História We need to talk - Capítulo V

A brisa gelada daquela manhã de sábado movia a cortina branca quase transparente da sala, os balanços suaves do tecido invadiam o ambiente e revelavam que alguém ocupava a varanda.

Luhan estava sentado em sua poltrona favorita com os pés sobre o estofado e os olhos fixos nos prédios vizinhos, mas seus pensamentos estavam bem longe dali. Sua mente era daquelas que poderíamos chamar de traiçoeiras, quando se via pensando ingenuamente no que faria da vida, os olhos de um certo estudante de artes invadia e destruía tudo como uma fotografia queimada. Era um tanto frustrante para Luhan, principalmente porque o gosto daquele último beijo parecia preso em sua boca mesmo depois de uma semana, e nem ao menos podia culpar o responsável porque o próprio não aparecia desde então na livraria.
As vezes se perguntava secretamente se havia feito certo em cortar qualquer chance de se envolver em um novo relacionamento, mas só de pensar nisso e consequentemente lembrar de seu ex-namorado, se sentia claustrofóbico.
 

- Sabe Mous, você tem sorte de ser um gato e sua única preocupação ser arranhar o meu sofá. – Disse permitindo que seu gato se acomodasse ao seu lado.
 

As cinzas presas na ponta do cigarro esquecido caíram sozinhas no cinzeiro apoiado no braço de madeira da poltrona enquanto Luhan movia a mão livre por suas pernas descobertas tentando aquecê-las em vão só porque não queria entrar ou pegar uma coberta. Eram dez da manhã e sua única vontade era ficar ali com seus conflitos internos. Não trabalhar nos fins de semana era a única coisa boa dos seus fins de semana ultimamente.
 

- Rapunzel, jogue suas tranças! – Berrou uma voz vinda da rua.
 

Aquilo resgatou Luhan para o mundo real, mas não necessariamente porque era uma frase ridícula de se dizer, mas sim porque a voz era bem conhecida. Levantou-se da poltrona e se debruçou na grade da varanda.
 

- O que você faz aqui, Baekhyun? – Perguntou o vendo sozinho no meio da rua.
 

- Não é óbvio?! Eu vim fazer seu almoço! – Disse ele levantando sacolas de compras. – Abra logo!
 

Luhan saiu da varanda e entrou pra poder autorizar a entrada de seu amigo ao prédio. Por sorte seu apartamento já estava bem arrumado ou dificilmente aquela visita iria ser bem recebida.
 

- Cadê seu namorado? – Perguntou Luhan minutos depois segurando a porta para que Baekhyun entrasse.
 

- Eu não posso passar uma manhã com meu melhor amigo sem ser na livraria?! – Rebateu colocando todas as sacolas sobre o balcão principal da cozinha.
 

- Não?! Passar as manhãs com o Chanyeol é seu passatempo predileto. – Disse fechando a porta. – Anda, desembucha. Onde ele tá?
 

- Primeiro apague essa coisa, não quero ser fumante passivo. – Falou se referindo ao cigarro que ainda estava entre os dedos de Luhan.
 

O mais velho revirou os olhos e andou até a varanda para apagar o cigarro no cinzeiro esquecido lá. Assim que o fez, voltou à cozinha e se sentou na cadeira alta do balcão central esperando que o outro se explicasse de uma vez por todas.
 

- Oquei, oquei. – Disse Baekhyun. – Hoje era aquela competição de boliche, lembra? O Channie não queria desanimar o Jinhee com a minha presença, então eu não fui.
 

- Por que raios ele iria desanimar com a sua presença?! – Levantou uma das sobrancelhas achando aquele motivo meio esquisito.
 

- Porque ele não tem um namorado pra torcer por ele! – Falou enquanto tirava as compras das sacolas. – Você pode achar uma baboseira, mas isso pode prejudicar no boliche!
 

- Hm... Sei. – Luhan pegou uma maça e a levou até a boca dando uma mordida. – Você tem razão, eu acho isso uma baboseira! Mas ao menos eu ganharei almoço! – Falou sorrindo e voltando a mastigar.
 

- Seu insensível! – Disse Baekhyun balançando a cabeça inconformado. – Pegue as panelas pra mim, sim?
 

