mastigar um bife malpassado, praticamente pingando sangue. Uma provocação e uma isca. Ele achou engraçado como ela pôde ser útil até sem querer.

As palavras do professor e a imagem do sangue, ambas mexiam com ele, e Arthur não conseguiu evitar um mergulho no passado. Algo cada vez mais comum, desde que encontrou Alice. Desde que reencontrou sua amada Aurora.

...

Foram semanas a fio perseguindo o rastro daqueles homens. Arthur se via limitado a vagar na noite, tendo pouco tempo disponível para encontrar homens que tinham todo tempo sob o sol para agir, as vezes até mesmo dormindo pouco ou nada. Ele, que logo aprendeu o horror que a luz do dia causava a seu corpo ressurgido, avançava quando todos dormiam, o que nem sempre faziam. A Bandeira se tornou muito mais brutal sob a liderança de Vicente, isso ficou muito claro pelas evidências que encontrou pelo caminho. O ataque a aldeias jesuítas, a chacina, estupro, captura e venda de índios como escravos se tornou a regra, algo que ele fez o possível para evitar, enquanto esteve à frente daquela. Sua última missão a frente deles, foi para combater tribos hostis, mas aqueles homens queriam bem mais que isso. Queriam lucro alto, mesmo que ao preço de suas consciências. Não à toa, tantos de seus homens se dispuseram a seguir seu subordinado mais eloquente, e então traí-lo. Reprimir os instintos dos homens era uma batalha difícil, ingrata. Algo contra o qual ele perdeu em vida...e agora perdia na morte.

   Os barracões recém-construídos eram seu objetivo, o lugar em que os traidores descansavam e se alegravam. Um dos locais, maior e de melhor qualidade, lhe chamou a atenção. O lar do capitão, com certeza. O barulho de cantorias e farra podia ser ouvido a distância, assim como o cheiro do álcool português e do fumo indígena. Havia homens de guarda em um ou outro posto, para além dos batedores que já matara, índios convertidos e educados na Vila. Arthur não queria chamar atenção desnecessária, por isso os ignorava, confiante em suas próprias habilidades de passar despercebido. Movendo-se rápido como um gato, ele avançou em direção as vozes, como um predador em seu próprio território. O cômodo era grande, possuindo três divisas: uma em cada lateral, e uma última maior, no fim do corredor. O ex-capitão entrou, e já vestido com as roupas de sua última vítima. Como um deles.

Lá dentro, quatro rapazes, um deles com uma indígena nua no colo, os outros dividindo uma jarra com bebida forte. Provavelmente estavam revezando a pobre garota, que parecia assustada e com o lábio ferido. No centro de tudo, vestido e armado estava Vicente, expressão furiosa enquanto discutia com um soldado mestiço, que parecia lhe dar notícias desagradáveis. Aliás, era visível a degradação daquela Bandeira, cujos cadáveres serviam de trilha para um fantasma como ele. Vicente era traiçoeiro, canastrão e teimoso como uma mula, suas ações impensadas resultavam em rachas internos e missões fracassadas. Pelo que Arthur observava, seus índios flecheiros já eram quase inexistentes, a munição e mantimentos eram escassos e o Capelão estava morto, coisa que diminuía a moral dos homens, que passavam a temer mais a morte sem alguém para lhes garantir a extrema-unção. Alguns homens claramente morreram brigando entre si, e seus números já tinham sido reduzidos a menos da metade. Logo, logo, se fragmentariam ainda mais. Infelizmente para Vicente, Arthur não estava disposto a deixar o tempo demonstrar sua incapacidade...seu castigo seria ainda naquela noite.

O morto que andava fez questão de abrir o uniforme antes de entrar. Ele queria que vissem seu corpo curado, queria ver o terror nos olhos deles. O primeiro a morrer foi o que abusava da garota. Sem sangramento, só um movimento rápido com as mãos e o corpo dele caiu, seu pescoço torcido. O grito da menina chamou a atenção dos presentes, e logo aquela cena bizarra lhes fez se dar conta do autor daquilo. Do seu antigo capitão, o homem a quem traíram e mataram. Um homem que estava vivo, e os olhava com desprezo.

 Vicente olhava incrédulo, sem conseguir tomar qualquer atitude com relação aquilo. O jovem a quem ele repreendia correu em direção à saída, mas não chegou até ela. Em um movimento o monstro caiu sobre ele, encravando seus dentes com violência e destroçando o pescoço de alguém sem tempo de gritar ou reagir. Aqueles homens que até o momento se encaravam assustados, entraram em pânico! 

— Para traidores, a morte. — as primeiras palavras que ouviram de Arthur, e para alguns, as últimas.  

