Daenerys se sentia tonta por estar cercada por tantos rostos desconhecidos e vozes que tentavam chamar sua atenção. Contudo, seus olhos estavam focados em um ponto que estava na mesa oposta à sua, de frente para si; ele conversava com o velho cavaleiro sentado ao seu lado, e parecia alheio ao fato de que estava sendo observado. Os cabelos cacheados eram escuros como as escamas de Drogon e os olhos brilhavam como dois orbes feitos de ônix. Era possível afirmar que ele era o homem mais belo do ambiente e nem as cicatrizes que possuía em seu rosto poderia estragar a harmonia nortenha estampada em sua face. Havia algo nele, algo tão... Familiar. Dany achou ser estranho pensar daquela forma sobre uma pessoa com quem mal trocara poucas palavras, mas não conseguiu encontrar um adjetivo que descrevesse melhor o que sentiu ao vê-lo pela primeira vez – e que continuava sentindo naquele momento.
Instantes depois, o rapaz ajeitou-se sobre a cadeira e encerrou a conversa com o homem ao seu lado e então os seus olhos encontraram-se aos de Daenerys. Encararam-se por uma fração de segundos, mas para ela, pareceu ser uma eternidade. Nunca teve tanta vontade de saber o que se passava na cabeça de um homem quanto tinha naquele momento. Queria descobrir o que o tal Rei pensava e o que planejava naquele encontro, e principalmente porque ele sempre desviava o olhar, sem conseguir encará-la por mais de alguns poucos segundos. Contudo, ela mesma desvencilhou seus olhos de cima de Jon quando viu a garota que sentava ao lado dele colocar sua mão sobre a dele e cochichar algo em seu ouvido. Em um primeiro momento, Daenerys pensou que se tratasse de Sansa Stark, tamanha era a semelhança física e intimidade entre os dois, mas Tyrion lhe explicou que a irmã do bastardo tinha os cabelos ruivos e olhos azuis, muito diferentes da escuridão que coloria a cabeça e a visão daquela jovem.
Um dos criados parou a sua frente e depois de uma rápida reverência com a cabeça, lhe entregou um prato com pão e sal.
― O que é isto? ― ela indagou.
― É o símbolo da lei da hospitalidade, Majestade. ― Tyrion, que estava sentado ao seu lado, respondeu ― É uma lei antiga, trazida à Westeros pelos Primeiros Homens. Assim que ingerir o pão e sal, não poderão fazer nada contra você e lhe protegerão de qualquer ameaça.
― E isto realmente funciona? ― Daenerys arqueou a sobrancelha, desconfiada.
― Bem, não funcionou muito bem para Robb Stark quando foi recebido pelos Frey... ― ele respondeu, cinicamente ― Mas Jon não é o decrépito Walder, e tem tanto apego por sua honra que duvido que tentará lhe fazer mal enquanto estivermos sob seu teto.
― Espero que esteja certo, mas se de qualquer forma tentar fazer alguma coisa, ele sofrerá as consequências, não eu.
Daenerys pegou o pequeno pão e o mergulhou no sal, arrancando-lhe um pedaço com uma mordida. Quando terminou de comê-lo, viu os senhores que seguiam o Rei do Norte levantarem suas taças, sendo imitados pelo próprio rapaz.
― Creio que agora podemos conversar sobre o que a Senhora Targaryen deseja conosco. ― o homem que estava ao lado de Jon anunciou.
― Eu o conheço de algum lugar... ― Tyrion disse ― Você era o braço direito de Stannis Baratheon, não? Fico muito feliz em saber que após a morte daquele carrancudo, encontrou um novo rei para servir.
O homem pôs-se de pé, claramente incomodado pelo que acabara de escutar.
― Sou Davos Seaworth, Lorde Lannister. Nos encontramos na Batalha da Água Negra, quando eu era a Mão do Rei Stannis. Após a sua morte, me juntei a Jon e agora sirvo a Casa Stark. ― ele respondeu, como uma voz séria ― Uma situação melhor que a do senhor, que era o capacho do bastardo concebido entre os seus dois irmãos e virou o assassino do próprio pai... Traiu o próprio sangue e agora serve uma rainha Targaryen, filha da dinastia que sua família esmagou sem dó nem piedade.
Daenerys ficou apreensiva, temendo que aquela discussão se tornasse em uma briga desnecessária. Contudo, seus temores foram afastados assim que viu Jon erguer-se de sua cadeira.
― Não há necessidade de discutirmos este tipo de coisa agora, senhores. ― a voz rouca ecoou pelo salão ― O mais importante é colocar em prática o que nos fez vir até aqui. Dialogar.
