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História Túmulo de Sangue - Velhas canções desafinadas


Escrita por: Caus

Capítulo 6 - Velhas canções desafinadas


Horas antes.

Assobiando uma canção romântica, a jovem saiu do banho com uma toalha cobrindo o corpo e outra enrolada na cabeça. Uma gata se espreguiça ao som de uma canção da Marisa Monte, enquanto sua dona usa o secador de cabelo e passa creme hidratante. Desfilando um corpo de belas curvas, passeia nua pelo quarto, seu santuário particular.

Detendo-se diante de um colar em forma de cruz, a garota coloca-o no pescoço, lembrando-se daquele que lhe deu o presente, do beijo intenso que deram na noite da festa, e daquilo que se seguiu, no apartamento dele. Algo que mexeu com ela como nada antes já fizera. Lembra-se do momento em que recebeu a joia, quando o observou caminhar nu até o guarda-roupa, e voltar com algo precioso nas mãos.  

— Quero que fique com isso. — disse ele, então beijando seu pescoço e prendendo um cordão, a deixando arrepiada no processo. — Tenho isso comigo há muito tempo, e gostaria que fosse seu agora. Um pequeno símbolo da nossa união.

— Não acha um pouco cedo para presentes, com apenas uma noite juntos? — perguntou, tocando a pequena cruz forjada a ouro.

— Teremos muitas noites como essa pela frente.  

Ela riu ao notar que ficou levemente ruborizada, e dançou sozinha diante do espelho, se entregando a música. Se perguntava quem seria ele realmente, e como foi capaz de virá-la de ponta-cabeça em um piscar de olhos, capaz de deixá-la totalmente caída em tão pouco tempo.

A gata pulou na janela do quarto, enquanto sua dona observava o próprio corpo, sentindo-se especialmente bonita naquela noite. Alice já teve outros relacionamentos, mas mesmo naqueles em que se viu apaixonada, não sentiu que aquilo teria futuro. Sempre esnobou caras populares ou ricos, procurava motivos para terminar, apenas por não sentir que valia a pena continuar. Por não se sentir pronta para entregar-se de corpo e alma a uma relação. Sentindo-se nervosa, cobriu-se com a toalha, indo lentamente até a janela. Acariciou Fiona, sua maior confidente, e olhou para o céu ensolarado, seu calor aquecendo sua face e coração, enquanto se perguntava:

Por que seria tão simples me entregar a você, como nunca me entreguei a ninguém? Sei tão pouco sobre você, e ainda assim, me sinto incapaz de duvidar, me afastar, me proteger.

Algo em seu coração, contrariando a razão e sensatez, pareceu dizer a ela que não tentasse entender, apenas vivesse o momento. Uma voz suave, distante e familiar.

— Acho que estou ficando louca, Fiona. — disse a garota para uma gata reclamona. — Quem é você, Arthur, capaz de me tirar o chão e a sanidade?

...

De volta ao restaurante.

Sem perceber, Alice levou a mão aquela pequena cruz dourada, presente dele e um símbolo do relacionamento que estavam começando. Como se tentasse buscar segurança em algo físico, perante uma ameaça surgida do nada. Diante dos olhares embasbacados da amiga, surpresos do professor e tensos do seu amado, aquela mulher acabara de dizer que teve algo com ele...quem sabe até mesmo ainda tivesse. Então encarando aqueles olhos castanhos, Alice perguntou:

— Desculpe, você seria...?

— Meu nome é Vanessa, queridinha. Mas a pergun...

— Ninguém importante. — Arthur afirmou, antes que a mulher tivesse tempo de prosseguir. — Alguém que faz parte de um passado que eu prefiro esquecer.

— É assim que trata sua esposa, “Arthur”? — a mulher pareceu se sentir ofendida com as palavras dele, cruzando os braços e os apertando com força. — Aquela com quem você dividiu tanto? Devo dizer nessa mesa as coisas que dividimos, meu querido?

— Eu ouvi direito, ela disse que é sua esposa? — Alice o inquiriu, abalada, até mesmo com medo. Ele não podia tê-la enganado dessa forma, não ele.

