- Francamente, não sei se fico mais surpreso com o fato de você ser uma descendente do Pendragon ou com alguém ter um composto como esse escondido por aqui e não ter me dito – as sobrancelhas de Ezarel se franziram e Millie bufou
- É sério que você não está entendendo a gravidade da situação?
- Eu entendi muito bem a gravidade da situação, Amelia – ele revirou os olhos – mas entrar em pânico não a ajudará em nada. Pelo contrário; fará com que você tome decisões idiotas e irracionais que fatalmente fracassarão
Ela se ergueu da bancada onde estava sentada, os braços cruzados abaixo do peito e uma expressão de insatisfação em seu rosto.
- E o que me sugere ó grande Ezarel, elfo dos elfos, portador de toda a sabedoria desta humilde dimensão?
O alquimista abriu um grande sorriso.
- Obrigado. Eu faço o que posso.
- Sabe que isso foi sarcasmo, não é?
- Aparentemente sim, mas vindo de você eu tenho minhas dúvidas.
A faelien abriu e fechou a boca para responder três vezes e a única resposta que encontrou foi:
- Então, o que me sugere fazer?
- Primeiramente, isso coloca sua chegada aqui sob um novo prisma. Você não caiu aqui por acaso. Algo a queria em Eldarya e me atrevo a dizer que esse algo tenha sido o Oráculo do Grande Cristal. Isso explicaria você ser um imã de cristais e ter encontrado mais pedaços por acaso do que todos nós em buscas minuciosas. Digamos que você tem linhagem real, Millie.
A jovem refletiu sobre a última informação por alguns momentos. Linhagem real. Isso significava que ela era uma espécie de princesa? Não era de todo ruim. Era seu sonho ser uma princesa quando tinha...cinco anos de idade? Por aí
- Sim, mas porque fui “convocada” depois de tanto tempo?
- Talvez porque o Cristal se quebrou. E quando ele se quebrou, o Oráculo pressentiu o perigo e o desequilíbrio que estavam por vir. Por isso você foi...convocada, como disse – Millie viu o lábio inferior do elfo tremer e percebeu que ele estava fazendo um considerável esforço para não rir
- Entendo... Mas, Ezarel – a faelien o olhou nos olhos – você falou de equilíbrio. Mesmo que a razão seja essa, há algo faltando na equação. Os daemons foram extintos, lembra-se?
O alquimista coçou o queixo com o indicador direito.
- Sim, e essa a única peça do quebra-cabeça que não se encaixa. A não ser que...
- A não ser que?
- A não ser que os daemons não tenham sido de todo extintos. Talvez, assim como você, aja alguém com sangue daemon nas veias perdido por Eldarya.
Millie considerou a hipotése por um momento
- Impossível – disse, por fim – Alguém já teria descoberto
- E o que a faz pensar isso?
- Bom – ela franziu a testa como quem não estava entendendo a obviedade da pergunta – Sabemos, ou ao menos suspeitamos, que Miiko sabe quem sou. Isso mostra que esconder um tipo tão raro não é tão simples assim.
Ezarel soltou um tsc de desdém
- Não é como se fosse muito expert em camuflagem, não é mesmo Amelia? Aliás, até hoje me pergunto como você foi parar na Sombra – ele riu, mas completou logo em seguida, revirando os olhos – É humor, humana sensível. Eu sei muito bem que você não tinha ideia de quem era e blábláblá
A faelien nada respondeu. Estava pensando nela, em seus pais e em sua mais recente descoberta. Será que eles tinham alguma ideia do ancestral que possuíam? Bom, um deles na verdade. Millie se pôs a pensar de qual dos dois poderia ter herdado essa complicada carga genética. De sua mãe ou seu pai? Sua mãe sempre fora mais a explosiva, esquentada e ativa dos dois; do pouco conhecimento que tinha dos dragões (todos vindos de livros de fantasia do seu mundo), esse era o comportamento mais conhecido dessa raça. Mas, analisando bem, seria melhor que eles de fato não soubessem. Estariam seguros, poderiam viver plenos e felizes como sempre, sem o medo pairando sobre suas cabeças, como pairava sobre a dela agora. Millie não conseguiu reprimir um soluço e Ezarel a encarou, alarmado.
- O que houve?
- Ezarel, eu... estou assustada.
Sua voz quebrou e ela se odiou por isso. Provavelmente o elfo era a última pessoa na frente da qual ela desejaria demonstrar fraqueza. Ainda assim, ela o amava, e de que serve as pessoas que amamos se não para nos dar apoio na hora que mais precisamos? E aparentemente o líder da absinto concordava com esse ponto, considerando a forma que – para surpresa de ambos – ele passou os braços em volta da jovem protetoramente. Ela permaneceu estática pelo choque de início, mas por fim se deixou levar pelo momento e timidamente abraçou-o pela cintura, aconchegando a cabeça de cabelos loiros em seu peito. Ezarel tinha um cheiro bom, uma mistura de plantas exóticas com um perfume amadeirado que ela não sabia identificar qual era. Naqueles instantes em seus braços ela se sentia segura, como se nada de mal pudesse atingi-la. Ela soltou um suspiro lento e trêmulo, como para liberar a tensão presente dentro de si.
