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História Verdade ou Desafio - Ugly, Sad Truth - Final


Escrita por: lineya21

Notas do Autor


MAIS UMA VEZ LEMBRANDO QUE HAVERÁ EPÍLOGO.
Apenas pra que fique claro que daí acabou acabado.
Daí algumas coisas vocês possam achar que não deu pra entender, mas vai ser tudo explicado.
Simbora.

Capítulo 61 - Ugly, Sad Truth - Final


Sabe o que dizem em livros e filmes, sobre como depois de um certo ponto, a dor física não pode ser sentida?

É mentira. Eu sei porque eu estava sentindo perfeitamente enquanto Debrah deslizava a lâmina ao longo da linha do maxilar, lentamente, começando perto da orelha e indo em direção ao queixo. Parei de me importar em viver o resto da minha vida prisioneira, parei de imaginar o que Castiel sentiria ao receber minha bochecha esquerda dentro de uma caixa, porque a única coisa na minha mente era uma dor excruciante.

Tanto que não ouvi, a princípio. Tudo que eu sabia era que meu rosto doía horrivelmente enquanto a lâmina cortava, e de repente a lâmina parou e a dor diminuiu levemente, mais como uma sensação de queimadura. Quando consegui abrir os olhos vi Debrah, através das minhas lágrimas, aparentemente olhando para longe.

Então entendi o que a tinha distraído da tarefa de me desfigurar. Um som muito baixo ecoou pelos túneis, como se alguém estivesse correndo ao longe.

Minhas lágrimas secaram o suficiente para que eu visse que ela estava franzindo as sobrancelhas. Percebi que ela devia ter dito às garotas para saírem, já que estava pronta para me levar embora e não ia querer testemunhas. A única pessoa que poderia estar correndo por ali era Nina, mas julgando pela expressão de Debrah não era ela.

Ela se levantou.

- Fique quieta.

Eu poderia fazer uma piada sobre não ter opção, mas estava com a boca coberta e a expressão dela era furiosa demais, então nem me mexi quando ela saiu.

Quando os passos dela se afastaram, me concentrei em tentar respirar um pouco. O corte no meu maxilar doía muito e eu podia sentir o sangue que escorria pelo meu pescoço, mas respirar ajudava a diminuir a sensação de queimação.

Eu estava tão concentrada na tarefa de não desmaiar pela perda de sangue nem pela dor que não ouvi os passos se aproximando. Então senti uma mão tocar meu braço e pulei, meu grito sendo abafado pela fita em minha boca.

- Desculpa! - ele sussurrou - Não queria te assustar!

Foquei o olhar. Era Castiel.

Irrompi em lágrimas, meus sentimentos misturados. Eu queria abraçá-lo, queria gritar com ele por ter demorado, queria implorar que fugisse, tudo ao mesmo tempo.

Castiel, por sua vez, parecia estar com o mesmo problema. Ele se ajoelhou do meu lado, abrindo os braços automaticamente para me abraçar, mas parou quando ele viu meu rosto e passou um momento congelado, com os braços abertos e uma expressão de puro pânico.

Então ele respirou fundo, se acalmando, e me segurou pelos ombros, olhando nos meus olhos com determinação.

- Lynn, escute - ele falou em uma voz baixa mas firme - vou tirar essa fita da sua boca, mas tenho que fazer isso devagar pra não puxar a pele do seu rosto, ou esse corte vai doer ainda mais, ok? - Ele esperou que eu assentisse, então puxou a fita devagar. Eu não reclamei, primeiro porque estava aliviada, mas principalmente porque eu não conseguia sentir muita coisa além da dor no corte em meu rosto.

Quando ele terminou eu queria imediatamente dizer algo, mas eu não tinha certeza se queria dizer "saia daqui" ou "não me deixe". Antes que eu pudesse decidir ele foi para trás de mim e um segundo depois eu ouvi um clique - minhas mãos estavam livres.

Mexi meus braços devagar. Eles estavam doloridos e travados, e quando ele voltou para o meu campo de visão eu mal tinha conseguido colocar meus braços de volta na minha frente.

- Como...  - comecei a dizer, mas podia sentir minha garganta arranhando por conta de todos os gritos abafados. Olhei na direção das minhas mãos, esperando que ele entendesse. Castiel segurou minhas mãos delicadamente e apesar de sentir meus membros dormentes senti um calor confortável se espalhar pelos meus nervos.

- Vou explicar tudo, prometo – ele disse de modo suave, mas urgente – mas no caminho. Temos que sair daqui antes que ela volte. Você acha que consegue andar?