Tatiane virou para o lado tentando esconder a surpresa enorme que a noite lhe reservou, seus lábios se movendo sem emitir som, mas formando as palavras que babado. Isaac estava tenso com o imprevisto. Após olhar para uma das vidraças do restaurante, reconhece seu guarda-costas parado diante deles. Uma comprovação de que a penetra tinha a mesma natureza do seu alvo. Ele se preparou perfeitamente para lidar com aquele homem, tinha tudo sobre controle, mas como poderia imaginar que havia uma outra como ele tão perto? Isso mudava tudo.

Arthur se esforçava para manter o controle, manter a calma, pois suas presas já estavam a ponto de se manifestarem, seus olhos começando a ficarem vermelhos, suas mãos, rígidas e trêmulas. Ele sabia que ela estava por perto, principalmente após o bilhete deixado em seu lar. Mas ainda se angustiava imaginando como ela o encontrou, como descobriu sobre Alice, como ousava ameaçar aquilo que foi tão difícil para ele conseguir. De posse do pouco controle que reuniu, respondeu:

— Já fui casado há muito tempo, mas não com ela. — o vampiro ergueu-se da mesa e encarou aquela parte do seu passado que voltou para assombrá-lo, dizendo. — Tivemos uma relação, mas que acabou. Conforme-se, e vá embora!

A raiva dela se traduziu em unhas que se encravaram fundo nos próprios braços, a ponto de sangrar, o que deixou a todos desconfortáveis e apreensivos! Então retirou as mãos, e após um suspiro, sorriu, vencida.

— Estou te esperando lá fora, Arthurzinho. — ela se afastou, não antes de examinar a cada um ali. — Acho melhor não me deixar esperando.

—... que maluca! — Tatiane falou, respirando novamente. E após beber uma taça cheia, comentou para seu acompanhante. — Além de mexer com um, ainda ficou alisando você. Mas que vadia...

A loira observava seu amado, tentando compreender o motivo daquele homem sempre calmo ficar tão abalado, tão tenso. Foi casado? Era incrível o quão pouco ela sabia sobre ele. Arthur sempre fugia das conversas sobre o passado, desconversava, alegava não gostar de falar dele ou que simplesmente era insignificante falar sobre. Afinal, que tipo de coisas ele pode ter feito com aquela mulher, para que pudessem servir como ameaça? Algo sexual, criminoso? Cansada de ficar passiva, decidiu impor seu ritmo ao jogo.

— Agora que a maluca obsessiva já se foi, podemos pensar na sobremesa, não é?

Tati sorriu em apoio, e todos olharam para Arthur, na expectativa.

— Lamento, Alice, mas nosso jantar terá que ficar por aqui. — disse ele, para decepção da sua amada.

O casal que os acompanhava fingiu ignorar o clima pesado que se instalava, enquanto Alice levou a mão novamente a cruz, sua perna tremendo de nervosismo. Arthur evitava encará-la, sabendo o que encontraria naqueles olhos. Ela então apoiou as mãos na mesa, fitando o homem por quem estava perdidamente apaixonada, e o intimando:

— Se você me deixar aqui para ir falar com aquela mulher, que você diz não ser “ninguém importante”, considere tudo acabado entre a gente. — a garota disse isso com o coração apertado, esperançosa de ter uma prova de ser realmente importante para ele, e não só uma diversão.

O silêncio imperou, olhos curiosos observando, daquela mesa e de outras próximas. E após um tempo que pareceu eterno, Arthur abriu as mãos antes cerradas. Calmo, conformado.

— ...eu realmente lamento por isso. — disse o vampiro, enquanto se ergueu, e sem sequer olhar para aqueles olhos intensos, deixou sobre a mesa dinheiro suficiente para cobrir as despesas. — Mas eu preciso ir.

As palavras foram como um punhal encravando com força no peito dela, lenta e inexoravelmente, penetrando carne e sangue. Olhou incrédula para aquele homem se afastando, que ignorava seus sentimentos e sequer teve a dignidade de olhar em seus olhos. Após alguns passos, ele sentiu um pequeno objeto batendo contra si, e o som de metal caindo ao chão. Ele se abaixou, delicadamente apanhando o cordão que deu a ela, o cordão que foi de sua Aurora, e que até agora pertencia a Alice.