Os senhores assentiram e Davos sentou-se novamente, obedecendo ao comando do seu Rei. Jon também voltou a sua cadeira e passeou com os olhos pelo ambiente, parecendo certificar-se de que ninguém tentaria atrapalhar a conversa; após isto, fez um sinal para Daenerys, lhe passando a palavra.
― Quero que os senhores aqui presentes saibam de apenas uma coisa. ― ela levantou-se e ergueu sua voz, falando o mais alto que podia ― Pretendo reaver tudo que um dia foi de minha família. O Trono de Ferro e todos os Sete Reinos!
Um burburinho tomou conta do salão e era possível para Daenerys perceber o impacto do que tinha acabado de dizer. Jon a encarou por um período mais longo que o usual, genuinamente surpreso.
― Escutaram-me bem, senhores. Reconquistarei todos os meus reinos e pretendo começar por aqui. Exijo que Lorde Snow deixe de usar os títulos de Rei do Norte e do Tridente e dobre seus joelhos para mim! Se o fizer, será nomeado o Protetor do Norte, assim como seus ancestrais foram antes dele, além de ser autorizado pela Coroa a usar o nome Stark! E claro, apontarei um novo guardião para as Terras Fluviais. ― ela encarou o rapaz em desafio ― Esta é a única maneira de garantir que ele continue vivo.
O tom das vozes aumentou e era possível detectar a indignação dos lordes que ali estavam presentes. Não seria fácil, Daenerys sabia. Encontraria resistência, mas todos aqueles homens se curvariam a ela, por bem ou por mal.
― Como ousa dizer uma coisa destas? ― uma voz infantil ecoou do outro lado da sala.
Daenerys virou sua cabeça, tentando encontrar a pessoa que tinha tido a audácia de enfrentá-la daquela forma, e viu uma pequena garota parada em pé, cercada por homens muito mais velhos e maiores que ela; deveria ter dez ou onze anos e seu rosto era tomado pela cor vermelha, que transparecia sua cólera.
― Não sabe quem eu sou, garota? Sou Daenerys, Nascida da Tormenta, a Não Queimada, Rainha dos...
― Acha mesmo que nos importamos com seus títulos? ― a garotinha a interrompeu ― É tão ingênua a ponto de pensar que vamos nos ajoelhar perante você apenas porque, em sua opinião, deveria ser nossa Rainha?
O tom da criança surpreendeu Daenerys. Ela nunca esperou ser enfrentada daquela forma por alguém, ainda mais por uma pessoa que mal deveria ter uma década de vida.
― Devem dobrar os joelhos porque eu sou a última sobrevivente da legítima família real, a herdeira da Casa Targaryen e verdadeira Rainha dos Sete Reinos! Todos que se opuserem a mim são traidores e impostores!
― Quantos anos a Casa Targaryen tem? ― a garota indagou.
― Perdoe-me, mas o que disse?
A menina rolou os olhos, visivelmente impaciente.
― Perguntei quantos anos a sua digníssima Casa tem.
― Não entendo aonde deseja chegar com isto, criança... ― Tyrion tentou intervir.
― Eu apenas queria que sua Rainha nos dissesse qual a idade da dinastia da qual ela tanto se orgulha de vir. Mas vejo que ela parece não saber. ― a menina ironizou ― Trezentos anos. É essa a idade oficial da Casa Targaryen.
― E o que isso importa? ― Daenerys perguntou.
― Importa que enquanto a sua família acabou de completar três séculos, a Casa Stark existe há mais de dez mil anos. Dez mil anos. ― ela enfatizou ― Mais que o dobro do tempo em que o Império Valiriano, de onde a sua família veio, existiu. Os Starks descendem dos Primeiros Homens e se tornaram Reis do Norte muito antes de qualquer ancestral seu sequer pensar em usar uma coroa. Aegon foi um invasor, um intruso, que só tomou o poder porque tinha dragões, ou acha mesmo que preferiríamos ser governados por um forasteiro?
― Eu também tenho dragões, não se esqueça disto. ― Daenerys utilizou-se de um tom ameaçador para tentar intimidar a criança.
― E também é uma forasteira. ― ela rebateu ― Pode ter suas bestas cuspidoras de fogo, mas sua situação é bastante diferente da de Aegon quando ele exigiu que Torrhen Stark dobrasse os joelhos.
― Qual diferença seria essa? ― a Mãe dos Dragões indagou.
― Sabe qual o meu nome, senhora?
― Responderá as minhas perguntas com outras perguntas? ― a Rainha estava visivelmente impaciente.