Dei de ombros, trêmula. Ele tentou me erguer e eu agarrei sua jaqueta para levantar. Minhas pernas pareciam feitas de marshmallow e eu não sabia dizer se elas doíam ou apenas formigavam para caramba. Travei a mandíbula e respirei fundo, a cabeça girando e eu queria mais que qualquer coisa me sentar de novo, mas um olhar para a expressão urgente de Castiel me fez assentir.

Saímos daquele ponto e pela primeira vez tive uma visão geral do túnel. Um pressentimento muito ruim tomou conta de mim.

- Você sabe o caminho, certo? – perguntei, ainda me agarrando à sua jaqueta para ficar de pé.

-Hum, pois é – ele disse desconfortável, evitando meus olhos – Tem boas notícias e más notícias.

 Castiel começou a me puxar com ele, na direção da qual tinha vindo, então paramos em uma câmara e meu coração afundou. Havia pelo menos cinco caminhos para escolher.

- A boa notícia é que a ajuda está vindo - ele disse, aparentemente tentando escolher um dos caminhos - polícia, amigos, professores, família, todo mundo. A má notícia é que esse lugar é um labirinto. E não temos um mapa.

Me encolhi, meus olhos cheios d'água. Então percebi que minha garganta estava um pouco melhor e resolvi falar.

- Como você chegou aqui? Como me encontrou?

- Nina me trouxe - ele disse.

Congelei, e Castiel estava tão concentrado nos arredores que levou um momento para que ele notasse. Quando notou, ele suspirou e gentilmente me guiou para um lado me fazendo sentar contra uma parede. Eu suspirei de alívio, também.

- Cerca de uma hora atrás Nina apareceu na escola. Todo mundo estava lá tentando descobrir onde você estava. Ela simplesmente apareceu e confessou que ajudou Debrah a te sequestrar. Entregou as outras meninas, que aparentemente tentaram ir pra casa como se nada tivesse acontecido quando perceberam o que ela ia fazer. Contou sobre Bia, ali.

Ele procurava algo nos bolsos da jaqueta enquanto falava e finalmente pareceu encontrar. Era um lenço de linho.

- Sabia que ia precisar disso eventualmente - ele murmurou, então pressionou o lenço gentilmente contra o corte no meu rosto. Eu prendi a respiração ao contato da ferida aberta com o tecido, mas logo me senti melhor. Gesticulei para que ele me deixasse segurar sozinha e ele soltou, nossas mãos se tocando por um segundo.

- Ela deu sua localização – ele continuou, olhando para o túneis novamente – mas fingiu não saber exatamente. Então enquanto todo mundo estava ocupado montando uma força-tarefa e tentando entender as referências cruzadas dela, Nina me puxou de lado, me deu as chaves das suas algemas e disse que poderia me levar até você e me ajudar distraindo Debrah, contanto que eu concordasse em fazer isso sozinho.

- Por que você concordou com isso? – perguntei, o pânico aparecendo em minha voz.

- Porque eu estava desesperado! – Castiel respondeu em um sussurro exaltado, segurando o lado do meu rosto que não estava machucado. Ele se acalmou um pouco antes de continuar – Olha, só temos que nos esconder, ok? Mesmo se não encontrarmos a saída, temos que continuar nos movendo, enquanto Nina está lá enrolando Debrah.

- O que? - eu quase gritei. Mesmo odiando Nina, eu não queria que ela morresse. Eu sabia porque ela estava ajudando – ela queria vingança por ter sido colocada no manicômio, então ela deu corda para Debrah se enforcar, apenas para traí-la no último segundo. Ainda assim, ela estava nos ajudando, então talvez ela merecesse, pelo menos, não morrer.

-Tenho certeza que as duas estão gostando do jogo, Lynn – Castiel disse como se tivesse lido meus pensamentos, me distraindo por um momento com o som da sua voz dizendo meu nome – Nina me contou tudo no caminho, sobre o manicômio e sobre querer vingança. Ela disse que queria a oportunidade de dizer umas coisinhas à Debrah. E enquanto elas conversam, temos que tentar sair daqui. Vou tentar lembrar o caminho. Eu queria marcar de alguma forma na vinda, mas…

- Debrah teria visto e nos encontraria – assenti e completei a frase por ele. Ele também assentiu e eu senti uma vontade estranha de chorar.

- Eu sei que precisamos correr – eu disse, tentando manter minha voz estável – mas eu também preciso fazer isso, ok?

Antes que ele respondesse, eu me joguei em seus braços e Castiel me abraçou sem hesitação. Ele não fez perguntas idiotas sobre como eu me sentia, nem tentou me apressar e nem tentou me confortar em uma situação onde conforto não era possível, e eu o amei mais por isso.