— Isso é seu, sinta-se livre para dar a ela... ou a uma próxima. — voz da Alice, cheia de raiva e amargura.

Arthur se afastou, resistindo ao impulso de voltar atrás e salvar aquele amor que agora morria por suas mãos, sob os olhos de curiosidade e censura daqueles que os observavam. Isaac fez um movimento sutil para o estranho da vidraça, que os deixou. Já do lado de fora, aquela bela mulher estava sentada em cima do capô do carro do vampiro, balançando os pés e sorridente.

— Já conseguiu o que queria. — disse ele, abrindo as portas do carro e tentando parecer menos abalado do que realmente estava. — Agora venha comigo, precisamos conversar.    

...

Pouco depois o trio foi embora, Isaac as levando para casa. Alice estava quieta, olhando para o vazio e de braços cruzados. Tatiane foi na frente, silenciosa em respeito a amiga, e Isaac se concentrou na estrada, agradecido pelo silêncio e tentando digerir tudo que aconteceu naquela noite. Não apenas um, mas dois monstros! Para piorar, seu trunfo, que era a garota do banco de trás, poderia estar comprometido. Ele não tinha tempo a perder, precisava colocar a cabeça para funcionar, precisava agir, e rápido.

— Sei que a noite acabou não sendo do jeito que a gente queria, mas... — disse a morena, já sozinha com o acompanhante na frente da casa. Ela deu o melhor beijo que pôde, tentando garantir que apesar dos imprevistos, ele mantivesse o fogo por ela bem acesso. — Minha amiga agora tá precisando de mim, mas prometo que te recompenso na próxima.

— Tenho certeza que vai. — disse ele, realmente tentado a vê-la de novo, apesar de tudo. Afinal, diversão era importante para não surtar com tudo aquilo.

Uma vez em casa, tentou colocar as ideias no lugar.

Em um cômodo bem iluminado, com várias estantes abarrotadas de livros, uma escrivaninha, computador e pilhas de arquivos, ele observava o curioso mural cheio de fotos e pedaços de matérias de jornal. Entre elas, uma coisa em comum: todas se referiam às ações deles. Criaturas como Arthur, ou fosse lá como ele realmente se chamasse. Criaturas como aquela mulher, coisas saídas de pesadelos.

Encaixando as características deles com as dos mitos estrangeiros, fazia todo sentido chamá-los de vampiros. Famosos e cada vez mais amados pela indústria pop, aquelas criaturas se alimentavam de sangue, mas diferente das versões floridas do mito, não bastava apenas beber um pouco dele. Elas necessitam ceifar a vida. Somente matando que eles se mantinham jovens e fortes, e qualquer tentativa de fugir disso, resultava em enfraquecimento, envelhecimento e morte. O professor sabia disso, assim como de muitas outras coisas sobre eles.

Ele assistiu ao homem de boina que o acompanhara no restaurante e depois seguira aos vampiros, descendo as escadas, sem quaisquer sinais de personalidade. Isaac retirou a boina, deixando exposta dessa forma as letras escritas na carne, sua inscrição em hebraico.

— Descanse, meu amigo, pois logo terá um duro trabalho pela frente. — disse, pegando um pano e limpando a lente dos óculos. — O maldito ganhou reforços, agora é nossa vez de conseguirmos o nosso. Hora de equilibrar novamente o jogo.  

...

A garota entrou em casa, e com pés pesados, foi calmamente até o próprio quarto, o trancando no processo. Pôs a mão na direção em que ficava o colar, e abraçando o próprio corpo, liberou as lágrimas contra as quais vinha lutando desde que lançou o objeto fora. Deu vazão enfim aquela enxurrada de dor e agonia, um sentimento que parecia sufocá-la, convertendo-se agora em lágrimas e soluços. 

— Por que, Arthur, por que brincar comigo dessa forma cruel? — falava, para ninguém, enquanto sentia as lágrimas molhando o rosto quente, e todo corpo a tremer. — Pela primeira vez na vida... eu realmente me senti amada, completa! Como se algo que sempre busquei tivesse sido enfim encontrado, como se uma parte perdida do meu coração, fosse recuperada. Eu fechei os olhos e me entreguei, me entreguei a você, mesmo lutando contra meu bom senso e racionalidade, eu acreditei em você!