― Me chamo Lyanna Mormont. ― a criança lhe devolveu ― Tenho este nome em homenagem à Senhora Lyanna Stark, que sofreu o pior destino que uma mulher poderia sofrer. Ela era a única filha de Lorde Rickard Stark e prometida de Robert Baratheon, mas seu irmão Rhaegar achou que poderia tê-la apenas porque era o futuro Rei, da mesma forma que a senhora acha que tem direito ao Norte e às Terras Fluviais por se achar nossa legítima soberana.
Daenerys engoliu aquilo em seco. Sempre soube da história que seu irmão teria raptado uma garota Stark, mas apesar daquilo, todas as pessoas que lhe descreviam o faziam com elogios. Mas o desprezo era claro na expressão daquela garota.
― O seu pai assassinou Lorde Rickard e seu filho Brandon, pedindo em seguida a cabeça de Lorde Eddard. ― a pequena Lyanna continuou ― A sua família desrespeitou o Norte e tentou acabar com aqueles que nos protegeram durante séculos. Acha mesmo que aceitaríamos que um Targaryen voltasse a nos governar algum dia? Ainda mais um Targaryen que tem um demônio Lannister sussurrando em seu ouvido?
As palavras se perderam da boca de Daenerys e ela não sabia o que dizer. Naquele momento, percebeu que as coisas eram muito diferentes do que pensava. Viserys estava errado quando dizia que o povo esperava o retorno triunfante da antiga dinastia e rezava pela saúde e sucesso dos últimos Targaryens. Deu-se conta de que as barbaridades que seu pai cometera ainda eram feridas abertas para aquelas pessoas.
― Não sou um demônio, senhora. ― Tyrion tentou acalmá-la ― Sou no máximo um duende.
― Todo Lannister é um demônio. A sua família foi responsável pelas mortes de Lorde Eddard, da Senhora Catelyn, do Rei Robb, da Rainha Talisa e do bebê que ela carregava no ventre, além de centenas de homens de nossas famílias que pereceram no Casamento Vermelho. Minha mãe e minhas irmãs estavam lá quando tudo aconteceu. ― a criança o fuzilava com os olhos enquanto falava ― Se a sua Rainha quiser nos matar, que o faça. Ela pode convocar seus dragões e nos queimar vivos, mas preferimos morrer a dobrar os joelhos para ela e para o senhor.
Assim que Lyanna Mormont fechou a boca, as vozes dos outros lordes ecoaram pelo salão, apoiando o que ela tinha dito. Era possível escutar gritos de “viva o Rei do Norte”, “viva o Rei do Tridente” e “viva a Casa Stark” por todo o cômodo, com os timbres se mesclando nas palavras e na empolgação, que parecia ser maior a cada momento. Daenerys sentiu-se diminuída, pois deu-se conta que sua única chance de conquistar aqueles reinos era matar todos os que ali estavam presentes, incluindo aquela criança que lhe desafiou tão bravamente. Se fizesse isso, poderia até colocar o Norte, as Terras Fluviais e o Vale sob seu poder, mas seria odiada por todos os seus habitantes.
Trocou olhares com Tyrion e Missandei, e viu que eles estavam tão atônitos quanto ela com a reação inesperada daquelas pessoas.
― Senhores! ― Jon ergueu-se novamente e elevou sua voz, tentando se fazer ouvir no meio daquele caos ― Senhores!
As vozes não sumiram, mas diminuíram de volume, tornando possível que o jovem fosse escutado.
― Agradeço à Lady Mormont e aos senhores pelo apoio. ― ele disse ― E gostaria de informar à Senhora Targaryen que entendo seu desejo de reconquistar Porto Real e restabelecer a cidade que foi fundada por sua família e não me oporei se ela quiser conquistar as Terras da Coroa, as Terras Ocidentais, a Campina, Dorne, as Ilhas de Ferro e as Terras da Tempestade. Mas o Norte, as Terras Fluviais e o Vale são reinos independentes do Trono de Ferro agora e, portanto, inegociáveis em qualquer acordo que ela desejar fazer.
Gritos e aplausos foram novamente ouvidos pelo salão. Daenerys entendeu naquele momento que os homens de Jon o amavam e o seguiriam em qualquer decisão que tomasse, da mesma forma que os Imaculados e os Dothraki fariam por ela. Ela havia perdido três dos Sete Reinos antes mesmo de tê-los conquistado.
― Precisamos conversar, Lorde Tyrion. Agora. ― lançou um olhar ríspido ao Lannister.
***
Daenerys estava parada em frente à janela dos aposentos que lhe foram dados em Correrrio e apreciava o céu azul, quase sem nuvens.