Finalmente, percebi que meu rosto estava deixando uma mancha de sangue na camisa dele porque o lenço estava apertado em minha mão, então me forcei a soltá-lo.

- Vamos – eu disse simplesmente.

 

Conforme senti a circulação das minhas pernas retornar, tentei ir mais rápido, ainda segurando a mão de Castiel. Tentamos dois caminhos diferentes, mas eram sem saída. O terceiro parecia ser o certo então continuamos nele o mais rápido que podíamos , até que ouvimos um “bang” e congelamos.

Trocamos um olhar.

- Você acha que… - eu comecei. Castiel balançou a cabeça.

- Não sei. Mas nossa distração acabou. Precisamos nos apressar.

Alguns passos a mais e ouvimos um grito. Era um grito cheio de ódio e revolta, então eu sabia que ela tinha percebido que eu não estava mais presa.  A voz de Debrah ecoou pelos túneis.

- Volta aqui, sua vagabunda!

O rosto de Castiel ficou branco, mas ele não disse uma palavra. Ele me encarou e colocou um dedo sobre os lábios, me puxando, indicando que eu devia tentar correr. Eu sabia que ela podia ouvir nossos passos por causa do eco dos túneis, mas com sorte ela não conseguiria localizar o som exatamente. Por outro lado, quando ela começou a correr, também a ouvíamos sem saber exatamente onde ela estava.

Me xinguei mentalmente por perder tempo com um abraço, especialmente quando chegamos a mais três caminhos sem saída. Eu podia ver a preocupação crescendo no rosto de Castiel e no aperto dele na minha mão. Estávamos na frente dela, mas ela conhecia os túneis melhor.

Então percebi que os túneis não ficavam em um nível só, alguns levavam para cima e para baixo, e alguns dos caminhos sem saída eram túneis abertos com cercas de onde podíamos ver os outros níveis. Assim que vi mais um túnel que ia para cima, puxei a mão de Castiel e indiquei o caminho. Ele uniu as sobrancelhas, sem entender e eu movi os lábios com as palavras “para cima”, mas ele não via meu rosto tão bem com as luzes fracas do túnel.

No segundo de confusão que ele precisou para entender o que eu queria dizer, senti uma dor súbita. Em um momento eu estava tentando apontar o caminho, no momento seguinte parecia que meu braço estava sendo rasgado ao meio e eu não pude conter um grito. Eu estava cega de dor e não conseguia me mover, mas senti Castiel me puxar com ele, tentando me fazer correr, e ele finalmente parecia ter entendido o que eu queria dizer, porque eu sentia que o caminho sob nossos pés subia.

- Você sabe que não pode fazer isso pra sempre! - a ouvi gritar. Eu podia sentir o sorriso na voz dela que mostrava a satisfação de ter atirado em mim. Castiel estava tentando correr, quase me arrastando, dizendo algo que eu não entendia. Então depois de virarmos algumas curvas ele parou subitamente e me encarou. Eu fiquei em choque.

- O que você está fazendo? - perguntei entre dentes, esquecendo a dor por um momento.  - Temos que continuar correndo!

- Deixa eu ver isso – Castiel disse, me ignorando completamente. Ele pegou meu braço gentilmente, mas, mesmo assim, parecia que estava o partindo ao meio, e eu contive um grito. Ele suspirou – A bala ainda está lá – ele disse – mas acho que não atingiu nenhum nervo. Isso é bom.

Enquanto eu estava de boca aberta sem acreditar, Castiel aproveitou para rasgar a manga da minha blusa e enrolar os pedaços em torno da ferida com força.

- Podemos parar de perder tempo agora? - falei quando ele terminou, a adrenalina diminuindo a dor que eu sentia. Ele abriu a boca para discutir mas eu o puxei com o braço bom para continuar correndo.

De repente, eu estava mais alerta. Era como se meu corpo soubesse que não era a hora de sentir dor, muito menos ser paralisada por ela. Minha mente, no entanto, só conseguia pensar em uma coisa.

“Você sabe que não pode fazer isso pra sempre”.

O que Debrah ia fazer se me pegasse? Me matar? Mas e depois? Ela teria que ficar escondida e sozinha para o resto da sua vida. Tinha certeza de que ela poderia arrumar uma  nova identidade e recomeçar em algum lugar, mas ela teria que voltar a fingir. Me perguntei se ela tinha pensado nisso.

Mas do jeito que as coisas estavam, era mais provável que seu novo plano fosse matar Castiel e me levar com ela de qualquer forma.

E, de repente, tudo fez sentido.

Castiel estava correndo na minha frente, guiando o caminho, mas eu estava tão concentrada na minha compreensão súbita que parei de prestar atenção ao caminho à minha frente. E então em um segundo percebi que não estava mais pisando na terra batida e sim em uma ponte de madeira, porque ela se quebrou sob meus pés e eu caí através dela.Então eu senti uma dor intensa na minha perna que me fez gritar outra vez.