Por mais que falasse essas coisas e acabasse por insistir que seu melhor amigo voltasse com o ex mais do que o devido, Baekhyun era a pessoa que mais sabia o porquê do fim daquele relacionamento. Na realidade era a pessoa que mais conhecia Luhan em todo o mundo e isso lhe dava a certeza de que se a pessoa que fosse ficar ao lado dele não fosse paciente, o fim de Luhan seria mesmo viver apenas com gatos.
 

- Onde vocês vão hoje mesmo? – Perguntou Luhan enquanto ajudava cortando alguns legumes.
 

- Naquela casa de show nova que abriu perto da Revive! – Falou Baekhyun animado. – Hey! Você bem que podia ir conosco, né?!
 

- Não, valeu! – Negou sem nem pestanejar movendo a cabeça negativamente.
 

- Mas o Jinhee não vai! – Falou logo em seguida esperando que isso o fizesse mudar de ideia ou ao menos considerar pensar.
 

- Como que ele não vai?! – Perguntou desconfiado.
 

- Ele não anda fazendo nada que não seja trabalhar. Penso até se eles não vão perder o boliche hoje com a depressão dele. – Disse parando o que fazia para olhar Luhan. – Bem, dane-se ele! Vamos lá, Luhan! Você não pode ficar trancado nesse apartamento pra sempre! Vamos com a gente! É a grande inauguração e temos um ingresso extra! Vamos! Por favor, vamos!
 

Luhan revirou os olhos e encarou seu amigo não muito convencido se aquela era uma boa ideia, mas no final acabou aceitando com a cabeça para que não tivesse que ouvi-lo insistir por mais tempo.
 

- Tudo bem! – Disse ainda relutante. – Mas você não vai ficar no meu pé e nem vai me apresentar ninguém com más intenções! Isso é ridículo!
 

- Pode deixar! – Afirmou com um largo sorriso. – Se você quiser sumir depois que entrarmos, pode sumir! Não voltando pra cá, já me deixa feliz!
 

Luhan riu com o entusiasmo de Baekhyun só em poder lhe tirar de casa e resolveu dar uma trégua em seus pré-julgamentos. Sair realmente seria bom e se não teria que dar de cara com seu ex-namorado faria bem para sua mente conhecer novas pessoas no final das contas.

Ambos voltaram a preparar o almoço com mais animação e passaram o resto daquela manhã e início da tarde conversando sobre coisas como o filme que por coincidência haviam visto juntos na noite anterior pela televisão até possíveis decorações para o fim de ano na livraria.
Quando decidiram olhar para um relógio novamente já passava das três da tarde e estavam agora sentados na mesa pós-almoço com toda a louça utilizada esperando para ser lavada.
 

- Você nunca pensou que poderia ficar com alguém o resto da vida? – Perguntou Baekhyun dobrando as pernas sobre a cadeira.
 

- Sabe... – Disse colocando o cotovelo sobre a mesa e apoiando a cabeça em uma das mãos. – Acho que é o que mais penso e é o que mais me dá medo... Quando comecei a morar com o Jinhee eu pensava nisso todos os dias e como me frustrava não poder fazer as coisas como eu queria porque vivíamos juntos! Sei que foi minha culpa como tudo terminou, mas eu não ia conseguir viver assim pra sempre.
 

- Não foi sua culpa... – Disse Baekhyun movendo o garfo distraidamente no prato vazio. – Quer dizer, você que terminou, mas ele teve tanta paciência para conseguir namorar com você, depois foi todo cuidadoso pra pedir que você morasse com ele, por que raios um ano depois veio com aquelas ideias mirabolantes de família?! Quem ele pensava que estava namorando? A menina que empacota o pão?!
 

- Eu não sei a menina que empacota o pão, mas provavelmente alguém como você? Seu relacionamento é perfeito e bla bla bla. – Falou Luhan.
 

- Não é! Tá, talvez um pouco... – Riu breve pra descontrair a conversa. – Mas a verdade é que todos nós temos uma parcela de culpa nisso tudo. Você por não aguentar viver sob as regras de alguém, ele por querer os “felizes para sempre” cedo demais e até mesmo eu por não ter segurado a onda dele.
 