― Drogon está por perto. Não posso vê-lo, mas posso senti-lo. ― ela disse.
― E o que pretende fazer com seu dragão, Majestade? ― Tyrion indagou.
― Queimar todos eles. ― virou-se e encarou o anão.
As palavras saíram da boca da Rainha de forma firme, mas sua Mão fez uma careta ao escutá-las.
― E ser chamada de louca assim como seu pai? Sabe que este não é o caminho.
Daenerys sabia bem. O discurso que a Senhora Mormont proclamou no meio do salão fez com que a Targayen percebesse que estava de mãos atadas. Sempre imaginou que quando chegasse a Westeros, esmagaria qualquer um que se colocasse em seu caminho e quebraria a roda que mantinha a estrutura que considerava estar falida. Porém, as coisas eram totalmente diferentes do que pensava serem.
― Sinto-me impotente. Sinto-me da mesma forma que me sentia quando Viserys ameaçava me bater caso eu acordasse o dragão. ― ela admitiu.
― Não há motivos para se sentir assim.
― Como não? Tenho um exército que poderia massacrá-los como se fossem meros insetos. Tenho três dragões que poderiam queimar seus castelos de pedra num piscar de olhos... Mas aqui estou, derrotada pelas palavras de uma criança com menos da metade da minha idade. ― Daenerys puxou uma quantidade considerável de ar para seus pulmões, tentando acalmar-se ― A única saída que tenho é queimar mais da metade de Westeros para conseguir dobrá-los. Terei que destruir três reinos para conseguir o que desejo.
― Ou pode fazer um acordo... Digo, um acordo de verdade, não apenas dizer a eles que devem ajoelhar-se perante a senhora. ― o anão lhe disse, de forma misteriosa.
― Que tipo de acordo? ― Daenerys o encarou, desconfiada.
― Primeiro tem que entender uma coisa, Majestade. Os irmãos Stark passaram pela mesma situação que passou ao lado de seu irmão Viserys. Viram a família ser massacrada e desonrada, e foram os únicos que sobraram de sua linhagem, linhagem esta que é quase venerada pelos senhores nortenhos, como a senhora mesmo pôde constatar. ― ele explicou ― Eles querem um governante com sangue Stark, e só ficarão satisfeitos se o tiverem.
― Então devo abrir mão do meu direito e entregar metade dos meus reinos ao filho bastardo do homem que ajudou a causar a queda da minha família?
O sangue de Daenerys ferveu ao pensar naquilo. Eddard Stark fora o Cão do Usurpador, e teria sua traição recompensada, mesmo que de forma póstuma, com sua descendência se tornando a nova família real? Tyrion deveria estar louco caso pensasse que permitiria uma coisa daquelas.
― Não precisará abrir mão de nada. Fará o mesmo que a primeira Daenerys fez para que a paz e a unidade do reino fossem mantidas. ― a Mão lhe respondeu.
Tinham lhe contado sobre a Princesa Daenerys, aquela que foi inspiração para seu próprio nome. Era filha de Aegon IV, o Indigno, e irmã de Daeron II, cujo casamento com Maron Martell cimentou a entrada de Dorne no domínio dos Targaryen, fazendo com que os Seis Reinos virassem, por fim, Sete. Não precisou de explicações para entender o que Tyrion pretendia com todo aquele rodeio.
― Quer que eu case com o bastardo? ― seus olhos cerraram.
― Não, longe de mim pedir que Vossa Majestade se case com um mero bastardo. Quero que se case com o Rei do Norte. ― Tyrion respondeu, com uma naturalidade impressionante.
― Mas são a mesma pessoa! ― Daenerys insurgiu-se.
― Perdoe-me, mas são pessoas distintas, Majestade. ― o Duende rebateu ― O Jon Snow que abandonou Winterfell para tomar o Negro na Muralha é uma pessoa completamente diferente do Rei com o qual compartilhamos o banquete. Aquele Jon tem homens de três reinos dispostos a lutar e morrer para que a Casa Stark continue reinando, e se Vossa Majestade casar-se com ele, terá estes mesmos homens apoiando a sua reinvindicação ao Trono de Ferro... Além de claro, virar a Rainha do Norte e permitir que um dia, um monarca metade Targaryen e metade Stark reine sobre Westeros, garantindo que os lordes nortenhos não tenham do que reclamar.
― Não preciso ser Rainha do Norte para validar o meu direito ao Trono de Ferro, Lorde Tyrion. ― Daenerys rebateu.