- Lynn! – escutei Castiel gritar.

Olhei para cima e percebi que tinha caído direto para o nível inferior. Castiel olhou para mim através do buraco por onde eu tinha caído e prontamente se jogou para o chão e estendeu a mão.

- Não! – gritei – Você vai cair também!

- Então pega minha mão logo! – ele gritou de volta.

Tentei esticar o braço,mas sem muito esforço.

- Não consigo ficar de pé! – gritei novamente, chorando. A dor não era nem um pouco fingida, era horrível, mas eu não estava tentando ao máximo. – Acho que quebrei a perna. – Então tomei fôlego e disse de uma vez só – Escute, você tem que ir sem mim.

- De jeito nenhum, você enlouqueceu? – ele começou a discutir – Vou aí te buscar.

- Escuta! – gritei, interrompendo – Não tem como você passar por esse buraco sem cair também. Você mesmo disse, temos que enrolar até chegar ajuda, mas eu não posso correr com essa perna. Ela só pode perseguir um de nós. Mas se ela achar que estou com você, ela não vai me procurar aqui.

Houve um segundo de silêncio onde Castiel me encarou, pasmo.

- De todas as ideias estúpidas que você já teve, essa é a mais estúpida.

- Você tem uma ideia melhor? – gritei, em pânico.

“Por favor” rezei mentalmente enquanto ele me encarava como se estivesse tentando enxergar minha alma.”Por favor, não discuta. Só acredite que eu me acovardei. Acredite que vou ficar sentada aqui como uma boa menina enquanto você encara o perigo. Por favor me diga que você ainda pensa que sou como uma mocinha de romance, como você costumava pensar.”

Castiel balançou a cabeça como se pudesse ler meus pensamentos.

- Eu vou encontrá-la – ele disse – Então nem se dê ao trabalho de se mover.

Ele simplesmente se levantou e saiu depois de dizer isso, sem nem se preocupar em se despedir, só para mostrar quanta certeza ele tinha de que logo íamos nos encontrar de novo. Eu tomei fôlego para gritar para ele que voltasse, mas me forcei a engolir o grito. Tudo bem, eu disse a mim mesma. Ele podia ir atrás dela. Pelo menos, havia me deixado sozinha como eu queria.

Porque a coisa era, eu sabia que ela viria atrás de mim. Era a mim  que ela queria. Mesmo se ela o encontrasse, ela viria atrás de mim depois. Eu só queria que ela me encontrasse primeiro para que ele não se machucasse.

Tentei sentar melhor e mexi a perna esquerda para tentar ver o estrago. A dor era insuportável e quando finalmente consegui focar o olhar através da nuvem de agonia notei que minha perna parecia dobrada em um ângulo estranho para fora. Engoli em seco, tomando coragem para o que eu tinha que fazer.

Enrolei o lenço ensanguentado na minha mão esquerda para evitar farpas e achei um pedaço de madeira quebrado em que pudesse me apoiar. Então, respirando fundo, tomei coragem e levantei. Travei a mandíbula para conter um grito e tentei me lembrar que realmente não era a hora para sentir dor.

Comecei a andar o melhor que podia, me concentrando no que precisava fazer. A adrenalina me ajudou a andar alguns metros, o medo de que ela podia encontrar Castiel primeiro mais ainda. Mas mais que tudo, eu me forcei a continuar porque sabia que ela ia me achar.

Pensei em todas as vezes que ela me achava quase magicamente na escola, o som das botas prenunciando minha desgraça. Com o eco dos túneis, o som das botas de Debrah se misturava ao som dos tênis de Castiel, ambos correndo, e eu não podia localizar bem qual estava mais próximo. Torci para que fosse ela, que ele estivesse prestes a encontrar a saída.

Então ouvi o grito dela e o som que indicava uma luta corporal. Meu sangue gelou. Castiel nunca bateria em uma garota, nem mesmo Debrah, e ela estava armada. Mesmo que ele estivesse com ódio suficiente para ter coragem de bater nela, ainda podia levar um tiro.

Como se respondendo aos meus pensamentos, ouvi o som de um tiro. Parei de respirar, concentrando toda minha atenção no barulho dos túneis. Ninguém tinha gritado, nem mesmo ofegado, e eu ouvia novamente os passos correndo, então talvez o tiro não tivesse acertado ninguém.

De repente uma das poucas luzes próximas se apagou com um “crack” e eu fiquei quase na escuridão. Não era necessário ouvir o som das botas para saber que ela estava ali. Então mais um “crack”, dessa vez contra minha perna quebrada, e eu caí com um grito.