- Não precisa estar. Você está segura. Eu vou mantê-la segura.
Ela ergueu os olhos e íris violetas encontraram esmeraldas
- Você promete?
- Prometo
Millie engoliu em seco ante a intensidade em sua voz. Não duvidaria de uma promessa como aquela, não dita com tanta veemência. De súbito, uma necessidade urgente se apoderou dela: a necessidade de dizer a ele o que sentia há tanto tempo e guardava dentro de si.
- Ezarel...Tem algo que eu preciso lhe dizer
- E o que seria? - ele parecia vivamente interessado e a jovem teve que lutar contra o bolo que se formava em sua garganta
- Eu... - mas novamente batidas à porta os interrompeu. A faelien praguejou internamente; precisava arrumar lugares menos frequentados para se encontrar com o elfo, definitivamente. Eles se desvencilharam e os dois pareciam sem saber o que fazer.
- Tenho que ir – Millie disse, por fim – Nevra marcou uma simulação para mais tarde e sabe como ele detesta atrasos
- Claro – finalmente o alquimista pareceu encontrar sua voz – conversamos sobre esse...tópico depois, se quiser, é claro.
Ela respondeu com um aceno positivo de cabeça e saiu silenciosamente. Encontrou Ewelein parada à porta, com um saco de ervas em suas mãos, provavelmente ingredientes para uma nova poção. A elfa lhe cumprimentou com um sorriso terno.
- Boa tarde, Millie. Aconteceu alguma coisa? Você não está com uma expressão muito feliz, foram as péssimas piadas do Ezarel de novo?
- Boa tarde, Ewelein. E não – ela deu uma risadinha – a culpa não é do Ezarel dessa vez. Só estou cansada, isso é tudo. Amanhã estarei melhor.
A médica não pareceu acreditar muito, mas não insistiu em perguntas.
- Espero que fique. Bom, tenho que entregar algo a ele e depois voltar ao trabalho; o dia está cheio hoje. Até depois, Millie.
- Até.
Dando as costas a elfa, a faelien se encaminhou ao seu quarto, mas o momento “romântico” que tivera com o alquimista não saía de sua cabeça. Fechando os olhos, ela quase podia recriar toda a cena em sua mente: o cheiro dele, seu calor corporal, suas mãos a envolvendo...um arrepio percorreu toda a extensão do seu corpo e ela soltou um suspiro. As vezes o destino era bem engraçado.
Sua mais nova descoberta e os acontecimentos que a sucederam haviam tomado conta de seus pensamentos por completo. Foi pega pelo Black Gallytrot de Nevra por tantas vezes que o vampiro revirou o único olho e passou a mão pelos cabelos negros em exasperação.
- Millie, você definitivamente está dispersa hoje e não costuma ser assim. O que aconteceu?
- Desculpe – a garota sentiu as bochechas enrubescerem – Aconteceram...coisas. Nada demais.
Nevra cruzou os braços sob o peitoral definido e a olhou fixamente, a única sobrancelha visível erguida.
- E essas...”coisas” tem a ver com um determinado elfo de cabelos azuis e olhos verdes, muito conhecido por ser dono de um senso de humor péssimo e por fazer piadas ruins?
A jovem loira não respondeu de início. O chefe da Sombra suspirou.
- Porque vocês não simplesmente transam e resolvem essa história?
- Nevra!
- Sem bancar a puritana comigo, Millie. Você quer, o Ezarel também quer, só é babaca demais para admitir. Nenhum de vocês é comprometido. O que os impede?
Ela não soube responder. Era complicado; nada os impedia mas ao mesmo tempo tudo os impedia. E quando explicou isso a Nevra, o vampiro se limitou a bufar.
- Sabe o que é esse tudo? Seu medo da possível reação negativa do Ezarel. E você sabe Millie, sei que no fundo você sabe que ele não negará. Só é orgulhoso demais para tomar a iniciativa. Você vai ter que fazer isso, por vocês dois e vá em frente – ele deu um meio sorriso pervertido – vai conseguir
- Aparenta ter muita fé nas minhas habilidades de sedução
- Eu tenho olhos na cara e bom senso, é o suficiente – ele a olhou de cima a baixo com o mesmo sorrisinho, recebendo um tapa de brincadeira em troca – Falando sério, Millie: não deixe que o medo lhe tire as oportunidades, sim? Pense nisso.
O líder da Sombra se virou, andando em direção ao grupo de subordinados que ainda treinavam e deixando-a sozinha para digerir as verdades que havia lhe dito. Silenciosamente, Millie caminhou até o prédio do QG, as palavras de Nevra ressoando em sua mente. Havia decidido ir para o seu quarto, se deitar e refletir melhor sobre tudo o que ele havia lhe dito e qual seria a decisão mais certa de tomar. Mas, ao entrar na sala das portas, seus olhos violeta vislumbraram a despensa e uma ideia ousada cruzou sua cabeça. Arrisacada? Sim. Mas seria sua resposta final
- Karuto – a faelien sorriu simpaticamente ao adentrar o território do cozinheiro do QG – Posso pegar uma garrafa de hidromel do estoque?
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