― Claro que não, até porque seria apenas mais um título ao seu extenso nome. ― um sorriso irônico surgiu em seus lábios brevemente, mas logo sua expressão séria voltou ― Mas na atual situação, é um título importantíssimo, que garantiria que sua conquista se desse de forma menos sangrenta que a de Aegon. Cersei só teria as Terras da Coroa e as Terras Ocidentais, enquanto Vossa Majestade teria todo o resto de Westeros ao seu lado.
Daenerys ficou em silêncio, analisando o que sua Mão acabara de lhe dizer. Os argumentos eram convincentes, e pelo que presenciou no grande salão, aqueles homens só aceitariam um governante com sangue Stark. A Rainha sabia que teria que se casar em breve, e que qualquer casamento que se realizasse deveria servir para fortalecer seu poder no continente; mas não podia esquecer que Tyrion estava lhe propondo como candidato a marido o filho de um dos responsáveis pela derrocada dos Targaryen.
― Não precisará manter um casamento de verdade se não quiser. Podem dividir o leito apenas quando for extremamente necessário, como por exemplo, o momento de produzir um herdeiro. ― Tyrion disse.
A expressão de Daenerys ficou rígida; não porque ela ficara acanhada pela ousadia do anão em meter-se em sua vida sexual, mas sim pelo assunto delicado que era ter um herdeiro. Ela jamais teria um, pelo menos não algum que saísse de seu ventre. Desde que dera à luz a Rhaego, seu filho natimorto, sabia que nunca mais voltaria a conceber uma criança. As palavras de Mirri Maz Duur ecoavam em sua cabeça, lembrando-se de como ela dissera que “quando o seu ventre estiver pronto a ganhar vida e der à luz um filho vivo” Drogo voltaria à vida, e não antes disto.
― Fale com Lorde Snow sobre sua ideia.
A Rainha sentiu sua boca amargar ao pronunciar aquelas palavras.
***
― O que acha que ela quer?
A voz de Alys tremia e combinava com seus olhos, que encaravam Jon com um visível terror. Ela não saíra de seu lado desde o final do banquete, e o acompanhou até o gabinete quando decidiu reunir-se com Davos e Tormund.
― Não sei. ― o Rei admitiu ― Depois do que a Senhora Lyanna lhe disse, não faço a mínima ideia.
A garota assentiu, visivelmente preocupada. Ela estava inquieta desde a chegada de Daenerys, e Jon não tinha certeza do motivo. Perguntou-se se aquilo foi causado pela reação que teve ao ver a Mãe dos Dragões pela primeira vez. Jon admitia que tinha ficado impressionado pela aparência da Targaryen e que talvez tenha deixado o sentimento transparecer, mas teria Alys percebido?
― Ela quer a sua coroa, Majestade. ― Davos disse ― Mas agora sabe que não poderá força-lo a dobrar os joelhos e que não será aceita pelo povo caso insista no assunto. Mas...
― Mas o que? ― Turmund perguntou.
Jon encarou o selvagem e um pequeno sorriso formou-se no canto de sua boca. Turmund, que antes usava pesadas roupas de pele, típicas daqueles que viviam Pra Lá da Muralha, agora trajava uma armadura de couro fervido, e poderia facilmente se passar por um homem nortenho.
― Mas ela não desistirá. ― o Cavaleiro das Cebolas respondeu ― Daenerys Targaryen não cruzou o Mar Estreito para ser Rainha de apenas quatro dos Sete Reinos.
― E o que acha que ela fará para conseguir o que quer? ― Jon indagou.
― Não há como saber, mas ela tem Tyrion Lannister sussurrando em seu ouvido, e acredite em mim, aquele homem é tão ou mais esperto quanto Lann.
Sim, Jon sabia da história de Lann, o Esperto, responsável pela fundação da Casa Lannister na Era dos Heróis. As lendas diziam que ele tomara Rochedo Casterly para si e tinha expulsado a Casa Casterly de seu assento ancestral apenas utilizando sua astúcia e inteligência. Tyrion, pensou Jon, era tão perspicaz quanto seu antepassado e tentaria encontrar uma maneira de dar a Daenerys o que ela queria.
― Então não deixem que aquele homem se aproxime do Rei. ― Alys falou, de uma forma tão protetora como nunca se viu ― Coloquem guardas nas portas de cada cômodo para que o demônio de Lannister não chegue perto de Jon.
― Minha senhora, não creio que seja sensato deixar o...
A fala de Sor Davos foi interrompida pela porta sendo aberta. Um dos soldados Stark adentrou ao cômodo e fez uma rápida reverência a Jon com a cabeça.
― Desculpe-me pelo incômodo, mas há alguém que deseja falar com o senhor, Majestade.
― Quem é? ― o jovem perguntou.