A sombra de Debrah se avolumou sobre mim. Percebi que ela se abaixava.

- Seu namorado pegou minha arma. Não estou feliz, Lynn.

- Você o machucou? – falei em um sussurro, me esquecendo do que tinha que fazer. Debrah bufou, parecendo irritada com a minha preocupação.

- Não, Lynn – ela rosnou, se levantando. Deu um chute na minha perna quebrada, arrancando mais um grito – Não é com isso que você devia estar preocupada. É com o que eu vou fazer com você. Por que você torna tudo tão difícil? Eu só quero você assustada, apavorada, focada nisso aqui – ela parecia gesticular entre nós duas. Deu mais um chute, dessa vez contra minhas costelas – Mas você me atrapalha com todo esse altruísmo. Ah, será que Castiel está bem? E mamãe? E Rosalya? Dá um tempo.

Debrah me bateu outra vez, dessa vez com um pedaço de madeira contra  o estômago. Apertei o pedaço de madeira que ainda segurava apenas para garantir que ele estava comigo, mas não ousei tentar bater nela, porque tinha certeza que ia errar. Fechei os olhos.

- Surpresa que você consiga me acertar até no escuro – falei com sarcasmo.

Como eu esperava, Debrah me levou dali. Me arrastou pelos cabelos, claro, e eu instintivamente tentei cravar as unhas na terra, o que fez com que eu quase as perdesse, além de causar uma dor intensa porque tinha esquecido que tinha levado um tiro no braço direito.

Finalmente, percebi que havia mais luz onde estávamos, um espaço mais amplo que os outros túneis, e ela me soltou. Tive apenas um segundo para respirar.

- Realmente – ela falou – com mais luz eu posso enxergar melhor e fazer isso.

Novamente uma dor excruciante, e ela estava cravando o salto da bota na fratura da minha perna. Esperei ela se cansar.

- Ah, vamos lá – ela disse, ofegante, com aquele tom de alegria que usava ao me torturar – Não vai nem tentar reagir? Você não acha que Castiel vai conseguir te salvar dessa vez, acha? Porque se ele chegar aqui, morre.

Respirei fundo, apertando o pedaço de madeira na minha mão. Me ergui devagar me apoiando nele, enquanto Debrah assistia levemente interessada, pacientemente esperando. Quando finalmente consegui ficar de pé, ou quase, olhei em volta. Estavamos em um espaço muito mais aberto e iluminado, com algumas placas de sinalização apagadas caídas em volta. E muito, muito perto, o chão acabava e se abria um abismo.

Suspirei por um momento. Talvez tivesse que acabar assim mesmo.

Na verdade, nem sei por que achei que acabaria de outra forma.

- O que acontece agora? – perguntei, ofegante. Eu sentia as roupas grudadas no corpo, o cabelo encharcado de suor pelo esforço. Mas eu estava tão certa do que tinha que fazer que nem prestava muita atenção na dor e no cansaço, como se ter um propósito apagasse todo o resto. – Você ainda quer me levar daqui? Ou quer me matar aqui mesmo?

Meu tom calmo e seguro pegou-a de surpresa, julgando pelo modo como ergueu as sobrancelhas. Ela pegou a faca de caça do bolso e estudou a lâmina como se a resposta que buscava estivesse ali.

- Se você for quietinha – ela disse finalmente, erguendo os olhos para mim – podemos ir embora sem ter que machucar Castiel. Caso contrário, ele morre.

Sorri com sinceridade.

- Não. – falei simplesmente.

Uma pausa.

- Não? – Debrah ecoou, parecendo confusa – Você prefere que eu mate Castiel?

- Se você quiser mesmo fazer isso, não acho que eu possa impedir – falei – mas claro, vou tentar. É isso que estou dizendo.

Ela bufou.

- Qual é o novo planinho, Lynn? – Debrah falou cansada – Você sabe que não pode me enfrentar. Já tentou, lembra?

Manquei até ela o melhor que pude. Queria que ela visse a sinceridade no meu rosto o melhor que pudesse.

- Não tem planinho – disse com simplicidade – Mas vou, sim, lutar. Vou fazer tudo que puder pra te impedir, mesmo que a única coisa que eu possa fazer seja gritar. Mas vou gritar e espernear, mesmo que não te impeça. Vou lutar o máximo que eu puder, até que não te sobre outra opção senão me matar.

Debrah parecia cada vez mais confusa.

- Ou – ela disse lentamente – eu posso, aliás, vou, matar todo mundo que você ama se você me forçar a te matar, você sabe.

Sorri ainda mais.