Vicente finalmente pegou a espingarda, a colocando entre si e o fantasma que voltou para atormentá-lo. Ele assobiou, e dos quatro homens, três começaram a rodear seu algoz, enquanto o quarto deles se pôs a rezar, trêmulo. Tiago, um jovem de chapéu, olhos pequenos e músculos, foi o primeiro a tentar algo. Sempre foi um dos mais corajosos, Arthur lembrou enquanto desviava do facão, agarrava sua cabeça e a batia violentamente contra o chão de terra. A imagem do crânio se partindo foi o suficiente para que Mario, o “devoto”, pusesse o que bebeu para fora, sujando os joelhos dobrados. Vicente atirou, atingindo o coração do demônio! Já exibia um sorriso aliviado, quando percebeu que o homem que matara pela segunda vez não caia. O ex-capitão o encarou, sério, sequer capaz de sorrir para aquele homem. Os outros dois tentavam flanqueá-lo, confiando no ataque conjunto de suas espadas, acostumados a lutar em parceria. Alves e Paulo, dois antigos matadores reconhecidos e temidos. Para o caçador, a oportunidade que esperava.

O vampiro avançou como um animal faminto. Alves, que era o maior dentre os dois, forjou um ataque direto para que Paulo pudesse encravar sua espada de surpresa, no tronco do assassino dos seus. O menor tinha uma boa esgrima, além de bons reflexos, graças a isso encravou sua espada com toda força no peito ainda fumacento de seu antigo capitão. Arthur apenas o encarou, seu olhar de desprezo quebrando o espírito do adversário, que gritou horrorizado ao contemplar a face do monstro de olhos vermelhos! Derrubando a espada e caindo de costas no chão, ele se esforçava para sacar sua faca da bota rapidamente. Quando olhou para o rosto do monstro, viu apenas morte.

Em meio ao combate outros homens entravam no cômodo, atraídos pelo barulho. Porém o que se seguiu, foi uma melodia fúnebre, composta de grito e tiros. As armas disparavam repetidamente, espadas, arcos, facões e lanças foram erguidos, antes que homens assustados decidissem que não valia a pena morrer nas mãos de um demônio saído do inferno, apenas para salvar um capitão que jamais faria o mesmo por qualquer deles. Vários tiros atingiram o corpo do predador, que resistiu ao poder das balas. Não apenas isso, mas se recuperava de seus efeitos nocivos e mortais, como se estivesse proibido, por um Deus ou Diabo, de morrer.

No rosto dos ainda vivos, surpresa e medo que não causavam compaixão. “Eles merecem”, o demônio pensava enquanto encravava os dentes no pescoço de suas vítimas, e a sede de sangue, vingança e morte não o deixava pensar em mais nada. O sangue quente e delicioso tornava o morto-vivo mais forte, mais humano, atento e consciente do que ocorria ao seu redor. Naquele quarto de morte, apenas três pessoas permaneciam vivas: Mario, que permaneceu rezando entre lágrimas; a índia, que tapava os ouvidos para escapar do barulho dos tiros, seus olhos teimando em se fechar enquanto repetia palavras em Tupi, usadas para se referir a espíritos maus; e por fim, Vicente, que se colocou atrás da menina, com a espada no pescoço dela.  

— Rezar não irá salvá-lo agora. — Arthur sussurrou para um homem que se urinava de medo, o encarando com olhos arregalados. — Rezar não salva ninguém.

Dito isso, o vingador encravou sua mão dentro do peito do homem, destroçando o que quer que houvesse lá, juntamente com suas esperanças. Em um mar de corpos dentro e fora do quarto, sangue e buracos de pólvora, um homem assustado e suando frio usava a única arma que ainda possuía contra o demônio banhado em sangue: a barganha. Com olhos vermelhos e presas expostas, Arthur o encarava como uma onça diante de um porco, gordo e lento.

— Sei o que fiz, Capitão, e não ache que pedirei perdão por isso. — disse ele, sua raiva superando o medo.  

— Realmente, pensei que pediria.

O homem levantou a garota pelos cabelos, apontando a espada para o ventre da mesma.

— Tu não pôde salvar tua mulher, sei que sofres por isso. — falou, olhando nos olhos do homem que o deixou por último. — Não sei como é que tu voltou, se foi por obra de Deus ou de um trato com o Capeta, mas essa é tua chance, homem. A chance de fazer o que não conseguiu antes. A chance de salvar uma mulher que precisa de ti.

O capitão abandonado começou a andar usando a garota como escudo, na esperança da jogada ser boa o suficiente. Na esperança de sobreviver. Arthur não respondia, simplesmente caminhava em sua direção.

— Vai deixa-la morrer, Capitão? Jura que vai matar tua última chance de honrar a memória de tua esposa? — os passos continuavam encurtando a distância que os separava. — Quer que eu mate ela, é isso que tu quer!?

Vicente gritou de frustração enquanto enfiava a lâmina no peito de uma menina assustada, liberta do abuso apenas através da morte. Ele olhou para o homem que conheceu, percebendo que de fato o que se levantou, era algo diferente.