A porta rangeu e alguns passos rápidos e leves foram escutados até que Jon o visse.
― Eu, Majestade. ― um leve sorriso se formou nos lábios de Tyrion após pronunciar a última palavra, e era impossível saber se havia ou não escárnio ali.
― Você deveria entrar depois de ser anunciado! ― o soldado ralhou, encarando o anão com raiva ― Se Vossa Majestade quiser, o coloco para fora agora mesmo!
O olhar de Jon passeou pelos rostos de Alys, Davos e Tormund até chegar à Tyrion. Sua expressão era impassível, e ele não parecia temer ser expulso.
― Não é preciso. Falarei com Lorde Lannister. ― Jon enfim respondeu.
― A sós? ― o Duende arqueou a sobrancelha esquerda, fazendo uma proposta silenciosa ao jovem Rei.
Davos encarou Jon e negou com a cabeça, enquanto Alys o encarava apreensiva e Tormund parecia confuso.
― A sós. ― o rapaz concordou.
Ele viu a decepção estampada nos rostos de sua comitiva enquanto saíam do cômodo, escoltados pelo soldado. Contudo, Tormund, antes de sair, aproximou-se de Jon e sussurrou em seu ouvido:
― O meio-homem é um demônio de verdade?
Jon o encarou e quase sorriu, mas viu que o ruivo lhe fez aquela pergunta de forma séria, pois não havia traço algum de humor em seu rosto.
― Não, Tormund. Alys usou apenas uma metáfora ao dizer aquilo.
― Ah...
O selvagem parecia mais confuso ainda, mas não insistiu no assunto. Deu uma leve batida no ombro de Jon e saiu do gabinete assim como os outros, deixando-o a sós com Tyrion.
― Creio que agora podemos conversar melhor a respeito do que faremos pelo futuro de Westeros. Posso? ― o Lannister apontou para a mesinha de canto que continha algumas bebidas em sua superfície.
― Fique à vontade. ― Jon respondeu, enquanto se sentava em uma das poltronas da sala.
Tyrion deu curtos passos até a bancada e pegou a garrafa de vinho, entornando o líquido dentro de uma taça, que logo em seguida levou à boca. Deu um longo gole na bebida e novamente encarou Jon.
― Daenerys deseja recuperar o Trono de Ferro que era de sua família antes da Rebelião. ― Tyrion disse ― Ela quer ser a Rainha dos Ândalos, dos Roinares e dos Primeiros Homens, mas com você sendo Rei do Norte e do Tridente, não haverá Primeiros Homens que ela possa governar, além de quase metade dos Ândalos também ficar indisponível. Como resolveremos isto?
― Sinceramente, não faço ideia. Mas não pretendo me ajoelhar perante sua Rainha. ― Jon respondeu, incisivo.
― Tomou tanto apreço pelo poder que não consegue viver sem ele, Snow? ― o anão debochou.
― Não me importo com o poder, Lorde Lannister. Importo-me apenas com as pessoas que depositaram sua confiança em mim e que agora dependem diretamente das minhas decisões.
Tyrion lhe encarou por um breve momento, como se o analisasse.
― Você realmente é filho de Ned. Não só pela aparência, pois sempre achei tivesse a maior semelhança física com ele dentre todas as crianças Stark... Mas até a maldita honra é a mesma. ― ele deu mais um gole no vinho e se aproximou de Jon ― Mas o seu pai era teimoso, cabeça dura, e principalmente ingênuo. Ned acreditava muito nas pessoas, e talvez essa possa ser o seu erro.
― O que quer dizer com isto?
― Quero dizer que muitas pessoas podem lhe aclamar como Rei e lhe reconhecer como herdeiro de seu irmão Robb, mas ainda é visto como bastardo por muitos, fruto de um deslize do honrado Ned Stark. Ouvi falar que aqui nas Terras Fluviais, há quem preferisse a Senhora Sansa como Rainha...
Jon começou a apertar o braço de madeira da poltrona com força, tentando não socar o rosto do Lannister.
― Não utilize minha irmã para me atingir, Lorde Tyrion. Pode usar de qualquer artifício para tentar me desestabilizar, mas não Sansa.
― Parece que não precisarei me esforçar para desestabilizá-lo... ― Tyrion sorriu, mas tentou remediar ― Perdoe-me, não quis insultá-lo, apenas quis lhe mostrar que nem todos vão aceitá-lo como Rei. Muitos o verão, inclusive, como o usurpador que utiliza o nome de uma casa que sequer é sua, afinal de contas Lorde Eddard nunca tentou legitimá-lo. É um bastardo que foi para Patrulha da Noite e... ― o anão se interrompeu, como se tivesse se dado conta de algo ― Espere, você saiu da Patrulha da Noite? Quebrou os seus votos?