- Você acredita em vida após a morte, Debrah? Não acho que acredite – respondi por ela – Eu acredito que, se me matar, sou capaz de voltar pra te assombrar. Mas se você matar as pessoas que eu amo depois de mim, você sabe que não vai ser a mesma coisa. Eu não vou estar aqui pra sofrer. Eu devia ter pensado nisso antes – falei quase para mim mesma – você me ameaçou tanto tempo com isso. E na verdade, mesmo que você os mate... não vai ser a mesma coisa, não é? Se eu não estiver sofrendo.

- Mesmo assim – ela começou, mas eu balancei a cabeça.

- Não – falei com firmeza – Acabou. Não vou fazer o que você quer. Você me manipulou por tanto tempo com isso, Debrah. Me convenceu de que não machucaria quem eu amo se fosse boazinha, mas continuou me cutucando pra que eu reagisse, afinal, que graça teria se eu não lutasse um pouco, eu sei. E só agora me dei conta de que seu esquema vai durar pra sempre, e isso, Debrah, muda tudo. Porque independente do que você diga, do que faça comigo, do que faça com as pessoas que eu amo, eu vou lutar contra você.

- Não acho que você consiga – ela respondeu depois de um segundo de hesitação.

- Estou te encarando aqui de pé sobre uma perna quebrada, Debizinha – falei, sem nenhum sarcasmo no apelido. Simplesmente o nome dela saiu daquele jeito – Isso deve te dar uma noção do quanto eu posso aguentar. Cristo, o tanto que eu aguentei de você até agora deve te dar uma ideia. Você vai ter que fazer muito pior. Vai ter que quebrar cada osso do meu corpo, estourar cada um dos meus nervos. E eu vou lutar e gritar e espernear e nunca vou parar. E uma hora, você vai ver que o único jeito vai ser me matar.

Debrah ergueu as sobrancelhas, brincando com a faca na mão.

- Isso deveria ser um problema? – perguntou finalmente.

Bingo.

- Não, não deveria. Estou dizendo que você vai poupar muito tempo se fizer isso agora.

Algo como compreensão começou a se formar no olhar dela. Debrah abriu um esgar que se pretendia um sorriso.

- Não. Isso é fácil demais. É isso que você quer, não é? Morrer. Não vou te deixar escapar assim. Você tem que sofrer muito antes de morrer.

- Eu estou te dizendo que não me importo. Estou te dizendo que você não vai ter saída. Porque eu não vou parar. Esse sempre foi seu trunfo contra mim, o meu medo. Olhe nos meus olhos, Debrah. Somos parecidas demais, então você sabe que estou sendo sincera. Eu não tenho mais medo. E eu não vou parar de lutar. Não estou blefando. Estou te desafiando.

Joguei o pedaço de madeira em que me apoiava no chão. Quase não ligava para a dor insuportável de colocar meu peso sobre uma perna quebrada. Eu sabia que ia acabar logo.

- Vamos lá – falei, abrindo os braços – Você disse que Castiel pegou sua arma, mas você tem a faca que usou para matar Bia. Não vou te pedir pra ser rápida nem nada. Só faça isso.

Debrah tremeu, hesitando.

Eu podia ver a cor fugindo do seu rosto, cada pequeno músculo se contorcendo. A mão apertava com tanta força o cabo da faca que o tremor era óbvio. Suas sobrancelhas se ergueram e vi que ela estava finalmente entendendo o mesmo que eu tinha entendido depois de levar um tiro.

Ela balançou a cabeça.

- Não vou facilitar sua vida, ou sua morte, nesse caso – Debrah disse em voz baixa.

- Não vai? Você não pode, não é?  - respirei fundo antes de falar, saboreando as palavras. Finalmente suspirei. – Você não consegue me matar.

- Ah, consigo – ela riu com desgosto, mas sua risada falhou – não me teste.

- Suponho que sim – rebati calmamente, baixando oss braços – se fizer um esforço. Mas é mais difícil do que você pensava. Porque eu me tornei uma peça fundamental na sua vida. E você não está pronta para ficar sem mim.

Debrah pareceu ainda mais surpresa, então gargalhou, parecendo relaxar um pouco. Ela achava que eu tinha enlouquecido, claro.

- Ah, meu deus – ela falou quando conseguiu diminuir o riso – você está dizendo o que? Que eu estou apaixonada por você?

- Não, claro que não – respondi sem perder o ritmo – você é incapaz disso. De amar, eu quero dizer. Mas é um sentimento mais complexo. Você precisa de mim.

O sorriso morreu. A mão dela afrouxou na faca.

- O quê? – ela disse em uma voz fraca.