Seu coração doía, uma dor que não sentia desde que sua mãe falecera, uma dor maior do que jamais imaginou sentir por qualquer homem.

— E então eu pergunto: o que fui para você, Arthur? E por que, por que inferno uma parte de mim quer correr atrás de você, apesar de tudo isso?

...

Arthur e Vanessa chegaram ao apartamento. Durante o caminho não houve conversa, apenas alguns comentários dela que foram ignorados, e enfim a música do rádio preenchendo o lugar das palavras. Agora que chegaram, ela fazia questão de passear pelo ambiente, admirando a decoração e elogiando seu bom gosto.

— Não haja como se fosse sua primeira vez aqui. — disse ele, braços cruzados.

Ela se jogou preguiçosamente no sofá, espreguiçando-se antes de respondê-lo:

— Verdade, já visitei seu cafofo antes. Ficou muito surpreso quando achou meu bilhete?

— O que quer, Vanessa? — questionou, sem paciência.

— O que está rolando entre você e a loirinha do restaurante? Alice, certo? Ela é muito bonita, com aqueles olhos verdes e cheia de vida. Você a dividiria comigo? Seria um ... pequeno símbolo da nossa relação.

Arthur a encarou com olhos de assassino, indo em direção a ela. Seu ódio, algo palpável.

— O que...você...quer? — perguntou novamente, enquanto a olhava de cima, como um predador diante de um desafiante insignificante, mas insistente.

A expressão dela mudou, demonstrando raiva, com lágrimas de sangue começando a se formar, enquanto descia as unhas pelo sofá até rasgá-lo.

— Quero você, é isso que eu quero! — gritou, com presas já a mostra. — É isso que sempre quis, e que você insiste em me negar.

Arthur se aborreceu, virando as costas a ela e andando pela sala.

— Por isso passei os últimos anos atrás de você, por isso segui seu rastro de sangue até achá-lo. — ela parou, mudando o tom de raivoso, para cheio de afeto. — Meu amado Ângelo.

— Eu deixei você, Vanessa, assim como aos outros. Abandonei a todos, isso não lhe diz nada sobre nós? Sobre mim? Considera mesmo digno correr atrás de mim como um cão, vira-lata e faminto?

A mulher ficou furiosa, saltando sobre ele como um animal descontrolado. Ângelo — agora chamado Arthur — a segurando pelos pulsos, os dois, face a face.

— É assim que você me trata? Agora sou um cão, para você? Você trata a mim, sua igual, como a uma cadela inútil, enquanto dá sua joia mais querida a uma branquela mortal? Trepa com ela, preocupasse com ela, sorri para ela... — lágrimas molhavam o rosto e vestido, sua dor fazendo o vampiro afrouxar as mãos das dela.

— E se eu a matasse, Arthur, se bebesse todo o sangue dela. Você sofreria muito?

O monstro a segurou pelo pescoço, suas mãos apertando forte o suficiente para quebrar ossos humanos, seu corpo acima do chão, a pressionando contra o teto.

— Um fio de cabelo dela, uma gota de sangue, um arranhão... — dizia, enquanto demonstrava a face mais feroz que ela já testemunhara daquele homem. — E eu quebro cada osso seu, parto cada pedaço do seu corpo inútil. Faço você entender a quem está ameaçando.

Quando o sangue já começava a sair pela boca da vampira, ele a deixou cair. Ela levou as mãos ao pescoço, sentindo as marcas profundas que foram deixadas. Após um período de silêncio, Vanessa começou a rir incontrolavelmente, deixando Arthur desconcertado.

— Ai, ai, não precisa ficar tão nervoso, é brincadeira! Prometo ficar bem longe dela. Sério, até mesmo pela internet. — a mulata voltou a rir, se apoiando na parede para levantar. — Sentir essa sua aura de assassino novamente, tão intensa, foi... excitante! Sempre te achei muito sexy quando fica zangado.  

Ele exibiu uma expressão desanimada enquanto caminhou até a sacada do prédio. De lá, ouviu o som da voz daquela mulher, daquele fantasma obsceno e maldito.

— Sempre nos divertimos tanto juntos... — disse ela, se escorando ao lado dele. — Garanto que podemos nos divertir muito mais.



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