Aquele assunto que tentava a todo custo não pensar finalmente foi trazido à tona. O maior pesadelo de Jon finalmente seria discutido, e a ferida que parecia não sarar seria mais uma vez aberta.
― Eu não desertei, se é isso que quer saber. ― o jovem defendeu-se ― Não quebrei meus votos, jamais o faria... Mas minha patrulha terminou e não havia mais nada para mim na Muralha.
― Mas a patrulha de um homem que toma o negro só acaba quando...
A voz de Tyrion foi cortada e ele empalideceu. Encarou Jon, incrédulo pelo que acabara de constatar.
― Você... Você morreu?
Jon deu um longo suspiro.
― Sim. ― ele sentiu seu rosto se contrair involuntariamente ― Houve um motim em Castelo Negro, contra mim e as decisões que tive que tomar, entre elas a de permitir que os selvagens passassem para o lado de cá da Muralha. Vários dos meus irmãos juramentados me atraíram para uma armadilha e cada um deles cravou uma faca no meu peito. E então eu...
Dizer aquilo em voz alta era tão ou mais dolorido do que pensar. A imagem daquela noite horrível não saía da cabeça de Jon, e falar sobre ela só a fazia parecer mais real; sentiu o ar escapando de seus pulmões por um breve instante, da mesma forma que sentiu quando a faca perfurava sua carne.
― Mas como... Como você está aqui? O que aconteceu depois? ― Tyrion perguntou, numa mistura de fascínio e curiosidade.
Jon permaneceu brevemente em silêncio antes de responder.
― Uma sacerdotisa de R’hllor realizou um ritual e me trouxe de volta. Não me pergunte como e nem porque, pois não saberei dizer.
― Você levantou dos mortos, Jon! ― o anão estava maravilhado ― Eu não costumo acreditar em homens ou em deuses, mas sei que não teria motivo para mentir sobre isto. Imagine, um bastardo que enganou a morte e virou Rei... Escreverão canções sobre você, Snow!
― Não quero façam canções sobre mim, não quero que me tratem como um herói... A única coisa que eu quero, e deixe-me dizer de uma vez para que não haja mal entendidos mais tarde, é manter o Norte, o Vale e as Terras Fluviais intactas para que o reste de Westeros não pereça. ― o Lobo Branco respondeu ― Não posso abrir mão do meu título agora porque preciso do exército dos três reinos ao meu lado para a batalha que enfrentarei.
― Algum senhor rebelde o ameaça? Se for o caso, posso conversar com Daenerys e...
― Não, não se trata disto. ― Jon suspirou pesadamente ― A ameaça que enfrentamos é muito mais perigosa, Lorde Tyrion. Mais atemorizante do que a sua irmã sentada no Trono de Ferro ou mais mortal que os dragões de sua Rainha.
― O que pode ser tão ameaçador assim?
― Os mortos. Um exército cheio deles.
A expressão do anão endureceu-se e ele teve que apoiar-se em uma das cadeiras da sala.
― Tem certeza disto? ― ele perguntou.
― Eu os vi com meus próprios olhos, vi o que são capazes de fazer com os vivos. Se não ficarmos de braços cruzados, cada um de nós morrerá e se juntará ao exército do Rei da Noite. Juro pelos Deuses que falo a verdade.
O anão o encarou com uma expressão séria.
― Já disse que acredito em você. Depois de ver o que Daenerys pode fazer com seus dragões, o meu ceticismo diminuiu drasticamente, e é por isso que o que eu vim aqui lhe propor me parece mais necessário do que nunca.
― E o que seria isto? ― Jon indagou.
― Um acordo. Mais especificamente uma aliança forjada pelo mais velho e superestimado laço que duas pessoas podem ter... ― Tyrion vacilou, mas prosseguiu ― Vim propor um casamento entre Daenerys e você, Jon.
***
Rhaegar sentiu sua mente ser puxada para fora da cena assim que Lyanna soltou a casca branca que revestia o tronco da árvore. Ela estava um pouco pálida e visivelmente perturbada, assim como ele próprio se sentia. Muitas informações para tão pouco tempo, o Príncipe pensou.
― Como isso pode ser verdade? ― a voz de Lyanna era fraca, quase inaudível ― Como ele pôde morrer e voltar a andar entre os vivos? Como existe um exército de cadáveres que ameaça a humanidade e ninguém faz nada?