- Eu me lembro, Debrah. Da noite em que você disse que se sentia conectada comigo de algum jeito, mesmo me odiando. Eu disse que não entendia, mas menti, porque estava com raiva. Eu entendo.

Manquei alguns passos com sofrimento. Ela não se mexeu.

- Você precisa de mim. Você se sente ligada a mim, porque eu sou a única pessoa que te compreende, que te conhece, por mais que te odeie. Isso não te afeta, porque você não entende o amor. O amor que seus pais têm por você, que Castiel teve por você. Eu costumava achar que você invejava o amor que eu tinha, dos meus pais, dos meus amigos, de Castiel, mas o amor em si não é a questão pra você. O que realmente te afeta é que eu tenho... compreensão. Foi assim que você causou o término entre eu e Castiel. Você viu, antes de mim, que ele não me conhecia de verdade. Porque ninguém conhecia você de verdade. Somos tão parecidas, todo mundo diz. Você tem raiva porque eu posso ser eu mesma, e todo mundo me vê, me entende, me aceita.

- É fácil pra você falar! – Debrah gritou de repente. Eu tinha atingido seu ponto fraco. – Você não precisa se esconder! Você não tem que se envergonhar de quem é!

- Porque eu não sou uma porra de uma psicopata! – gritei de volta. Mordi o lábio. Não queria gritar. Queria explicar. – Eu sou ruim, na verdade. Sei disso. Tenho certeza que sou capaz de coisas horríveis assim como você. Mas eu... sou capaz de pensar duas vezes. De me colocar no lugar dos outros. Quando quis matar você, a coisa que mais me atormentava era pensar nos seus pais, em como eles iriam se sentir. Isso se chama empatia. É a diferença fundamental entre nós duas.

- Grande coisa – Debrah resmungou, a voz estranhamente irregular – Aos olhos de todo mundo, você é melhor, não é? Enquanto eu tenho que brigar o tempo todo contra os meus instintos só pra conseguir conviver com as pessoas.

- Mas não comigo – falei com cuidado.

Debrah engoliu em seco, mas não disse nada e apenas me encarou.

- É isso que acaba com você. Você percebeu que tudo aquilo que queria, fama, dinheiro, um namorado maravilhoso, eram só recortes de algo maior. Você queria poder parar de fingir. Por isso não tomou a rota fácil. Podia simplesmente me matar desde o começo. Mas não conseguiu.

Mais alguns passos até ela e Debrah continuou imóvel.

- Você é tão incapaz de amor que a única pessoa com quem conseguiu se conectar foi aquela que mais odiava – continuei – tão incapaz de amor que o único modo de interagir era tortura. E é por isso que não consegue me matar. Porque não quer ficar sozinha no escuro de novo.

Houve um segundo em que Debrah olhou no fundo dos meus olhos, os seus brilhando, azuis, e achei que ela ia chorar. Então ela colocou a faca perigosamente contra minha garganta.

- Eu ainda posso fazer isso – ela falou, a voz fraca.

- Mas não quer – eu falei com calma – Porque sabe que quando sair daqui, o único jeito de sobreviver vai ser voltar a fingir. Ou vai, no máximo, viver o resto da vida na cadeia sendo odiada, mas de qualquer forma, sem que ninguém entenda. E um dia, Debizinha – acrescentei em voz baixa – você não vai aguentar. Você não vai mais querer viver em um mundo onde está sozinha. Você vai escolher morrer também.

Os olhos dela saíram dos meus. Eles pareciam distantes, como se ela pudesse ver o futuro que eu dizia. E por conhecermos uma a outra tão bem, tinha certeza de que ela sabia que eu estava certa.

Com cuidado, coloquei as mãos sobre a dela, que segurava a faca contra meu pescoço.

- Estou te dando a opção de acabar com isso agora – eu disse simplesmente – porque nós duas sabemos como vai acabar. Sempre soubemos. Uma vai matar a outra. E eu tenho certeza de que você não vai aguentar sozinha por muito tempo.

- Está propondo que eu me mate com você – Debrah falou sem emoção, um sorriso leve passando pelo seu rosto. – O que te faz pensar que vou aceitar isso?

- Você sabe que tenho razão – falei, dando de ombros – E ainda assim, não espero que você aceite. Gostaria muito de te levar comigo e garantir que o mundo está livre de você. Mas sei que sem eu aqui, você não vai ter propósito. Sei que se eu me for, você não vai querer machucar mais ninguém. Não vai ter graça. Você pode, claro – falei em um tom condescendente – me levar e me matar aos poucos. Mas, de verdade, Debrah... você não está cansada? Eu sei que eu estou. Vamos só... terminar isso. De uma vez por todas.