Luhan ficou um tempo em silêncio pensando nisso. Talvez nunca deixasse de ser assustador a ideia de passar a vida inteira com alguém do lado, mas saber que não era apenas sua culpa estar sozinho naquele momento era reconfortante.

- Embora o Chanyeol tivesse que ter feito isso! – Acrescentou Baekhyun.
 

- Chanyeol é mesmo um imprestável. – Falou Luhan recebendo um guardanapo voador de seu amigo logo em seguida. – Aish!
 

- Não fale assim dele! Ele não tem culpa do amigo que tem!
 

Enquanto a conversa tomava outros rumos menos sérios, resolveram enfim se levantar e começar a lavar toda aquela louça suja. Afinal o dia não iria parar no tempo para que continuassem preguiçosamente sentados na mesa da sala jogando papo pro ar. E parar no tempo era a última coisa que realmente iria acontecer porque os ponteiros do relógio pareciam correr para que a noite finalmente chegasse.
 

De qualquer forma aquele sábado já era de longe o melhor para Luhan desde o fim de seu namoro. Era muito bom ter um amigo ao seu lado, mesmo esse lhe guiando para caminhos errados as vezes...

~We need to talk about it

Baekhyun já havia ido embora a algumas horas e Luhan estava em seu quarto escolhendo com que roupa iria para a inauguração da nova casa de show de Seul. Em uma escala bem exagerada, faziam séculos que não ia para um lugar assim, principalmente sozinho, então estava um pouco apreensivo.
Sentou-se na beirada da cama e ficou olhando para seu armário de portas abertas esperando que alguma roupa caísse de lá sozinha gritando “me escolha”, entretanto a única coisa que pulou em seu colo foi Moustache.
 

- Você quer que eu fique? – Perguntou fazendo carinho atrás da orelha de seu gato. – Não, né? Você é esperto...
 

Moustache logo saiu de seu colo lhe ignorando e sem poder enrolar mais porque o relógio piscava 20:44 sobre a cômoda em números grandes e vermelhos, Luhan se levantou e enfrentou a batalha inevitável contra o armário. Jogou sobre a cama uma calça preta justa e uma camiseta de manga comprida azul marinho de gola V. Era uma escolha genérica, mas só estava planejando beber um pouco e voltar pra casa a tempo dos filmes velhos da madrugada, não pretendia seduzir ninguém.
Pegou sua toalha e foi tomar banho. Tinha até as dez para estar na porta do estabelecimento sem que Baekhyun lhe matasse, mas já que tinha um péssimo hábito de enrolar tentou apressar o ritmo para não chegar atrasado.
 

Ficou alguns minutos no banho depois se enxugou, vestiu a roupa escolhida e calçou um coturno preto. Enquanto secava o cabelo de frente pro espelho oval do banheiro, seus dedos deslizavam por entre mechas claras e conseguia ver pela primeira vez que a raiz já crescia escura no início dos fios. Com tantos problemas em sua vida nas últimas semanas havia esquecido por completo de cuidar de si mesmo. Guardou o secador e com ambas as mãos ajeitou o cabelo até que ficasse satisfeito com sua própria aparência. Acontecesse o que for, iria se divertir hoje. E isso era uma promessa.
Quando enfim terminou todo o ritual de se arrumar, pegou a carteira, as chaves e saiu deixando pra trás seu gato e todos os seus maus pensamentos.
 

O metrô ser no final da rua era uma das coisas que tornava aquele apartamento a moradia ideal para Luhan. Em menos de vinte minutos já estava na rua da então casa de show e pelo número de gente andando naquela mesma direção, parecia que a noite seria pelo menos bem cheia.
Baekhyun e Chanyeol já lhe esperavam na porta, aproximou-se e os cumprimentou sentindo aquele clima de casa de show começar a lhe contagiar.
 

- Você vê essa fila enorme? – Falou Baekhyun. – Por sorte não iremos pegá-la! – E em seguida mostrou os três convites com muito orgulho.
 

A fila devia ter por volta de umas cinquenta pessoas e o segurança liberava a entrada de quatro em quadro a cada minuto. Era uma espera bem irritante para quem estava ali no frio, mas como Luhan não iria precisar enfrenta-la não tinha com o que se preocupar.
Os três entregaram seus convites e passaram direto.
 