— Só ela importava. — Artur sussurrou. — Só ela importa.

Tudo se resumiu a um borrão para o homem que foi jogado com fúria contra a parede. O sangue escorrendo farto pela cabeça, o corpo doendo pelo impacto contra a madeira. Pós cair de face ao chão, sentiu uma dor alucinante na mão esquerda, notando um pé esmagando seus dedos até quebrá-los.

Ele rilhava os dentes e chorava, de raiva e dor, até que seu algoz o levantou pelo pescoço com uma só mão e, com força sobre-humana, começou a enforcá-lo.

— Por tua culpa, perdi tudo o que de mais precioso já tive.  — suas palavras, uma sentença de morte. — Essas mãos que hoje só trazem morte, jamais poderão tocá-la de novo.

Ele observava a vida se esvaindo daquele homem, forte e resiliente, que se debatia inutilmente e com olhos chorosos. Então o largou, deixando-o cair de joelhos, tossindo sem parar. Arthur caminhava pelo ambiente, os únicos sons, seus passos e um homem buscando desesperadamente por ar. Quando retornou, trouxe uma corda em uma mão, e uma pistola na outra.

— Forca ou chumbo, como preferes morrer, meu bom Capitão? — perguntou a um homem enfraquecido, mas que ainda sorriu ao ouvir essas palavras.

— Não cairei nessa, desgraçado. Eu escolho a faca! — Vicente o encarou, sorrindo em desafio.   

— Imaginei que diria isso. — foram as palavras de Arthur, pegando uma grande jarra e derramando seu espesso líquido sobre ele. — Por isso, providenciei o óleo...e o fogo.

— ...fogo?

Ele pôde contemplar o horror nos olhos daquele homem, antes confiante. Beber do seu desespero... saboreando o máximo que a vingança poderia lhe proporcionar. E foi sob os gritos de dor de seu antigo executor, que Arthur deixou aquele barracão. O fogo logo se alastrou, até transformar aquele depósito e abrigo numa pilha funerária. O vampiro observava enquanto as chamas se espalhavam pela vegetação nativa, até toda a área se transformar num verdadeiro quadro do inferno, pintado por suas mãos sujas de sangue, numa funesta homenagem a mulher a quem dedicou sua vingança. Uma mulher que não aceitaria jamais tal presente. Uma mulher que jamais o aceitaria como era agora.  Uma mulher a quem jamais veria novamente, fosse nesse mundo, fosse em outro.

...

 Arthur bebia do vinho como quem bebia a uma taça de veneno. O sabor em seus lábios era amargo, amargo como as lembranças que carregava pelos últimos séculos. Contemplou o sorriso de Alice, a maravilhosa flor dourada que encontrou em meio à árida terra sobre a qual andava. Por quanto mais tempo poderia preservá-la? Quanto tempo, até que ela se desfizesse entre seus dedos, manchados de sangue e maldade?

— Tudo bem com você? Parece triste. — ela perguntou, colada em seu ouvido.

Ele sentia a mão dela sobre a sua, o toque gentil e carinhoso que lhe trazia confiança. Beijou suavemente aquelas mãos delicadas, mãos que queria ter sempre perto de si, mãos que ele jamais permitiria que se machucassem...ou sujassem.

Taças foram entornadas e sorrisos trocados, enquanto o professor entretinha sua plateia, discursando sobre mitos.

— No mundo de hoje, é fácil se manter cético, racional e cientificista quando estudamos as lendas e mitos dos nossos antepassados. Mas alguns de nós, loucos ou sábios, acreditam que alguma verdade se esconde por trás daquelas histórias que gelavam espinhas. Percebem que as trevas da noite ainda escondem mistérios e segredos para quem tenha estômago de ir atrás deles. — diante do fascínio da sua acompanhante, e fitando a face do monstro, ele encerra. — Enxergam os fantasmas, pesadelos e demônios que ainda andam entre nós.

Em meio aos sorrisos das duas, e o olhar inquiridor de Arthur, Issac foi surpreendido por uma mão feminina e delicada que pousou sobre seu ombro.

— Poucas vezes ouvi palavras tão verdadeiras. — disse a voz ao seu lado.  

Voz essa que pertencia a uma bela mulher, de olhos castanhos, cabelos cacheados e pele negra, vestido branco e um sorriso maldoso. O antropólogo se virou, surpreso e sem jeito pela atitude dela. Tatiane olhava com ciúmes para a dona daquela mão encostada em seu homem, e Alice se sentia desconfortável, logo se dando conta do quão abalado e surpreso Arthur pareceu ao vê-la.

— Achei você, meu querido. — ela disse, fitando o vampiro com ar de ironia. — Eu lhe disse que ficaríamos sempre juntos, não disse?


Notas Finais


Parece que existe uma outra ameaça ao vampiro para além do misterioso Issac. Preparem-se para descobrir quem el é e do que é capaz. Nos vemos no próximo.


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