Nos encaramos pelo que pareceu uma eternidade, com uma compreensão mútua que sempre havíamos tido, mesmo que só admitisse agora. E eu achei de verdade que ela ia aceitar.

Um tiro. Debrah gritou e em um segundo estava me segurando por trás, a faca mais apertada na minha garganta em ameaça. Castiel estava na entrada da câmara onde estávamos com a arma bem firme em sua mão.

- Que mira ruim, gatinho – Debrah gritou. Ela me segurava contra ela, exibindo a lâmina no meu pescoço. Devia ter notado o precipício assim como eu.

- Estava mirando no seu ombro – ele gritou de volta. Eu nunca tinha visto Castiel tão sério, tão frio. Chegava a dar medo – Porque quero te dar uma chance. Mas se não soltar ela agora, a próxima vai ser na cabeça. E dessa distância, não vou errar.

- Ah, Castiel – Debrah gritou – Lynn não quer que você se torne um assassino por ela.

- Castiel, por favor – gritei, um pouco desesperada. Eu estava quase lá. Aquilo ia acabar de uma vez por todas e eu não podia deixar Castiel sujar as mãos – Vá embora. Eu sei o que estou fazendo.

Castiel analisou a situação mais uma vez, o modo como ela apertava a lâmina no meu pescoço, o outro braço segurando minha cintura.

Outro tiro, dessa vez perto demais da minha cabeça, e Debrah gritou. O tiro pegou de raspão na mão que segurava a faca e fez com que Debrah a soltasse, o que parecia ser a intenção.

- Agora, Debrah – ele disse com firmeza – Não vou falar mais uma vez.

DEbrah deu mais alguns passos para trás. Ela suspirou no meu ouvido.

- Parece que seu desejo vai se realizar, afinal – ela sussurrou – vamos juntas.

Assenti, conformada. Quase não sentia mais dor ou cansaço, como se meu corpo já tivesse desistido. Não me importava mais.

Olhei para Castiel. A única coisa que me doía era que ele tivesse que ver isso.

- Eu amo você – falei com simplicidade, as palavras ecoando pelas paredes de pedra.

Castiel ergueu as sobrancelhas e finalmente pareceu se dar conta do abismo atrás de nós, mas Debrah estava parando, e pude ouvir o barulho das pedras caindo, avisando que estávamos na beirada. Ela só tinha que me puxar.

Me virei com cuidado no abraço dela. O mundo tinha desacelerado e eu não queria olhar para Castiel. Preferia morrer olhando no azul dos olhos dela do que ver a dor da pessoa que eu mais amava.

Debrah deu um passo para trás. Senti a gravidade.

E então, um segundo vacilante, como se as leis da natureza tivessem sido canceladas, porque eu não estava caindo, mas Debrah estava, e seus olhos se arregalaram dentro dos meus, porque ela entendia o que quer que estivesse acontecendo.

Só então percebi minha camiseta sendo puxada para trás, e então um braço envolvendo minha cintura quando o de Debrah, de algum jeito, foi forçado a me soltar. E mais um segundo onde ela, desesperada para não cair, tentou agarrar meu pescoço, sem sucesso, e seus dedos se fecharam em torno do pingente de guitarra.

Caí contra o chão de terra batida. Castiel estava me segurando, tentando me ajudar a me sentar, mas eu ouvia o grito mais horrível do mundo ecoar no abismo. Então um baque. E silêncio.

- Lynn! Você está bem?

Me arrastei até a beira do precipício, desorientada, sentindo Castiel tentando me segurar de qualquer jeito. A luz não chegava completamente lá embaixo – eu calculava uma altura de dez andares – mas era suficiente para que eu visse a silhueta estirada contra as pedras, com o pescoço e os membros nas posições mais estranhas, como uma boneca quebrada.

E eu sabia o que significava.

Deixei que Castiel me arrastasse para longe do precipício. Ele gritava coisas que eu não entendia, meus ouvidos zunindo por causa dos tiros e do grito que ainda ecoava na minha cabeça e eu vi que ele ainda segurava a arma. Tirei das mãos dele com cuidado e joguei no chão. Consegui encará-lo.

- Lynn – Castiel repetia – Consegue me entender?

De algum jeito, sorri. Passei os dedos trêmulos no rosto dele, meu corpo voltando a doer com força total. Estranhamente, não me importava.

- Melhor que nunca. – falei, com uma calma que me surpreendeu. Suspirei, cansada. – Pode me segurar? Acho que vou apagar. Obrigada.

Desmaiei.


Notas Finais


Neste dia 20/09 fazem exatos três fucking anos que comecei a publicar essa fanfic. Pensei em fazer um textinho piegas a respeito, mas vou deixar pra falar tudo que tenho pra falar no último capítulo/epílogo.


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