A primeira vista a casa de show já era sem dúvida incrível. Com vários desníveis e diversas luzes e telões interativos, parecia outro universo psicodélico. O segundo andar que rodeava todo o local, era o camarote que tinham acesso graças as entradas VIPs, mas onde estavam precisamente era a área intermediária, mais conhecida como a parte do bar e que dava acesso as escadas e banheiros. Descendo quatro degraus iam para a área das mesas e mini palcos, mas era descendo mais alguns degraus que finalmente chegavam na pista de dança. Enorme e repleta de gente.
Baekhyun puxou Luhan pelo pulso e foram para o bar. O chinês até parecia meio desnorteado com tanto barulho e quantidade de gente desconhecida por metro quadrado, mas atribuiu isso aos meses sem vida social.
 

- Lotado, né? – Falou Baekhyun após conseguir fazer o pedido de três cervejas pro bartender.
 

- Acho que esse nem é o problema, a quantidade de gente lá fora pra entrar que me preocupa! Cabe tudo isso aqui?! – Perguntou Luhan com o tom de voz mais elevado para que os outros dois conseguissem escutar apesar do excesso de vozes juntas.
 

- Nós vamos pro camarote de qualquer forma. – Comentou Chanyeol abraçado a Baekhyun. – Meu colega que nos convidou deve estar nos esperando!
 

Santo Chanyeol, pensou Luhan. Os três pegaram suas cervejas e começaram a andar tentando ao máximo não esbarrar em ninguém. Tarefa essa que era um tanto difícil porque parecia que metade das pessoas preferiam dançar em lugares inapropriados do que ir para a pista de dança.
Livres do aglomerado, começaram a subir as escadas com mais espaço para se mexer e quando enfim chegaram no tão aguardado camarote a primeira coisa que se perguntaram foi em que mundo haviam entrado agora, porque não parecia mais o mesmo de segundos atrás. Era tão espaçoso, climatizado e cheio de gente bem vestida. O paraíso para Baekhyun em um resumo básico.
 

- Chanyeol! – Falou um homem jovem ao se aproximar. – Estava esperando por você! E aí, o que achou? Incrível, não é?
 

Ele parecia ser o dono daquele local, ao menos a forma como falava da casa cheio de si ao decorrer daquela conversa dava essa impressão. Luhan o cumprimentou cordialmente e ficou por um tempo ali desenferrujando suas habilidades de socializar com estranhos, mas assim que teve uma chance pediu licença e se afastou. Estava disposto a conhecer pessoas novas, mas não estava muito no clima para assuntos de negócios. Administração e números já bastava na livraria.
Andou até a beirada que dava visão à toda a casa de show e ficou ali observando os andares abaixo enquanto bebia sua cerveja sozinho. No início o camarote parecia o céu com todo aquele espaço e pessoas “selecionadas”, mas Luhan começava a se convencer que talvez fosse uma pessoa mais atraída pelo inferno e sua superlotação.
Virou-se rapidamente vendo que seu melhor amigo e o namorado ainda estavam entretidos com a conversa e decidiu dar uma rápida escapada até o submundo. Certamente eles não iriam se importar.
 

A música que tocava parecia cada vez mais alta conforme Luhan descia as escadas parcialmente iluminadas. Era excitante aquele clima e as batidas pesadas pareciam estar dentro de seu corpo. Largou a garrafa de cerveja vazia em alguma mesa desocupada e continuou descendo como se fosse atraído pelo calor da pista de dança. Quando chegou na beirada faltando um último degrau, o DJ trocou de música. Todas as luzes e telões foram tomados pela cor vermelha e como se lessem seus pensamentos tudo ficou em chamas.
Luhan respirou fundo dando mais uma última olhada envolta e com um sorriso no canto dos lábios sumiu na multidão.
 

- E aí, galera! - Uma voz surgiu longe dali.
 

Baekhyun virou-se para ver quem era talvez imaginando que fosse algum amigo, mas no instante seguinte a garrafa de cerveja que ainda segurava escorregou de seus dedos e foi direto pro chão do camarote se quebrando inteira.
 

- Jinhee?! – Falou em choque.
 

Quem sabe aquela cor vermelha fosse um aquecimento pro verdadeiro incêndio que estava por vir.