Ele entendia o choque da garota. Rhaegar lembrou-se de ficar maravilhado ao ver a irmã, que sequer era nascida, domar dragões – criaturas místicas que estavam extintas há mais de cem anos. Seu bisavô, o Rei Aegon V, e seu tio-avô, o Príncipe Duncan, morreram na Tragédia de Solarestival devido a uma tentativa falha de tentar chocar ovos de dragões, e ele próprio carregava a mácula que tal perda trouxe para sua família.
― Você viu o que disseram sobre nós? ― os olhos cinza de Lyanna estavam assombrados ― A criança que carrega o meu nome disse que eu tive um destino terrível, e Daenerys pensa que você me raptou, Rhaegar. E que o Rei, o senhor seu pai, matou o meu pai e o meu irmão...
Ela tremia e parecia atordoada ao falar aquilo.
― Eu jamais a raptaria, Lyanna. Nunca lhe forçaria a fazer algo contra sua vontade. ― o Príncipe tentou convencê-la ― Meu pai é louco, mas ele jamais mataria o lorde e o herdeiro de uma família tão importante quanto a sua...
― As pessoas tratavam Robert por Rei, e sua irmã se referiu a Ned como “o Cão do Usurpador”. E se o seu pai realmente assassinou a minha família, e como forma de revide, os dois derrubaram sua Casa e colocaram os Baratheon no Trono de Ferro? ― Lyanna falava como se tivesse acabado de solucionar um enigma.
― Não pode ser...
Aquilo parecia totalmente absurdo aos ouvidos do Príncipe. Era praticamente impossível uma família tão antiga e poderosa como os Targaryen ser derrubada por dois lordes rebeldes, e Rhaegar pensou que simples ideia de aquilo acontecer era um disparate sem tamanho.
― Seus irmãos foram os únicos que sobraram da sua dinastia, Rhaegar. Assim como Ned e seus filhos são os últimos Starks. ― a voz da jovem era pesada ― No futuro, eu e você estamos mortos. Viu como as pessoas se referiam a nós, a pobre garota raptada que teve um destino cruel e o Príncipe egoísta que pagou caro pelas suas escolhas...
Rhaegar deu alguns passos, segurou as mãos de Lyanna e a encarou.
― Prometo que nunca lhe raptarei e nem lhe machucarei, minha senhora. Tampouco permitirei que meu pai cometa um crime tão bárbaro contra sua família. Dou minha palavra de cavaleiro.
― Mas... Você viu...
― Sim, eu vi. Mas nada disto precisa acontecer. Podemos evitar que nossas famílias se matem se descobrirmos como tudo irá terminar.
― Você quer continuar vendo o futuro?
Lyanna estava visivelmente assustada e um pouco hesitante. Rhaegar entendia o que ela sentia, pois também tinha medo do que veria, mas queria saber o que de fato aconteceria e como poderia evitar aquelas consequências tão nefastas.
― Quero. Quero ver como as coisas terminam, se há uma maneira de...
As palavras fugiram de sua boca.
― De...? Fale de uma vez, assim você me deixa mais nervosa! ― Lyanna disse, aflita.
― Desejo saber se há uma maneira de ficarmos juntos sem causar tamanha destruição. ― Rhaegar suspirou ― Se um dia eu poderei dizer para todos o que sinto por você sem que ninguém pague por isto.
As bochechas de Lyanna tomaram uma cor intensa de vermelho, mas ela não disse nada. Ficou parada enquanto o Príncipe entrelaçava seus dedos aos seus e a levava em direção ao represeiro. Rhaegar podia sentir o quanto ela tremia, mas não sabia se era por medo ou por qualquer outra coisa que pudesse estar sentindo naquele momento; no entanto, a garota não ofereceu resistência quando ele beijou-a nos lábios e iniciou um movimento sincronizado entre as línguas.
Naquele momento, Rhaegar só conseguia pensar em como era bom tê-la em seus braços e beijá-la enquanto estavam ali, sozinhos. Por um instante, esqueceu-se de Elia, de Robert, de Ned, de seu pai e de todos os outros que pudessem sofrer com o que o Dragão e a Loba sentiam um pelo outro. A única coisa que rondava sua mente era a sensação contraditória de frio e calor que percorria seu corpo da cabeça aos pés enquanto tocava sua amada Lyanna.
Após alguns instantes, a garota interrompeu o beijo e o encarou brevemente antes de falar qualquer coisa:
― Vamos fazer isto juntos. Vamos salvar nossas famílias. Vamos nos salvar.
A única coisa que Rhaegar conseguiu fazer foi sorrir enquanto Lyanna, ainda com a mão entrelaçada à sua, tocou a árvore-coração e os colocou dentro de mais uma visão.
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